25.8.06

“ÍNDIA” : NASCIDA PARA SER ETERNA

"Índia seus cabelos nos ombros caídos

Negros como a noite que não tem luar

Seus lábios de rosa para mim sorrindo

E a doce meiguice desse seu olhar.


Índia da pele morena

Sua boca pequena

Eu quero beijar.


Índia, sangue Tupi

Tem o cheiro da flor

Vem que eu quero lhe dar

Todo o meu grande amor.


Quando eu for embora para bem distante

E chegar a hora de dizer-lhe adeus

Fica nos meus braços só mais um instante

Deixa os meus lábios se unir aos seus.

Índia, levarei saudade

Da felicidade

Que você me deu.

Índia a sua imagem

Sempre comigo vai

Dentro do meu coração

Flor do meu Paraguai."

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Cascatinha e Inhana interpretando Índia.
















Gal Costa interpretando Índia.





Ithamara Koorax e azymuth interpretando Índia.  

Paulo Sérgio interpretando Índia.  

Perla interpretando Índia.
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Desde 1948, quando Luiz Gonzaga emplacara o sucesso A Moda da Mula Preta (sucesso também com a dupla Tonico e Tinoco), uma música da vertente sertaneja não alcançava os píncaros das paradas de sucessos. Tal façanha foi conseguida por Cascatinha e Inhana, que, no início de 1953, toma conta do país com um dos mais duradouros sucessos musicais de todos os tempos no Brasil: Índia.



A dupla Cascatinha (1919 - 1996) e Inhana (1923 - 1981), aliás, Francisco dos Santos e Ana Eufrosina da Silva, na realidade, começara como trio. Francisco, em seus dezoito anos, já era chegado em um violão, seu repertório basicamente composto de valsas e modinhas. Sua vida começa a mudar com a chegada em Araraquara, interior de São Paulo, sua terra natal, do Circo Nova Iorque. Travando conhecimento com um dos artistas da troupe, que tinha o nome artístico de Chopp, cantor como ele, logo os dois resolvem formar uma dupla sertaneja, Francisco alterando seu nome para Cascatinha - à época nome de uma popular cerveja - para combinar com o do parceiro. Não demora, a dupla se torna conhecida em toda a região, tornando-se um trio - Trio Esmeralda - quando Francisco se casa com Ana em 1941.


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O trio, além do circuito dos circos e parques de diversões, inicia o caminho de todo artista de então: os programas de calouros. Indo para o Rio de Janeiro, participa do programa de César Ladeira, na Rádio Mayrink Veiga, no Manoel Barcelos, na Rádio Nacional, e no famosíssimo programa de Renato Murce, Papel Carbono, também na Nacional. Os diversos prêmios ganhos não impedem, entretanto, o fim do trio em 1942. Francisco e Ana formam então uma dupla – agora chamada de Cascatinha e Inhana – ingressando no Circo Estrela D'alva, que fazia o roteiro Rio/São Paulo.
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Após passar por outros circos, em 1947, a dupla ingressa na Bauru Rádio Clube, onde o sucesso de suas apresentações lhe abre as portas da Rádio América, da capital São Paulo, de onde vão diretamente para um local que nem em seus sonhos mais dourados poderia imaginar: os sets dos estúdios Atlântida, participando, em 1949, de Carnaval no Fogo, o lendário filme de Watson Macedo.
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Com o nome já razoavelmente conhecido, em 1950, a dupla é contratada pela Rádio Record, o que lhe possibilita gravar seu primeiro disco em 78 rpm na jovem gravadora Todamérica, escolhendo as músicas Fronteiriça, de Zé Fortuna, e o sucesso internacional La Paloma, que fazem razoável sucesso, principalmente em São Paulo.


Cascatinha e Inhana interpretando La Paloma.










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Cascatinha e Inhana interpretando Fronteiriça.
















 
Até que, em 1952, o casal grava Índia, uma guarânia paraguaia de Manuel O. Guerrero e J. Assuncion Flores, com versão do mesmo Zé Fortuna (autor de outras versões que se tornaram grandes sucessos da dupla como Meu Primeiro Amor, Anahí e outras), que cai na boca do povo e se torna, nesse ano de 1953, um extraordinário sucesso popular.

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Posteriormente gravada por meio mundo - da musa da MPB e tropicalista, Gal Costa, à estrela da vanguarda paulista, Tetê Espíndola; de Ithamara Koorax, uma das poucas (e desconhecida em nosso país) cantoras brasileiras a frequentar as páginas da revista cult norte-americana Downbeat dedicada ao Jazz, à dupla de ocasião, Agnaldo Timóteo e Ângela Maria (para não falar da gravação do cantor “brega” Paulo Sérgio que se tornou um enorme sucesso popular), e até por Roberto Carlos, e em 2011, participando do DVD da nova sensação da música brasileira regional, Paula Fernandes, que a interpretou com o ídolo sertanejo Leonardo -, Índia é daquelas músicas nascidas para ser eternas.

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Em 1953, Nora Ney prosseguia com sua carreira de êxitos. Ninguém me Ama continuou nas paradas até meados do ano, enquanto a cantora lança várias outras músicas que caem no gosto popular (principalmente das camadas médias altas, dos presidiários e das prostitutas, como já visto), com destaque para os sambas-canções Preconceito (Antônio Maria/Fernando Lobo), De Cigarro em Cigarro (Luiz Bonfá) e Bar da Noite (Haroldo Barbosa/Bidu Reis), e do samba-choro È Tão Gostoso, Seu Moço, de Mário Lago e Chocolate.  Seu compositor preferido, e o que mais se identificava com seu mundo, era o todo-poderoso cronista dos notívagos, Antônio Maria. E se existe alguém com a cara do samba-canção na década de 50, inegavelmente esse alguém teria que ser ele, Antônio Maria.

Nora Ney interpretando De Cigarro em Cigarro.

















Nascido em Recife,Antônio Maria (1921 - 1964), já aos 13 anos tem seus primeiros contactos com a vida artística, trabalhando como locutor e apresentador de programas musicais na Rádio Clube de Pernambuco. Antes de completar 20 anos, em 1940, muda-se para o Rio de Janeiro, iniciando carreira de locutor esportivo na Rádio Ipanema, emprego em que fica por pouco tempo, despedido que foi por tentar criar novidades na maneira de irradiar os jogos, inventando gírias e bordões que não agradam aos poderosos da rádio. Cai então na boemia e na esbórnia com o conterrâneo e amigo Fernando Lobo. Sem emprego fixo, Maria volta para Recife, onde, aproveitando a fama de ter trabalhado em rádio na capital federal, consegue trabalho em jornais e na publicidade, além de voltar a atuar como locutor esportivo, profissão em que também trabalha, quando se transfere para a Rádio Clube de Fortaleza. Em pouco tempo, está em Salvador, Bahia, agora ocupando o importante cargo de Diretor de Produção das Emissoras Associadas, o que se mostrará importante para seu futuro.

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Volta definitivamente para o Rio de Janeiro em 1948, continuando a trabalhar no mesmo cargo para as Associadas de Assis Chateaubriand, agora na Rádio Tupi, além de começar a assinar uma crônica em O Jornal intitulada "Jornal de Antônio Maria", que, em pouco tempo, se transforma em um sucesso espetacular, tornando seu nome conhecido em toda a cidade. Logo depois, também assinaria uma coluna na revista Manchete, denominada "Pernoite", outro sucesso. Sua carreira como compositor deslancha em 1951, quando tem gravadas duas músicas, o Frevo Número Um de Recife, pelo Trio de Ouro, e Querer Bem, um samba feito em parceria com Fernando Lobo, gravado por Aracy de Almeida.


Em 1952, Maria pôde colocar em prática suas experiências radiofônicas. Por um salário astronômico (50.000 cruzeiros), transfere-se para a Rádio Mayrink Veiga, onde produziria vários programas de grande audiência - "Alegria na Rua", "Regra-Três", "Musical Antártica" etc. -, além de conseguir seu primeiro grande sucesso, quando a estreante Nora Ney alcança o topo das paradas com Ninguém me Ama, considerada por muitos como a música-síntese do samba-canção.
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"Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa, e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem

Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso

E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim

Ninguém me ama, ninguém me quer.."
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1953 foi um ano profícuo para o Antônio Maria compositor; além de Preconceito, são gravadas de sua autoria Quando tu Passas por Mim, Dobrado de Amor a São Paulo (ambas feitas em parceria com o iniciante Vinícius de Morais), e outras feitas em parceria com Zé da Zilda, Meu Contrabaixo, Não Fiz Nada e Não Vá Embora. De todas, Preconceito foi a que teve maior repercussão, coincidentemente a que mais se identifica com o universo do samba-canção, o ritmo da moda:
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"Por que você me olha
Com esses olhos de loucura
Por que você diz meu nome
Por que você me procura.
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Se as nossas vidas juntas
Terão sempre um triste fim
Se existe um preconceito
Separando você de mim.
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Por que esse beijo de agora
Por que meu amor esse abraço
Se um dia você foi embora
Sem passar os tormentos que eu passo.
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De que serve sonhar um minuto
Se a verdade da vida é ruim
Se existe um preconceito muito forte
Separando você de mim."

Nora Ney interpretando Preconceito.

















Com este sucesso comercial, e com seu poder na mídia carioca, Antônio Maria entra definitivamente na categoria dos grandes compositores brasileiros, influenciando a música popular brasileira por todo o restante da década.
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Ary Barroso (1903 - 1964), há muito distante do estrondoso sucesso de outrora, entra na moda e volta às paradas de sucessos com o samba-canção Risque, um de seus últimos sucessos nos anos 50.


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Legítimo representante do time de compositores que dominou a cena da música popular brasileira em sua idade de ouro (décadas de 30 e 40), Ary, desde o início da década, se mostra desencantado com o estado em que encontrava a música no país, amplamente dominado pela música estrangeira, e com um fato que se tornara realidade nos meios musicais: a parceria de compositores consagrados com os discotecários (Aírton Amorim e Oldemar Magalhães os mais notórios), resultando, segundo ele, um boicote daqueles que não entravam no jogo. Em depoimento à Revista do Rádio (n.º 107), ele é categórico:
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"Não me interessa uma campanha contra os discotecários. O problema deve ser encarado por outro prisma. Não condeno o compositor que fornece parceria a discotecários. Dono da melodia tem o direito de fazer dela o que bem entender. O que me irrita e me revolta é a atitude criminosa do discotecário que, por ser parceiro de alguém, decreta a sabotagem às produções dos outros. O crime é duplo: lesa-patrimônio alheio e usar indevidamente o cargo que ocupa, comprometendo o próprio nome da emissora em que trabalha. (...) Como pode ficar a SBACEN quieta e silenciosa no momento em que sagrados interesses de muitos de seus sócios são espoliado por uma rede de falsos compositores?"
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Apesar desse desabafo, e contraditoriamente ao que disse Ary, Risque, mesmo não sendo uma música de reais qualidades, foi uma das mais executadas pelas rádios nesse ano, tornando-se um sucesso (o último, na verdade) na voz de Linda Batista:

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"Risque
Meu nome de seu caderno
Pois não suporto o inferno
Do nosso amor fracassado.
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Deixe
Que eu siga novos caminhos
Em busca de outros carinhos
Matemos nosso passado.
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Mas se algum dia talvez
A saudade apertar
Não se perturbe afogue a saudade
Num copo de bar.
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Creia
Toda quimera se esfuma
Como a brancura da espuma
Que se desmancha na areia."
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Ângela Ro Ro interpretando Risque (Ary Barroso).

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Quem se tornaria nacionalmente conhecido em 1953, já em sua primeira gravação, foi Jackson do Pandeiro. Esse paraibano de Alagoa Grande (1919 - 1982), que mais tarde se tornaria ícone da música nordestina e influenciaria vários pesos pesados da música popular brasileira, conseguiu a proeza de fazer sucesso no Brasil antes mesmo de morar no sul maravilha, emplacando nas paradas o coco Sebastiana, de autoria de sua primeira parceira, Rosil Cavalcanti (autora de Meu Cariri, gravada por Ademilde Fonseca, e outro grande sucesso da temporada), colocando-o, a partir daí, no panteão dos ícones da música nordestina, e influência de uma gama de compositores que dominaria a cena musical nas décadas posteriores:

 "Convidei a comadre Sebastiana
Pra dançar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba.

E gritava A E I O U Ipsilone
E gritava A E I O U Ipsilone.
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Já cansado no meio da brincadeira
E dançando fora do compasso
Segurei Sebastiana pelo braço
E gritei não faça sujeira
O xaxado esquentou na gafieira
Sebastiana não deu mais fracasso
Mas gritava A E I O U Ipsilone
E gritava A E I O U Ipsilone..."


.J
ackson do Pandeiro interpretando Sebastiana.
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Também foram sucessos em 1953: João Valentão (Dorival Caymmi, com o próprio; Folha Morta (Ary Barroso), com Dalva de Oliveira; Sistema Nervoso (Wilson Batista), com Orlando Correia; Sodade, Meu Bem, Sodade (Zé do Norte), com Vanja Orico; O "Chotis" da Menina (Luiz Gonzaga/Zé Dantas), com Ivon Curi; Cuco (Pascoal Melilo e Avaré), com Pascoal Melilo; A Fonte Secou (Monsueto Meneses), com Raul Moreno; Fósforo Queimado (Paulo Meneses/Milton Legey/Roberto Lamego), Eu Sou a Outra (Ricardo Galeno), com Carmen Costa e Orgulho (Valdir Rocha Nelson Wadekind), com Ângela Maria, além das estrangeiras Tenderly, com Dave Rose e sua Orquestra; Smoke Gets In Your Eyes, com The Platters; Cao, Cao, Mani Picao, com El Cubanito; Too Young, com Nat "King" Cole (que, verdadeiramente, foi o astro norte-americano absoluto no Brasil nesta década). Jambalaya, com Jo Stafford; Limelight, com diversos cantores e Baião de Ana, com Silvana Mangano.
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Mateus Sartori interpreta João Valentão.
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Verônica Ferriani interpretando Folha Morta.
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Jane Duboc interpretando Folha Morta.
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Marisa Monte interpretando Xote das Meninas.
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Luiz Gonzaga interpretando Xote das Meninas;
















Ângela Maria interpretando Fósforo Qeimado.
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Billie Holliday interpretando Tenderly.
















The Platters interpretando Smoke Gets in your Eyes    
















Celia Cruz interpretando Cao, Cao, Mani Picao.
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Brenda Lee interpretando Jambalaya.
















Silvana Mangano interpretando Baião de Ana.




Um comentário:

Ana Maria disse...

Oh que saudade me deu da minha infancia cantando os sucessos de quando eu tinha meus dez anos. Anos 1948 a 1956. Tinha uma boa voz e cantava muito bem esses sucessos todoa da epoca. Minha mae me levava nos programas de calouros pra eu cantar. Era aplaudida pelo auditorio presente. Adorei. Ter encontrado esse blog.
Me transportei!!!