4.9.06

O CARNAVAL DAS INTRIGAS

Devido à tentativa de golpe contra a posse de Juscelino Kubitschek, ocorrida em novembro do ano recém findo, muitos temiam um carnaval fraco, desanimado e nervoso; mas, o que se viu foi o contrário, um carnaval animadíssimo, com marchinhas deliciosas e sambas belíssimos, alguns (poucos na realidade) se tornando parte dos clássicos carnavalescos de todos os tempos. Segundo Nestor de Holanda (revista Manchete, de 03.03.57), nada menos do que 680 músicas foram gravadas para esse carnaval, a grande maioria ficando dormindo nas prateleiras das lojas de discos. Segundo ainda Nestor, a proprina aos discotecários foi escancarada, dando início a uma prática que se estende até hoje. Também foi o carnaval onde as fofocas e a intriga correram soltas, com acusações de plágio, apropriação indébita e outras que tais.
Apesar de ter perdido o carnaval para a Império Serrano, que empolgou a massa com o lindo samba Caçador de Esmeraldas (de Silas de Oliveira e Mano Décio), a Estação Primeira de Mangueira (terceiro lugar no desfile oficial das escolas de samba com o samba Homenagem a Getúlio Vargas, o Grande Presidente, de autoria do compositor Padeirinho) empolgou os foliões nos salões de bailes; dois sambas em sua homenagem – Exaltação à Mangueira e Fala Mangueira – foram os grandes destaques do carnaval desse ano; ambas se destacaram diante de uma profusão de músicas carnavalescas – algumas boas, muitas de poucas qualidades, a maioria, pela quantidade, nem se fazendo ouvir pelos foliões, que, desde os lançamentos, já haviam escolhido suas favoritas.


Exaltação à Mangueira, dos compositores Enéas B. Silva e Aloísio Augusto Costa, logo se destacou das demais, tornando-se uma das mais executadas nas rádios e nos bailes por todo o país. Foi lançado por um cantor que se tornaria uma lenda vida na história do samba, José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão.

Nascido no Rio de Janeiro (1913 - 2008), os primeiros contatos de Jamelão com o samba se deram quando integrou a bateria da Mangueira tocando tamborim. Após aprender a tocar cavaquinho, e obter comentários elogiosos sobre sua bonita e potente voz, teve a oportunidade de se apresentar na gafieira Jardim do Meyer (ocasião em que lhe apelidaram de Jamelão, em virtude de sua cor), impressionando a todos com sua performance. Foi a senha para receber outros convites para se apresentar em diversas outras gafieiras cariocas, a Fogão, de Vila Isabel, a Cigarra e a Tupi entre elas.

Foi a primeira etapa de sua carreira, pois logo ele começou a se apresentar como crooner em diversos “dancings” – casas noturnas um pouco mais sofisticadas do que as gafieiras – como a El Dorado, o Farolito, o Avenida, o Brasil, o Belas-Artes e outros. Chegou a ser "crooner" da prestigiada Orquestra Tabajara, de Severino Araújo. Como a maioria dos artistas da época, inicia seu périplo por diversos concursos de calouros até ganhar um deles - o da Rádio Clube do Brasil -, emissora que o contratou por um ano, após o qual ele começou a se apresentar em outras emissoras, a Rádio Guanabara, a Tupi do Rio de Janeiro, eventualmente substituindo Francisco Alves, o Rei da Voz, e Onésimo Gomes, cantor muito famoso nas décadas de 30 e início dos 40.

Somente em 1949, Jamelão conseguiu gravar seu primeiro disco em 78 rpm: lança pela gravadora Odeon o calango A Jibóia Comeu (Antenógenes Silva/J. Correia da Silva), acompanhado ao acordeom pelo próprio compositor Antenógenes Silva, e o samba Pensando Nela, também de Antenógenes Silva em parceria com Irani de Oliveira. Em 1950, lança para o carnaval as marchinhas Pancho Vila (Liz Monteiro/Victor Simon/Luiz Thomasi) e Este é o Maior (Pereira Matos, Correia e O. Silva); grava também, em dueto com Onéssimo Gomes, o samba Capitão da Mata (Henrique de Almeida/Humberto de Carvalho/Gadé) e a marcha Já Vi Tudo, de Antenor Borges, Raimundo Lessa e S. Queima. Em um carnaval dominado por Jorge Goulart (Balzaqueana), Vocalistas Tropicais (Daqui Não Saio), Marlene (Se é Pecado Sambar), Linda Batista (Nega Maluca), Francisco Alves (A Lapa), Oscarito (Marcha do Gago), Dircinha Batista (A Coroa do Rei) e Blecaute (General da Banda), os foliões praticamente não tomaram notícias das músicas gravadas por Jamelão.

Em 1951, grava, como crooner de Carioca e sua Orquestra, os choros Casinha da Colina (Luiz Peixoto/Pedro de Sá Pereira) e Voltei ao Meu Lugar, do próprio maestro Carioca. No mesmo ano, grava o baião Torei o Pau (Luiz Bandeira) e o samba-canção Onde Vai Sinhazinha, outra música do maestro Carioca. Atirando em todos os ritmos, marcha, samba, samba-canção, choro, baião, Jamelão continuava ausente das preferências do grande público.

Jamelão fala sobre sua vida.



Após passar a gravar para o selo Sinter, Jamelão lança, em 1952, a march
a Só Apanho Resfriado (Wilson Batista /Erasmo Silva) e a batucada Você Vai... Eu Não, de sua autoria, secundado por Pereira Matos, além de ter participado, comocrooner” da Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, do famoso baile do Castelo de Coberville, na França, quando o estilista francês Jacques Fath apresentou o algodão brasileiro à alta costura européia, e que tanta dor de cabeça deu ao presidente Getúlio Vargas (ver 1951). O cantor lançaria também, pelo mesmo selo, em 1953, os sambas Eu Não Poderei, de sua autoria e José Batista, e Acabei Entrando Bem, dos mestres Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, além da batucada Deixa Amanhecer, outra música de sua autoria, em parceria com Rossini Pacheco e José Ribamar. Mais uma vez, nenhuma fez sucesso popular, e apesar de ser aclamado pela crítica como um dos bons cantores do momento, a carreira do cantor permanecia em uma espécie de limbo.
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Até que, aos 41 anos, em 1954, contratado pela gravadora Continental, lança os sambas Leviana (Zé Ketti/Amado Regis) e Deixa de Moda, do bamba do samba, Pandeirinho. Leviana acabou entrando na trilha sonora de Rio 40 Graus e pouco a pouco começou a ser executada pelas rádios do Rio de Janeiro. Foi o primeiro êxito real de Jamelão, ainda que tímido:

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“O azar é o seu
Em vir me procurar
Me abandona, me deixa
Não quero mais ver
A luz do seu olhar
Você manchou um lar que era feliz
E agora quer voltar.
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Leviana, sinto muito mas vai atrasar minha vida
Leviana, precisando até posso lhe dar guarida
Mas o meu lar sente vergonha como eu.”
Jamelão interpretando Leviana. 















Tudo de bom acontece mesmo para o cantor é nesse ano de 1956; após gravar, em 1955, as músicas Corinthians Campeão do Centenário e Oração de Um Rubro-Negro, ambas de Billy Blanco, Bica Nova, de Luiz Antônio e D. Palma, e Se Parar Esfria, de Norival Reis e José Batista, a fama nacional acontece: além do sucesso nacional de sua gravação de Folha Morta, de Ary Barroso, Exaltação à Mangueira, estoura no carnaval, sendo um dos sambas vencedores do concurso oficial patrocinado pela prefeitura do Distrito Federal (segundo lugar), sua melodia sendo considerada a mais bonita do ano:
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Mangueira, teu cenário é uma beleza
Que a natureza criou...ô...ô
O morro com seus barracões de zinco
Quando amanhece, que esplendor.

Todo o mundo te conhece ao longe
Pelo som de teus tamborins
E o rufar de teus tambores
Chegou...ô...ô
A Mangueira chegou...ô...ô.

Mangueira, teu passado de glória
Está gravado na história
É verde-rosa a cor de tua bandeira
Pra mostrar a essa gente
Que o samba é lá em Mangueira.”
Dalva de Oliveira interpretando Folha Morta.




Jamelão interpretando Exaltação à Mangueira.



O compositor Mirabeau (1924 - 1991), já famoso por diversos êxitos tanto nos carnavais quanto fora deles, tais como Quase (1954, sucesso de meio
de ano de Carmen Costa), A Morena Sou Eu (1955, um samba feito em resposta a Ataulfo Alves, que tinha alcançado sucesso com a música Pois É, em uma tentativa de polêmica que não prosperou), Cachaça (1953) e Tem Nego Bebo (1955), foi um dos grandes vencedores do carnaval desse ano, com os sambas Obsessão e Fala, Mangueira, ambos feitos em parceria com Milton de Oliveira, e a marchinha Turma do Funil, também em parceria com Milton Oliveira, as duas últimas músicas premiadas no concurso oficial da prefeitura do Distrito Federal. Lançada por Ângela Maria, consagrada como a melhor cantora de 1955, Fala, Mangueira fez sucesso imediato junto aos foliões do Brasil inteiro:

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“Fala, Mangueira, fala
Mostra a força da tua tradição
Com licença da Portela, favela
Mangueira mora no meu coração.

Suas cabrochas gingando
Seus tamborins repicando
Estou falando da Mangueira
A velha Mangueira
Tradicional.”

Ângela Maria interpretando interpretando Fala, Mangueira





















Mirabeau realmente estava com tudo nesse ano: o samba Obsessão também foi um grande sucesso nesse carnaval, fazendo com que a cantora Carmen Costa fosse uma das cantoras mais solicitadas durante os festejos de Momo:
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“Você roubou meu sossego
Você roubou minha paz
Com você eu vivo a sofrer
Sem você vou sofrer muito mais.
Já não é amor
Já não é paixão
O que eu sinto por você
É obsessão".

Alcione No Ensaio Geral interpretando grandes sambas, dentre eles Obsessão.


Turma do Funil segue uma tradição de Mirabeau: marchinhas tendo o álcool como tema e que faziam muito sucesso junto aos foliões. Lançada pelos Vocalistas Tropicais, com alta popularidade nesse momento, a música logo cai no gosto do povão, que a cantava, inclusive, com a letra trocada pela malícia (“Onde houver cachaça/Maria Antonieta/Presente está a turma da punheta”):

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“Chegou a turma do funil
Todo mundo bebe
Mas ninguém dorme no ponto
Ai, ai, ninguém dorme no ponto
s é que bebemos
E eles que ficam tontos.



Eu bebo sem compromisso
Com meu dinheiro
Ninguém tem nada com isso
Onde houver garrafa
Onde houver barril


Presente está a turma do funil.”

Ouça os Vocalistas Tropicais interpretando Turma do Funil.



Outro samba vencedor do concurso oficial, aliás, ganhou o primeiríssimo lugar, foi Vai Que Depois Eu Vou, um samba-batucada de melodia triste e letra simples, de autoria de Zilda do Zé, Adolfo Macedo e Aírton Amorim. Muito se fofocou sobre essa música. O que se comentou à época foi que, na verdade, o verdadeiro autor da música era Adolfo Macedo; Aírton Amorim teria entrado como autor por ser discotecário, o que garantiria a execução, à exaustão, da composição, o que, de fato, realmente aconteceu. E Zilda teria entrado na parceria por ser a cantora. Seja qual for a verdade, o fato é que o samba, feito em homenagem ao compositor Zé da Zilda, marido de Zilda do Zé, morto havia pouco tempo, foi o mais cantado no carnaval desse ano, Zilda repetindo o sucesso do carnaval do ano anterior:

“Vai, vai amor
Vai que depois eu vou.

Seu que vais pra longe
Não poderei esquecer
Já implorei ao Senhor

Não me deixe nesse mundo a sofrer.”



















Paquito (1915 – 1975) e Romeu Gentil (1911 – 1983) eram uma dupla de compositores que, quase sempre, arrasava no carnaval; autores de clássicos carnavalescos como Jacarepaguá (com Marino Pinto como parceiro), Daqui Não Saio, Tomara Que Chova, A Marcha do Conselho, A Água Lava Tudo (em parceria com Jorge Gonçalves) e uma infinidade de outras, lançaram para esse carnaval o samba Era de Madrugada, que, na voz do cantor-galã Bill Farr, foi um dos grandes destaques do ano:

"Era de madrugada, vinha raiando o dia
Quando em minha porta bateu Maria
Se não dissesse seu nome, eu não
Não conheci Maria.
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Quando abri a porta e deparei
Com a mulher que mais amei
Depois que ela perdeu toda a beleza e mocidade
Quer voltar...é tarde..."
Bill Farr interpretando Era de Madrugada.


















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Silas de Oliveira (1916 - 1972), uma das lendas do samba, autor de obras primas de sambas-enredo pela Império Serrano como Sessenta e Um Ano de República (vencedora do carnaval de 1950), O Último Baile da Corte Imperial (segundo lugar no desfile de 1953), Exaltação a Duque de Caxias (primeiro lugar do carnaval de 1955, parceria com Mano Décio e João Fabrício) e vários outros, teve, nesse carnaval, pela primeira vez, um samba de sua autoria gravado para o carnaval, o samba Radiopatrulha, composto em parceria com Marcelino Ramos, José Dias e Luizinho. No entanto, consoante Nestor de Holanda, essa composição também tem uma história paralela. É ele quem conta:
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“O samba ‘Radiopatrulha’, gravado por Heleninha Costa, também tem sua história. No ano passado, uma escola de samba surgiu cantando a primeira parte da música. Pouco depois, os compositores Marcelino Ramos e Silas de Oliveira compareceram à firma dos Irmãos Vitale, em companhia de Luizinho, um jovem de 14 anos, residente no morro do Jacaré. Informaram que a primeira parte do samba era do rapaz e que eles dois fizeram o resto. E queriam registrá-lo, para garantia da autoria. Mas José Dias (Príncipe Hindu), compositor que é casado com a cantora Rute Amaral, também foi ao escritório daqueles editores, dizendo-se autor de todo o samba.
Criou-se um problema. Mas os Irmãos Vitale o solucionou harmoniosamente: deixaram que os quatro aparecessem como ‘donos’ do samba que uma escola apresentara nas ruas no carnaval de 55.”

Seja como for, o samba fez um mais do que razoável sucesso nesse carnaval na voz da cantora Heleninha Costa:
“Se a Radiopatrulha chegasse aqui agora
Seria uma grande vitória
Ninguém poderia correr
Agora que eu quero ver
Quem é malandro não pode correr.

Resistência e coragem
Não lhe ofereço
Quando ela chega

Impondo respeito
Não oferece preço.”

Heleninha Costa interpretando Radiopatrulha.




















Outro samba que fez bastante sucesso nesse ano foi Batendo Cabeça, de Haroldo Lobo; mesmo não fazendo justiça ao consagrado autor de O Passo do Canguru, Passarinho de Relógio, Eva, Juro, Pra Seu Governo e tantas outras, a composição, gravada por Gilberto Milfont, caiu na boca do povo e foi cantado e tocado por todo o país. Ganhando o terceiro lugar no concurso oficial, Mestre Haroldo Lobo mostrou que, mesmo com o passar dos anos, continuava afiado e antenado com o gosto popular:
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“Ando atrás de alguém
Pra ser meu bem
Pra me ajudar
Se você me quer
Por que não vem
Me consolar
Ando maluco
Não como e não durmo
Sabe por quê?
Batendo cabeça
Maluco, maluco
Atrás de você.”
Gilberto Milfont interpretando Batendo a Cabeça.








Com relação às marchinhas, o grande sucesso do ano foi, indubitavelmente, Quem Sabe, Sabe, de Carvalhinho (1930 - 2007) e Joel Almeida (1913 - 1993), que, aproveitando o mote de um jingle de sucesso nas rádios e na televisão (de autoria deMiguel Gustavo), a lançaram com o próprio Joel de Almeida (da antiga dupla Joel e Gaúcho), um sucesso espetacular. Foi outra composição que deu o que falar; diziam que a música seria de Ary Barroso, que este não a assinara para provar que os discotecários o sabotavam. A essa altura de sua vida, Ary muito se queixava de que suas músicas não eram executadas pela má vontade dos discotecários com relação a ele. Por isso, não assumira a autoria da composição, o qu e permitiu o sucesso da marchinha.
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Joel de Almeida e Carvalhinho negaram peremptoriamente tal fato. Exigiram, inclusive, que os Irmãos Vitale emitissem uma nota contestando o boato e reafirmando a real autoria da composição. Também Ary negou que tivesse afirmado que era o real autor, apesar de se comentar que ele teria uma carta assinada pelos dois compositores que lhe garantiria 30% dos direitos autorais da marcha carnavalesca. Depois se comentou que Ary teria recebido “jabá” dos anunciantes do jingle para divulgá-lo em seu programa de rádio, e, por isso, recebera a tal carta de Joel e Carvalhinho. A história real nunca ficou efetivamente conhecida. Quem Sabe, Sabe terminou ganhando o primeiro lugar no concurso oficial do Distrito Federal:

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“Quem sabe, sabe
Conhece bem
Como é gostoso
Gostar de alguém.

Ai! morena

Deixa eu gostar de você

Boêmio saber beber

Boêmio também tem querer.

Ouça Joel de Almeida interpretando Quem Sabe, Sabe.
 

















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Braguinha e a favorita Emilinha Borba também marcaram presença nesse carnaval; Pescador Grã-Fino fez bonito nos bailes e nas ruas, constituindo-se em mais um sucesso (quarto lugar no concurso oficial) de uma das duplas mais vitoriosas do carnaval brasileiro:
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“Pescador grã-fino só conta lorota
E vai pra pescaria de caniço e champanhota
E vai pra Cabo Frio, e vai pra Sepetiba
Mas, não pesca ‘neca de pitibiriba’.

Nem co...co...cocoroca

Co...co...co...co...cocoroca
E passa o dia inteiro
Dando banho na minhoca.”
Emilinha Borba interpretando Pescador Grã-Fino.




















Falando em Emilinha Borba, a cantora, cuja popularidade continuava altíssima, foi assunto de dezenas e dezenas de reportagens nesse ano, todas relacionadas apenas com sua vida particular: seu casamento com o “Arturzinho”, famoso playboy, automobilista, e filho do ex-ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Artur de Souza Costa, sua operação de apendicite que excitou todo o Brasil e sua festa de aniversário, ocasião em que era homenageada pelos seus admiradores com festas e fogos de artifícios.

O colunista Nestor de Holanda, que, como vimos acima, ganhou triste notoriedade por ter cunhado a expressão racista “Macacas de Auditório”, referindo-se às garotas humildes que frequentavam o auditório da Rádio Nacional, e que tinha uma coluna denominada “Rádio e TV” na revista Manchete, com o título de “Da Felicidade de Não Ser Miloca”, assim descreveu esses acontecimentos:
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“Há dias, sinceramente desejei catar um bom milagroso entre os padroeiros de todos os dias do ano e ir ao seu altar, com humildade e fé, para agradecer, ajoelhado, o milagre de eu não ter nascido Emilinha Borba. Porque, decididamente, se apoderou de mim uma pena imensa da popularidade violentíssima da sorridente Miloca, nos olhos de quem leio, todos os dias, uma ânsia imperiosa de fazer qualquer coisa que o mundo não saiba, de trocar um vestido sem que as revistas noticiem ou sofrer uma dor de cabeça sem que seja preciso abrir manchetes (sobre a cabeça e a dor) nos jornais. Quem tem a desdita de ficar conhecido, perde a incomparável felicidade de viver a própria vida deliciosamente trancado dentro de si mesmo. Vira clamor público. Questão social. Os crimes de ação privada cometidos contra sua pessoa são crimes de ação pública. Olho, por isso, profissionais da política nacional a invejar a lamentável propaganda em torno de Emilinha Borba e não invejo a inveja desses homens.
Meninas que querem ser cantoras conhecidas mostram que têm lindas pernas, encantadoras jovens que se candidatam a perfeitas intérpretes da música popular brasileira exibem tentadores ‘bikinis’, dengosos galãs do menosprezado microfone indígena pedem votos nos concursos, todos aspiram a uma popularidade pelo facilitário e não imaginam o azedo fruto que produz a árvore florida da fama, árvore que se consegue camuflar de consagração definitiva. Muitas artistas nossas, quase todas, pensam que são iguais a Emilinha ou Marlene em gênero, número e grau. É engano. Podem ser melhores em gênero; maiores em número, mas são bem inferiores em grau de publicidade.. Quando falam do próprio prestígio perante as massas, não estão mentindo para quem ouve; estão mentindo, sim, para elas próprias. É a mitomania nascendo de um desejo louco de popularidade. Mas 99% dos aficionados da vida política e percentagem igual de sambeiras não avaliam a desdita que representa a falta de direito a um isolamento para a alma e a carcaça.
Nos dias que correm, com a vida a jato e de cimento, armado, esta última ponte da figura humana precisa ainda mias de retiro do que o próprio espírito. E é isso que Emilinha Borba não consegue obter. Um casamento, por exemplo, é coisa tão vulgar que muitos até nem uma mais. Apendicite também se dá em todas as horas do dia. Por falta de dados concretos, não sei dizer se, no Brasil, há mais apendicites ou casamentos, mas, de qualquer maneira, são duas operações comuníssimas que vemos, às centenas, todos os dias. E ninguém abre manchetes. No entanto, o casamento e a apendicite e Emilinha (ela passou pelos dois quase ao mesmo tempo) foram assuntos de reportagens sensacionais, de “furos” mesmo. Núpcias ou inflamação de apêndice só deviam interessar aos próprios pacientes.
Foi exatamente por tudo isso que senti orgulho de poder agradecer a algum padroeiro o feliz acontecimento de ser anônimo, de poder andar livremente pelas ruas, com “habeas-corpus” impetrado pela própria impopularidade. Não invejo, repito, Emilinha Borba. O que eu invejo, de fato, é, por exemplo, um rapaz chamado Ivan, de que nem o sobrenome se sabe. Ele escreve sob o pseudônimo de Cláudia Rodrigues, xinga todo mundo, e continua mais desconhecido do que o vírus da poliomielite, com a única diferença de que não incomoda. Isso é que é ser feliz!”

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Marlene também arrasou nesse carnaval; aproveitando a notoriedade do colunista social Ibrahim Sued, Miguel Gustavo compôs para ela Ibrahim, Piu, Piu, uma marchinha deliciosa, em que o compositor utiliza várias expressões popularizadas pelo comentado colunista:
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"Ó Ibrahim, piu, piu
(bis)

Ó Ibrahim, bota o meu nome no jornal
Eu quero ser também
Metida a ‘gente bem’
Dependurada na ‘coluna social’.
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Bota o retrato meu junto do teu e diz
Que estou chegando agora vinda de Paris

Ó Ibrahim, conta depressa que me viu
Dançando nas boates e o resto é piu, piu."

Marlene interpretando Ibrahim, Piu, Piu.












  




Sucesso também fez a marchinha Cara Linda, de Valdir Machado; lançada pelo locutor Afrânio Rodrigues, foi premiada como uma das mais populares do ano, ganhando o segundo lugar no concurso oficial patrocinado pelo Distrito Federal:
"Você com essa cara tão linda

Tão linda de invejar a lua

Será que você vai pra casa

Ou vem de casa pra ficar na rua.

Aonde você for, eu vou

De bonde, trem ou lotação

Por você eu boto um cabo na lua

E vou a pé até o Japão.”

Afrânio Rodrigues interpretando Cara Linda.



















Outros sucessos desse carnaval de 1956: Todo Vedete (de Wilson Batista/Jorge Castro), com Nelson Gonçalves; O Que Deus Me Deu (outro sucesso de Paquito e Romeu Gentil), lançamento de Francisco Carlos; Namoro da Vovó (de Raul Sampaio), com Orlando Silva; Maria Champanhota (de Klécius Caldas/Armando Cavalcanti), com Blecaute; Trrim, Trrim (de Santos Garcia e Aldacir Louro), com Osvaldo Silva; Saco de Papel (de Haroldo Lobo e Francisco Neto), com Risadinha; A Serenata Morreu (de Nássara e Roberto Martins), com Carlos Augusto; Sai do Meu Caminho (de Ataulfo Alves), com Ataulfo Alves e suas Pastoras.