1.9.06

A IRRESISTÍVEL ASCENSÃO DE CAUBY PEIXOTO

Em 1956, o rock and roll iniciava sua inexorável caminhada rumo à conquista dos corações e mentes da juventude brasileira, segmentando, pela primeira vez, o mercado fonográfico, ao criar os ritmos próprios para a moçada tupiniquim. Nas paradas de sucessos desse ano, já despontavam, ainda que em modestas posições, vários hits dos jovens cantores roqueiros norte-americanos, com destaque para Elvis Presley (Don’t Be Cruel, Hound Dog, Heartbreak Hotel), Carl Perkins (Blue Suede Shoes), Chuck Berry (Maybellene), Pat Boone (I Almost Lost my Mind) e Bill Halley and His Comets (Rock Around the Clock). Mas, sua história estava apenas começando.

Elvis Presley interpretando Don't Be Cruel.
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Elvis Presley interpretando Hound Dog.















Carl Perkins interpretando Blue Suede Shoes.
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Chuck Berry interpretando Maybellene.

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Pat Boone interpretando I Almost Lost my Mind.

















Bill Halley and His Comets interpretanto Rock Around the Clock.
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Os grandes sucessos do ano, não obstante, ainda pertenciam aos cantores brasileiros, com destaque para Maracangalha e Só Louco (ambas de Dorival Caymmi), gravadas pelo próprio; A Voz do Morro (Zé Ketti), com Jorge Goulart; Meu Vício é Você (Adelino Moreira), com Nelson Gonçalves; Mulata Assanhada (Ataulfo Alves), com o próprio; Mentindo (Eduardo Patané/Lourival Faissal), com Ângela Maria; Mamãe (Herivelto Martins/David Nasser), com Ângela Maria e João Dias; Folhas Mortas (Ary Barroso) e Exaltação à Mangueira (Enéas Brites Da Silva/Aloísio Augusto Da Costa com Jamelão; Iracema (Adoniran Barbosa), com os Demônios da Garoa; Comida de Peno (Francisco Balbi/Miguel Miranda), com Ivon Curi; Foi a Noite (Antônio Carlos Jobim/Newton Mendonça), com a cantora sensação Sílvinha Telles; Neste Mesmo Lugar (Klécius Caldas/Armando Cavalcanti), com Dalva de Oliveira; Blim, Blem, Blam (Luiz Cláudio/Nazareno de Brito), com Luís Cláudio; Mocinho Bonito (Billy Blanco), sucesso nas vozes de duas grandes cantoras, Isaurinha Garcia e Dóris Monteiro, e outros.


Dorival Caymmi interpretando Só Louco.















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Dorival Caymmi interpretando Maracangalha.
















Jorge Goulart interpretando A Voz do Morro.















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Nelson Gonçalves interpretando Meu Vício é Você.
















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Ataulfo Alves interpretando Mulata Assanhada.
















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Ângela Maria interpretando Mentindo.
















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João Dias e Ângela Maria interpretando Mamãe.
















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Jamelão interpretando Exaltação à Mongueira.
















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Demônios da Garoa interpretando Iracema.
















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Sílvia Telles interpretando Foi a Noite.
















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Dóris Monteiro interpretando Mocinho Bonito.
















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Ivon Cury interpretando Farinhada.
















Dos ritmos internacionais – exceto o rock and roll –, também faziam sucesso Lisboa Antiga (José Galhardo/Amadeu do Vale/Raul Portela), com diversos cantores, com destaque para Amália Rodrigues; Sixteen Tons (Merle Travis), com o Tenessee Ernie Ford; Historia de un Amor (Carlos Amarán), com diversos cantores e grupos, com destaque para o Trio los Panchos; My Little One (George Howe/David Gussin), sucesso também em versão – Meu Benzinho em gravações de Agostinho dos Santos e também de Emilinha Borba; Autumn Leaves (Johnny Mercer/Joseph Kosma), com diversos cantores e orquestras, com destaque para Nat “King” Cole e Roger Williams; Recuerdos de Ypacaraí (Zulema de Mirkin/Demetrio Ortiz), com diversos cantores e grupos, sobressaindo-se Gregorio Barrios e o Trio Cristal; Moritat (Bertold Brecht), sucesso com o Dick Hyman Trio e com o brasileiro Edu da Gaita; Unchained Melody (Hy Zaret/Alex North), com Les Baxter, Roy Hamilton e diversos outros; Cerejera Rosa, com Xavier Cugat e vários outros, dentre eles Zezé Gonzaga, cuja gravação em versão para o português também agradou muito, igualmente entrando nas paradas dos discos mais vendidos e tocados.



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Amália Rodrigues interpretando Lisboa Antiga.

 

Trio los Panchos interpretando História de um Amor.




 












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Tenessee Ernie Ford interpretando Sixteen Tons.



 











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Nat "King" Cole interpretando Autumn Leaves.





Trio Cristal interpretando Recuerdos de Ypacaraí.
















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Dick Hymman interpretando Moritat.

















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 Righteous Brothers interpretando Unchained Melody.
















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Zezé Gonzaga interpretando Cerejera Rosa.




Contudo, uma música lançada em setembro de 1956, de autoria de Dunga e Jair Amorim, paulatinamente, sobe a escala das paradas de sucessos brasileiras, até se tornar o maior hit do ano, um sucesso esmagador que acompanharia seu lançador para o resto de sua vida. A música em referência é Conceição e seu cantor, a sensação do momento, o artista mais comentado por todo o Brasil, um fenômeno de popularidade, Cauby Peixoto.
Nascido em Niterói, aos 10 de fevereiro de 1931, Cauby vinha de uma família de músicos; seu irmão, Moacyr Peixoto, se destacava como pianista; o outro, Arakén Peixoto, era trumpetista, e sua irmã, Andyara, se sobressaía como cantora que atuava nas noites do Rio de Janeiro, ganhando o título de “Rainha dos Cassinos”, por trabalhar em diversos cassinos, no Copacabana, no Guarujá e no Atlântico. Tinha também um primo famoso, cantor consagrado, lançador de vários sucessos eternos como Se Acaso Você Chegasse (Lupicínio Rodrigues/Felisberto Martins), Ó Seu Oscar! (Ataulfo Alves/Wilson Batista), O Bonde de São Januário (Ataulfo Alves/Wilson Batista), Falsa Baiana (Geraldo Pereira), Beija-me (Roberto Martins/Mário Rossi) e muitos mais: Ciro Monteiro.
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Ciro Monteiro interpretando Se Acaso Você Chegasse.



















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Ciro Monteiro interpretando Falsa Baiana.
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Ciro Monteiro interpretando Oh! Seu Oscar.

 
















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Ciro Monteiro interpretando Beija-me.

 















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Já rapaz, enquanto trabalhava no comércio, Cauby fez seu debut artístico na Rádio Tupi, apresentando-se no programa “Hora do Comerciário”, tendo sua primeira crítica na recém lançada Revista do Rádio. Era um bom início para um simples desconhecido, o que lhe permitiu cantar em algumas boates (como na famosa boate Vogue) e aprimorar seus dotes musicais, que já eram bastante elogiados. Isso em meados de 1949 e 1950.

Em fevereiro de 1951, teve a oportunidade de gravar seu primeiro 78 rpm: por um selo desconhecido – Carnaval –, lançou para o carnaval desse ano, do lado A, o samba Saia Branca, de Geraldo Medeiros, e, do lado B, a marchinha Ai, Que Carestia, de Vítor Simon e Liz Monteiro. Em um carnaval dominado por Emilinha Borba (Tomara Que Chova), 4 Ases e Um Coringa (Marcha do Caracol), Jorge Goulart (Sereia de Copacabana), Gilberto Milfont (Pra Seu Governo), Dalva de Oliveira (Zum, Zum, Zum), Blecaute (Papai Adão), Marlene (Sapato de Pobre), Linda Batista (Madalena) e Francisco Alves (Retrato do Velho), Cauby, como dezenas de outros, não conseguiu se fazer notar.

Suas chances na carreira aumentaram ao ir para São Paulo a convite do irmão, Moacyr Peixoto, que assinara, recentemente, com a boate Oásis, reduto de grã-finos da pauliceia; cantando em inglês, Cauby imitava seu ídolo, e grande cartaz internacional, Nat “King” Cole, mesmo sem saber o idioma; na realidade, decorava os fonemas, a exemplo, aliás, da maioria dos cantores brasileiros. Ficou famoso entre os músicos que o acompanhavam por nunca perder o ritmo ou errar as músicas que cantava. Dessa forma, podia atuar em vários locais noturnos durante a semana, na Oásis, na Mr. Hugo, na Arpège e também no Nick Bar, reduto do pessoal do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Paralelamente, cantava na Rádio Excelsior, integrando o Quarteto G9, composto por seus irmãos mais o guitarista Betinho, que, mais tarde, ficaria famoso ao lançar, em 1954, um dos grandes sucessos do ano, a música Neurastênico, e por ter gravado, em 1957, o primeiro rock and roll com letra em português, a música Enrolando o Rock. Foi nessa rádio que Cauby fica amigo de uma cantora que teria papel fundamental em sua iniciante carreira, a internacional Leny Eversong.

La Eversong”, Hilda Campos Soares da Silva, (1920 – 1984) era uma cantora famosa pela potência de sua voz e por cantar nas mais diversas línguas; grandalhona, gorda, cabelos oxigenados e conhecida por cantar, à perfeição, preferencialmente, músicas norte-americanas, praticamente sem sotaque, apesar de não saber inglês, a cantora estava na lida musical desde a década de 30. Sua estreia em disco como solista aconteceu em 1942, ao gravar, em 78 rpm, as músicas Besame Mucho (Consuelo Velasquez) e Por Mi Culpa (César Siqueira). Ficou razoavelmente conhecida ao lançar, em 1944, também em 78 rpm, o famosíssimo fox-trot Stormy Weather (Ted Koehler/Harold Arlen), de um lado, e, do outro, mais um fox, I Can’t Give You Anything But Love (Dorothy Fields/Jimmy McHugh). Reza a lenda que chegou a fazer uma temporada na Argentina, apresentando-se como se fosse norte-americana, sem que ninguém notasse, tal era o seu desempenho.


Leny Eversong interpretando Besame Mucho.
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Lena Horne interpretando Stormy Weather.



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Leny Eversong interpretando I Can't Give you Anything but Love.




Ao longo dos anos, e até 1952, Leny lançaria diversas músicas com pouca repercussão, com destaque para os “standardsThe Music Stopped (Harold Adamson/Jimmy McHugh), Put the Blame on Mame (Doris Fisher/Allan Roberts), My Mammy (All Jolson) e para as músicas, agora cantadas em português, Estranho (Osvaldo Nunes/Cabeção), Vem Amor (Nei Campos/João Basile), e Pode Ir em Paz (Adoniran Barbosa/Hervê Cordovil. 

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 Leny Eversong interpretando Put the Blame on Mame.

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All Johnson interpretando My Mammy.





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Em 1952, acontece seu estouro nas paradas brasileiras, ao gravar, em 78 rpm, a canção Jezebel, um fox-trot de Waine Shanklin, grande sucesso do ano anterior de Frank Laine, disputando as preferências do público com Jorge Goulart, também nacionalmente famoso pela voz potente.

Leny Eversong interpretando Jezebel.



 


Jorge Goulart interpretando Jezebel.




Frankie Laine interpretando Jezebel.







Aí é que entra Cauby Peixoto.

Para compor o lado B do disco, Leny Eversong escolheu o fox-trot Blue Guitar (Peyton/A. C. Red Fortner), com acompanhamento de Poly, sua guitarra havaiana e seu conjunto. Como ficara impressionada com o cantor, chamou-o para gravarem juntos, tendo Cauby cantado em dueto com ela e também solando. Hernani Dantas, diretor artístico da Continental, estava presente durante a gravação a convite de Leny. Gostou tanto da atuação daquele cantor iniciante que o contratou para lançar seu primeiro disco real, a ser lançado pelo selo Todamérica, fundada por um conjunto de amigos compositores, dentre os quais João de Barro, Wallace Downey, Alberto Ribeiro, Antônio Almeida, ou seja, gente umbilicalmente ligada à gravadora Continental.

As músicas escolhidas para compor o 78 rpm de estréia de Cauby foram, no lado A, o fox Tudo Lembra Você (H. Marvel/J. Strachey/H. Link), uma versão meio samba-canção feita por Mário Donato do “standard These Foolish Things, música gravada por quase todos os grandes cantores norte-americanos e ingleses, de Frank Sinatra e Nat King” Cole a Brian Ferry e Rod Stewart. No lado B, foi escolhido o samba-canção O Teu Beijo, de Sílvio Donato. Isso em 1953.
 


Chet Baker interpretando These Foolish Things.




















Nenhuma fez sucesso, mas permitiu o cantor a continuar a gravar, lançando, pela mesma gravadora, no mesmo ano, mais um 78 rpm, com as músicas Ando Sozinho (R. G. de Melo Pinto/Hélio Ramos) e Aula de Amor (Poly/João Caravaggi), além de fazer dueto em outra música gravada no selo Copacabana pela cantora paulista Elza Laranjeiras intitulada Já Paguei o Meu Tributo, samba de Alfredo Borba. Novos fracassos, porém Cauby, nessa época, começaria a navegar em outras praias, sua vida profissional tomaria novos rumos que, nem em seus sonhos mais profundos, ele poderia supor: conhece o empresário Edson Collaço Veras – o Di Veras –, que tinha planos mirabolantes para o cantor, muitos planos mesmo.

Di Veras – formado em Direito –, na realidade, era um bem sucedido empresário da construção civil que tinha veleidade artística, mas fracassara como cantor. Nas horas vagas, dava uma de compositor, tentando se aproximar de diversos cantores que pudessem gravar suas músicas. O acerto de Cauby com seu futuro mentor já faz parte das lendas em torno do cantor: pode ter sido na boate Ipiranga, com Cauby cantando para o empresário os versos iniciais do sucesso internacional Tenderly (Gross/Lawrence), como também, tudo pode ter acontecido nas cercanias da Rádio Nacional de São Paulo, com Di Veras pedindo-lhe que cantasse ali mesmo, sem acompanhamento.

 

Nat King Cole interpetando Tenderly.



















O que importa mesmo é que, a partir daí, Cauby ganharia um empresário que cuidaria de sua carreira com mão de ferro, intentando transformar aquele rapaz alto, magricela, com dentes que se salientavam para fora, em ídolo popular.

Aí então começa a transformação física e de postura do cantor: seu guarda-roupa foi todo escolhido a dedo por Di Veras, bastante extravagante, pode-se dizer, para a época; como o cantor era bastante tímido, foi-lhe ensinado como se posicionar, sorrir, enfrentar os repórteres e as multidões, usar as mãos, enfim, foi criada a “persona” Cauby Peixoto. A intenção do empresário era utilizar-se das técnicas agressivas de comunicação de massas então no auge nos Estados Unidos e transportá-las para o Brasil, ingenuamente virgem para esse tipo de comportamento.

Ainda em 1953, assina com uma poderosa gravadora norte-americana, a Columbia, então iniciando suas atividades no Brasil. Em novembro desse ano, grava seu primeiro 78 rpm pelo novo selo, com as músicas Caruaru, um baião de Belmiro Barrela, de um lado, e, do outro, o samba de Alfredo Borba Mulher Boato. Não era um repertório digno da linda voz do cantor e, apesar de razoavelmente bem executado, o novo disco, a exemplo dos outros já lançados, também não aconteceu.
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Enquanto isso, o empresário tratava de divulgar o nome de seu contratado nas redações dos jornais e revistas, agora todo repaginado; logo seu nome começa a circular através dos meios de comunicação escrita, com reportagens na A Carioca, na Revista do Rádio e, principalmente, no jornal A Noite, o que mais divulgava o novo cantor. Paralelamente, Cauby continuava sua carreira como “crooner” de boates, com contrato com a Casablanca, uma das mais sofisticadas casas noturnas do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se apresentava, mesmo sem contrato, em diversas rádios, importante para fixar seu nome na memória dos radio-ouvintes.

No início de 1954, Cauby grava mais uma vez para o carnaval: lança o samba Palácio de Pobre (Alfredo Borba/José Saccomani) e Criado Mudo, do mesmo Alfredo Borba. Mais uma vez, os foliões ignoraram as músicas de Cauby, preferindo pular e sambar aos sons de Blecaute (Piada de Salão), Zé da Zilda e Zilda do Zé (Saca-Rolha), Jorge Veiga (A História da Maçã), Anjos do Inferno (Vagalume), Raul Moreno (A Fonte Secou) e de muitos outros.

E para piorar as coisas, o próximo disco lançado por Cauby, ainda nos primeiros meses desse mesmo ano, formando uma dupla com uma cantora do, digamos, segundo time, Zilah Fonseca, que continha as músicas Elvira (Rômulo Paes/Henrique de Almeida) e o “standard” latino, Vaya con Dios (Russel/James/Papper), também fracassa, fato que deve ter feito seu esperto empresário pensar que alguma coisa estava errada. Algo precisava ser feito para incrementar a carreira da jóia que ele tinha nas mãos.
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Cauby Peixoto e Zilah Fonseca interpretando Vaya con Dios.























Só que, logo logo, tudo iria mudar na carreira do cantor. Em 1953, foi lançado nos Estados Unidos o “film-noirThe Blue Gardenia (direção de Fritz Lang, contando no elenco com Anne Baxter, Richard Conte, Ann Sothern, Raymond Burr e outros, ganhando, aqui no Brasil, o título Gardênia Azul), em que Nat “King” Cole interpreta a canção-título. Um compositor desconhecido, de nome Antônio Carlos, fez a versão da música para o português, que acabou caindo nas mãos dos executivos da Columbia. Cauby foi chamado para gravá-la, sendo o disco, em 78 rpm, lançado em maio de 1954, antes ainda do que a gravação original doRei”.
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Blue Gardenia (Bob Russel/Lester Lee) estoura no mundo inteiro, inclusive no Brasil, ficando entre os cinco maiores sucessos do ano no país. Mesmo que as versões não refletissem exatamente o que diziam as canções, elas tinham o mérito de facilitar o entendimento das músicas em outros idiomas e, por isso, ao ser lançada, a gravação de Cauby Peixoto logo conquista os corações do público comprador de discos, muitos adquirindo as duas gravações, tornando-o, imediatamente, um cantor conhecido em todo o país. Obviamente, não vendeu tanto quanto a gravação original, mas, começava a nascer, nesse momento, um dos maiores ídolos populares do Brasil de todos os tempos. 

Cauby Peixoto interpretando Blue Gardenia.

















Di Veras não perde tempo, e logo as revistas e jornais estariam inundando o país com fotos e reportagens sobre o novo cantor. No dia 29 de maio de 1954, a Revista do Rádio de nº 246 (que trazia a cantora sensação do momento, Dóris Monteiro, na capa) publica uma extensa reportagem sobre o novo ídolo, intitulada “Quando Cauby Canta as Garotas Desmaiam”, que, a partir daí, daria o tom de como seriam as matérias sobre o cantor:


“Aconteceu com Frank Sinatra nos EUA o que ocorre com o moço Cauby Peixoto, agora, aqui no Brasil. É uma coisa que ninguém sabe explicar ao certo. A verdade é que, em pouco tempo, ele conseguiu um prestígio de fato vertiginoso com o público, especialmente o feminino, e, principalmente, com os brotos.

Por causa de quê? Da voz ou da simpatia? Parece que por ambas as coisas. Esta, pelo menos, é a resposta das próprias ‘fanáticas’, as fãs que correm aos auditórios e aplaudem com um entusiasmo só compreensível nos jovens, os seus ídolos mais queridos. Dizem-no o ideal dos cantores, porque é moço e bem aparecido. E porque sua voz tem muito de suavidade e ternura. É ouvi-lo e logo acontecem coisas nos auditórios da Nacional ou Mayrink. Há gritos, há desmaios, há mistério em torno do moço de apenas 21 anos, que parece saber atingir o máximo da sensibilidade das fãs.

Pelo seu valor e pela influência muito acentuada de seu amigo [Di Veras] junto ao alto comando do rádio, em pouco tempo ele despertava as atenções gerais, especialmente das fanáticas. Havia, como se disse, qualquer coisa em sua voz, aquilo que o Di Veras observara logo à primeira vista. Daí, faltava-lhe um lançamento publicitário realmente sensacional. Cauby foi estudado sob vários ângulos. Até que surgiu a idéia do seguro de sua voz. Fez-se, então, a apólice que garante ao artista, no caso da perda de sua voz, nada menos que três milhões de cruzeiros! A notícia foi lançada como uma bomba. “Pegou” de fato. E Cauby Peixoto passou a ser um dos artistas mais falados (...)

Para finalizar, há o capítulo sentimental: aos 21 anos, é claro que Cauby, querido por milhares de fãs (todas em idade de casar-se e talvez por isso mesmo suas mais ardentes admiradoras), não se preocupou ainda com o matrimônio. Não que faltassem candidatas ao seu coração, pelo contrário. Dizem que Dorinha Duval, a estonteante estrela do teatro da madrugada, esteve dona de seu afeto. Depois, argumetou-se que Angelita (ex-esposa de Chucho Martinez Gil) chegou a fazê-lo pensar em casório. Surgiram outros nomes, tudo gente bonita – revelando que o moço Cauby tem bom gosto. Ao certo, nada existe de positivo. E é natural que isso aconteça. Afinal, vendo tantos brotos desmaiarem-lhe à frente, exatamente por causa dele, é natural que ele não se entusiasme tanto por apenas um bonito palminho de rosto. Para morar definitivamente em seu coração, a candidata terá que surgir com um pouco de Marilyn Monroe, Betty Grable, ou muito mais.”
Enquanto isso, aproveitando o filão aberto por Blue Gadenia, Cauby tenta repetir a dose, e, em dezembro desse mesmo ano, lança outra versão, agora da canção-tema de outro filme de sucesso, A Um Passo da Eternidade (direção de Fred Zinnemann, com Burt Lancaster, Deborah Kerr, Montgomery Clift, Frank Sinatra e outros), vendo, ao mesmo tempo, seu prestígio popular aumentar espantosamente. Pouco tempo antes, em julho de 54, mês em que ganha sua primeira capa da Revista do Rádio, acontece um fato que deixou atônitos os fãs de Emilinha Borba: Cauby, nesse mês, receberia mais carta dos fãs do que a “Favorita da Marinha”, 3.052 contra 2.555, fato que, na verdade, nunca mais aconteceria, mas que demonstrava como estava funcionando a máquina publicitária montada por Di Veras, obviamente a figura por detrás dessas cartas.

Após isso, se tornou mesmo um ídolo popular; participava de programas de auditórios de grande audiência como os de César de Alencar e de Manoel Barcelos, além de ser uma das estrelas, ao lado de Emilinha Borba e de outros cantores, do quadro do Programa de Paulo Gracindo “Ronda dos Bairros”, famosíssimo programa transmitido de cinemas de bairros do Rio de Janeiro, para onde acorriam milhares e milhares de fãs para estar junto aos seus ídolos. E a exemplo da cantora, começa a ganhar centenas de fãs-clubes, suas fãs o presenteando com faixas e mais faixas com os mais diversos títulos, rei disso, rei daquilo, mais isso, mais aquilo etc., de forma que, no final do ano, ganha do animador César de Alencar o título de “o cantor mais enfaixado” do Brasil.

Ainda nesse ano, Cauby gravaria algumas músicas de seu empresário, Di Veras (Só Desejo Você, em parceria com Osmar Campos Filho, e Triste Melodia, desta feita, em parceria com Chocolate), lançando também, no final de 54, mais duas músicas para o carnaval, a marchinha Mil Mulheres, de Cyro Monteiro e Herivelto Martins, e Se Você Pensa, de César de Alencar. Novamente, novo fracasso, em um ano e que as músicas Maria Escandalosa (Blecaute), Império do Samba (Coro Odeon), Vou Gargalhar (Jackson do Pandeiro), Tem Nego Bebo Aí (Carmen Costa), Tutuquinha (Nilton Paz), A Água Lava Tudo (Emilinha Borba), Ressaca (Zé e Zilda) e outras dominaram a preferência dos carnavalescos.

Em 1955, outra jogada de marketing espetacular de Di Veras: em maio desse ano, Cauby embarca para os Estados Unidos em busca do sonho americano. A revista Radiolândia, de 21/05/55, rival mais bonita e mais bem elaborada do que a Revista do Rádio, em matéria de Luiz Serrano, que se tornou uma espécie de relações públicas do cantor (sob as benesses de Di Veras, é claro), nesse mesmo mês de maio, assim narra o cotidiano do cantor nos Estados Unidos da América:

“Há vários anos que Hollywood não recebe a visita de um cantor brasileiro com as qualidades vocais do Cauby Peixoto... E para mim, foi surpresa agradável verificar o entusiasmo com que tem sido recebido, não só pelos que o têm ouvido em festinhas e pequenos grupos musicais, mas por maestros da responsabilidade e competência de um Paul Weston e Billy May.

É pena que Cauby tenha vindo mais ou menos a passeio, e sem a possibilidade de aqui ficar o tempo suficiente para se firmar, atraindo a atenção do público para a sua voz, já definida como um misto de Frank Sinatra e Nat King cole pelos que o ouviram no programa de televisão de Art Linkletter. O convite para aparecer nesse show foi, aliás, sintomático do agrado da voz do Cauby...Tinha-o levado para assistir a este show na Television City daqui de Beverly Boulevard, para que conhecesse por dentro um grande estúdio de TV. Ali, como conhecia Art, apresentei-o ao mesmo que, por sua vez, o apresentou à sua imensa audiência, avaliada em muitos milhões, já que o programa é retransmitido por mais de 300 estações de TV, de costa a costa, aqui nos Estados Unidos.

Depois do show, Cauby ficou uns minutos ouvindo o pequeno conjunto que tocara durante o show, e tendo este começado a tocar “From Here to the Eternity”, foi imediatamente tentado a cantar. Cantou e no fim foi aplaudido por dezena de atônitos eletricistas, técnicos de câmera e o mesmo Art, que se aproximara curioso. E na semana seguinte, Cauby, como convidado de honra do programa mais visto e ouvido durante o dia, cantava “She is Funny That Way”. Neste mesmo dia, Paul Weston lhe apertava a mão e lhe dava os parabéns pela voz privilegiada e o sucesso da gravação dos dois discos que acabara de gravar com a sua orquestra.

(...)”

E a Revista do Rádio, também, não ficava atrás: em seu número 302 (em cuja capa estavam as eternas rivais Marlene e Emilinha Borba), informava aos seus leitores, em uma matéria delirante e deliciosamente mentirosa, os feitos de Cauby Peixoto em terras americanas nos seguintes termos:


“A verdade é que Cauby Peixoto estava disposto a enfrentar a crítica e o público dos Estados Unidos para confirmar suas qualidades de cantor. Foi, por assim dizer, à Meca dos artistas cantar com eles e entre eles sobressair-se, recebendo a consagração merecida. Durante 45 dias, esteve em Nova York, Hollywood e Las Vegas, obtendo sucesso após sucesso, que começou logo no avião que o levava aos Estados Unidos. Passageiros americanos pediram que ele cantasse e Cauby, usando o microfone do avião, desfiou suas melodias, muitas em inglês. Vivamente aplaudido, fez amizade durante toda a viagem. Em terras norte-americanas, travou logo conhecimento com Bing Crosby, Frank Sinatra, Eddie Fischer, Ella Fitzgerald, Jo Stafford, etc.

Guiado por Paul Weston, que ficara empolgado com sua voz, Cauby foi cantar na CBS, através de uma rede de emissoras de televisão, num total de 350, que alcançam todo o país. Ali, foi apresentado como superior a Billy Eckstine e Nat King Cole! Depois, gravou com a orquestra de Paul Weston, nada menos que quatro melodias, algumas de Haroldo Barbosa.

E o cinema? Cauby fez um teste na Universal e a esse estúdio deverá regressar em breve para ajustar o assunto. Cantando nos melhores night-clubs, ficou popularíssimo na terra do cinema, chegando a cantar com a orquestra de Stan Kenton e merecendo, do famoso Billy May, nada menos que uma melodia composta especialmente para sua interpretação! Carmen Miranda convidou-o logo para jantar em sua residência, ele diz inesquecível. No Marquis, Cauby foi cantar, acompanhado de Fafá Lemos e Zé Carioca, dois brasileiros que lá fazem grande sucesso. E cantou, em todos os lugares, em inglês, em francês, em castelhano, em italiano e, claro, em português. Chegaram a duvidar de que ele fosse brasileiro, tal a exatidão de sua pronúncia no idioma da terra. Tomando conta de Hollywood, Cauby esteve em contato ainda com outros famosos cartazes do cinema, destacando-se Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Joan Crawford, Dorothy Mac Guire e a novata Jayne Mansfield, considerada a sucessora de Marilyn... e um pedaço de mau caminho.

É claro que não foram poucas as propostas que lhe fizeram para ficar. Não podendo aceitá-las, pelos contratos que tem no Brasil, Cauby voltará em breve aos Estados Unidos para realizar longa temporada. E, entre outras emoções, lembranças inesquecíveis, atestados fotográficos de seu sucesso e tantas coisa mais, impossíveis de se situar numa única reportagem, Cauby revela que engordou quatro quilos nos Estados Unidos, perdeu-se uma vez no intrincado subway, deu autógrafos às mãos cheias... e entre muitos outros amores, deixou Luanna Marshall, estrela da TV em Hollywood, que com ele aparece em flagrantes fotográficos, pedindo pela sua volta rápida. Talvez porque seu coração esteja decididamente com o brasileiro que foi lá, viu e venceu...)"

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Como efeito da propaganda, não obstante as muitas críticas sobre os exageros da passagem do cantor na América, as reportagens nas duas revistas mais populares sobre o show business brasileiro, com elogios para ninguém botar defeito, fizeram meio mundo acreditar que Hollywood já estava de portas escancaradas para o novo ídolo brasileiro, sua conquista somente uma questão de tempo.

Cauby voltaria para o Brasil em junho de 1955, porém, Di Veras, em sonhos mirabolantes, tinha realmente planos para que o cantor vencesse nos Estados Unidos. Assim, logo em agosto desse ano, o cantor viajaria, novamente para aquele país, para tentar consolidar seu sonho americano. Enquanto isso, deixara várias músicas gravadas em 78 rpm, o bolero Superstição (Portinho/W. Falcão), Mambo do Galinho (Betinho/Nazareno de Brito), o samba-canção Tarde Fria (Poly/Henrique Lobo) e a tarantela Ci-Ciu-Ci, Canção do Rouxinol, versão feita por Nadir Pires de uma das músicas de maior destaque no Festival de San Remo desse ano, cuja canção vencedora fora a música Buongiorno Tristezza, de Claudio Villa e Tullio Pane. Somente essa última canção fez algum sucesso, entrando, perifericamente, nas paradas de sucessos. Essa segunda visita, apesar de ter sido razoavelmente proveitosa, nada trouxe de verdadeiramente importante para sua carreira, e ainda no primeiro semestre de 1956 (fins de março), ele volta novamente para os braços de suas fãs brasileiras.


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Também, nesse ano de 55, comprovou-se que a popularidade do artista crescia em proporções impressionantes: em votação popular feita pela Revista do Rádio (cujo resultado saiu no número 318, de 15/10/55), foi eleito o segundo artista mais popular do rádio brasileiro com 10.123 votos, sendo somente superado por Emilinha Borba (15.307 votos), e à frente de Marlene (9.000 votos) e de Ângela Maria (6.844 votos). Para quem tinha tão poucos anos de carreira, era uma subida de impressionar.

Aí, chegamos nesse ano de 1956.

Em março desse ano, foi lançado o primeiro Long Playing do cantor – Blue Gardenia –, o primeiro de sua gravadora, a Columbia, a ser lançado no país. Continha várias músicas já lançadas em 78 rpm – Blue Gardenia, Triste Melodia, Um
Sorriso e um Olhar, Daqui Para a Eternidade – e as inéditas A Pérola e o Rubi (Livingston/Evans/ Haroldo Barbosa), Sem Porém nem Porque (Renato César/Nazareno de Brito), Nossa Rua (Woods/Khan/Haroldo Barbosa) e Final de Amor, de autoria de Di Veras, Cidinho e Haroldo Barbosa.
 

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Cauby Peixoto interpretando A Pérola e o Ruby.

















Di Veras sentia que esse tinha que ser o ano da consagração definitiva de Cauby; por conta disso, inundou o mercado fonográfico – obviamente porque havia público para tal –, com lançamento de diversos discos em 78 rpm, contendo músicas que fizeram mais ou menos sucesso, Lisboa Antiga (Raul Portela/José Galhardo/Amadeu do Vale), Tentação (Edson Borges/Sidney Morais), É Tão Sublime o Amor (Fain/Webster/Alberto Almeida), Molambo (Jayme Florence/Augusto Mesquita), O Amor Não é Brinquedo (Mário Jardim/Ibrahim Sued), Canção do Mar (Frederico de Brito/Ferrer Trindade), Volta ao Passado (Fernando César), Siga (Fernando Lobo/Hélio Guimarães), Acaso (Othon Russo/Nazareno de Brito), Lamento (Newton Teixeira/Caubi de Brito), Nada Além (Custódio Mesquita/Mário Lago), Flor do Asfalto (J. Thomaz/Orestes Barbosa), Conceição (Dunga/Jair Amorim), Bebape do Ceará (Catulo de Paula/Carlos Galindo), ao mesmo tempo em que, também, eram lançados mais três Long Playings, O Show Vai Começar, Você, a Música e Cauby e Canção do Rouxinol, todos os três compostos, na maioria, por músicas já lançadas em 78 rpm.


Cauby Peixoto interpretando Molambo.

 




Conceição, segundo Rodrigo Faour, biógrafo de Cauby, foi composta somente pelo compositor Dunga (em uma história supostamente baseada em um problema passional vivido por ele), o discotecário Jair Amorim entrando na parceria a troco de sua divulgação. Além de ter sido lançada em 78 rpm, a composição fazia parte do LP Você, a Música e Cauby. Sua letra, contando a história de uma garota favelada que sonhava em brilhar no asfalto, mas, que terminava por ser engolida pela voracidade da cidade grande, causou sensação, caindo logo no gosto popular. Foi o maior sucesso do ano e o maior sucesso do cantor:


“Conceição
Eu me lembro muito bem
Vivia no morro a sonhar
Com coisas que o morro não tem.

Foi então
Que lá em cima apareceu
Alguém que lhe disse a sorrir
Que, descendo à
cidade, ela iria subir.

Se subiu
Ninguém sabe, ninguém viu
Pois hoje o seu nome mudou
E estranhos caminhos pisou.

Só eu sei
Que tentando a subida, desceu
E agora daria um milhão
Para ser outra vez
Conceição.”

Cauby Peixoto interpretando Conceição.

















A partir desse ano, Cauby se tornou o cantor mais popular do país; não pôde acompanhar a irresistível escalada de Conceição rumo ao topo das paradas de sucessos, já que, em outubro, quando a música começa a ser veiculada exaustivamente pelas rádios, tornando-se conhecida em todo o Brasil, volta aos Estados Unidos para nova tentativa do sucesso internacional, provocando um clima de histeria em sua despedida, suas roupas sendo arrancadas e rasgadas pelas fãs, tudo planejado, obviamente, por Di Veras, que mandara que as roupas do cantor não fossem costuradas, só alinhavadas, em outro truque de marketing. O cantor, agindo dessa forma em sua trajetória em busca da notoriedade, ainda reservaria muitas surpresas para seus fãs e detratores. Muitas surpresas mesmo.

Um comentário:

Lz disse...

Cauby e Rock Hudson, que encontro...