16.8.06

DALVA DE OLIVEIRA, A RAINHA DA VOZ


1950 ficará na história como o ano em que o Brasil inteiro ficou realmente conhecendo uma de suas maiores cantoras, Dalva de Oliveira, a Rainha da Voz, que, em meados do ano, toma conta das paradas de sucessos e do país inteiro, tornando-se, quase que imediatamente, um novo fenômeno de popularidade e da cultura de massas, uma das artistas mais discutidas da música popular brasileira e que entraria para a história como uma das cantoras "malditas" do nosso cancioneiro popular.


Inicialmente, as paradas desse ano ainda são dominadas pelo bolero: Hipócrita (Fernando Fernandez), Pecado e Ay de Mi (Chucho Martinez), Desesperadamente (Tito Schipa), Luna Lunera, Inolvidable (Gregório Barrios) etc. Nesse meio tempo, várias músicas brasileiras também fazem sucesso, mas, incomparavelmente menor do que aquelas com o ritmo cubano. Dentre estas, destacam-se Maracatuca (Vocalistas Tropicais), Porto Rico (Dircinha Batista), Eu Não Sou Marinheiro (Jorge Veiga), Trepa no Coqueiro (Carmélia Alves), Quase Maluco (Luiz Gonzaga) e algumas mais, poucas, na verdade.


Luiz Gonzaga interpretando Quase Maluco
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Fernando Fernandez interpretando Hipócrita.
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Elvira Rios interpretando Desesperadamente.

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Eydie Gourmé e Trio los Panchos interpretando Luna Lunera.















 Carmélia Alves interpretando Trepa no Coqueiro.
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Betty Missiego interpretando Inolvidable. 





Em março, entretanto, o baião ganha um reforço de peso. Emilinha Borba lança de uma só vez dois petardos da dupla Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira: Paraíba e Baião de Dois.
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Baião de Dois, de imediato, chama a atenção do público por sua temática bem brasileira: baião de dois era o apelido que as massas davam à famosa dupla que não pode faltar na mesa dos brasileiros, arroz e feijão. Logo, no início de maio, já entra nas paradas, permanecendo por cerca de dois meses entre as músicas mais vendidas e executadas em todo o Brasil.

Emilinha Borba interpretando Baião de Dois.





Somente em julho/50 é que Paraíba começa a ser executada, permitindo ser conhecida pelo público ouvinte, tornando-se um sucesso fulminante. Seu refrão causou reboliço no país inteiro, lançando uma gíria – Paraíba – significando mulher com atitudes masculinas, que perdura até hoje. Sua letra, simples e bem elaborada, caiu imediatamente no gosto do povão, fazendo com que a música se tornasse clássica, e um dos maiores sucessos da carreira de Emilinha.



“Quando a lama virou pedra
E mandacaru secou

Quando a Ribaçã de sede

Bateu asa e voou

Eu entonces vim’ embora

Carregando a minha dor

Hoje eu mando um abraço

P’ra ti, pequenina

Paraíba masculina

Muié macho sim senhor.


Eta, pau pereira
Que em Princesa já roncou
Eta, Paraíba
Muié macho, sim sinhô

Eta, pau pereira
Meu bodoque nem quebrô

Hoje eu mando um abraço

P'ra ti, pequenina

Paraíba, masculina

Muié macho sim senhor."



Luiz Gonzaga interpretando Paraíba, de sua autoria em parceria com Humberto Teixeira.


Devido à sua imensa popularidade, entre julho e agosto, Emilinha Borb
a entra novamente nas paradas com o bolero-mambo do mestre Haroldo Barbosa, Bico Doce, que fica nas paradas da Revista do Rádio por quase três meses. Emplacaria, ainda, mais duas músicas no ano, Jurei, do onipresente Nássara, mais José Maria de Abreu e Dunga, e Boa, dos irmãos Batista, Henrique e Marília, esta a intérprete maior de Noel Rosa, segundo alguns críticos.

Emilinha Borba interpretando Jurei.
 


















Para falar mais especificamente, antes dos meados do ano, a música popular brasileira está novamente em alta. O baião continua sua saga de sucessos. Luiz Gonzaga, quase que de mês em mês, está com um sucesso nas paradas. É o grande nome da música regional brasileira. A Quase Maluco, seu sucesso do início do ano, seguem-se A Dança da Moda, Chofer de Praça, Xanduzinha, Boiadeiro, Assum Preto, Forró de Mané Vito e Qui Nem Jiló.
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Luiz Gonzaga interpretando Assum Preto (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira).


Luiz Gonzaga interpretando Boiadeiro (Klécius Caldas e Armando Cavalcanti).



 

Marlene interpretando Qui Nem Jiló (Luiz Gonzaga).



 

Também fazem sucesso Nelson Gonçalves (Amigo, Só Eu, Mulheres de Ninguém), Linda Batista (Vai Embora, Migalhas), Alcides Gerardy (Antonico, do célebre Ismael Silva), Gilberto Milfont (Garota do Café, Separação, Quando o Inverno Chegar), Quatro Ases e Um Coringa (Cariru), Ruy Rey (Naná), Isaurinha Garcia (Pé de Manacá), Francisco Alves (Boa Noite, Amor e Maria Rosa) e outras mais.

Ismael Silva interpretando Antonico (Ismael Silva).
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Carlos Galhardo interpretando Boa Noite, Amor (José Maria de Abreu/F. matoso).



 

Entretanto, enquanto Paraíba, Baião de Dois, Antonico, Pé de Manacá e outros grandes sucessos se destacam no panorama das músicas mais vendidas e executadas, e Luiz Gonzaga continua a ser um absoluto sucesso em todos os recantos nacionais, o Brasil já está tomado de assalto por Dalva de Oliveira.
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Dalva – nascida Vicentina -, assim como Emilinha, Marlene, Elisete Cardoso e quase todas as outras cantoras, nasce pobre, filha de um carpinteiro, no Rio de Janeiro, em maio de 1917. O pai, clarinetista, participava de um conjunto musical chamado Os Oito Batutas, constantemente acompanhado por Dalva, que demonstra pendores artísticos desde criança.


Com a morte do pai, a família se desintegra. Dalva e a mãe passam por dificuldades, trabalhando como cozinheiras, arrumadeiras e outros trabalhos simples. Após algumas peripécias, Dalva, ainda mocinha, é convidada para participar de uma troupe que mambembava pelo interior de São Paulo, onde os artistas se apresentavam em uma carroceria de caminhão. Dalva, menor, tinha que ser acompanhada pela mãe e nos shows era apresentada como uma menina-prodígio, alusão ao grande sucesso do cinema de então, a garotinha sapeca Shirley Temple. Do interior de São Paulo, foram parar em Belo Horizonte, então uma aprazível cidade, linda e moderna, e com um clima que atraía turistas de toda parte. Aí, Vicentina teve sua oportunidade, quando é aprovada em teste para cantar na Rádio Mineira. Só que o sonho de fazer carreira no mundo artístico era muito grande, e isso só poderia acontecer para quem estivesse no Rio de Janeiro, a Capital Federal, e onde tudo seria mais fácil. Desta forma, logo ela e a mãe embarcam para a cidade maravilhosa em busca de melhores oportunidades.




Enquanto não aparecia uma chance para Dalva,sua mãe, Dona Alice, volta para o trabalho nas casas de família, e a futura cantora vai trabalhar em uma fábrica de chinelos, onde vivia cantando pelos cantos. Até que um dia, como (parece) sempre acontece nos meios artísticos, um dos sócios da fábrica e cantor de tangos na Rádio Ipanema (segundo alguns de onde também era diretor), o famoso Milonguita, encantando-se com sua voz, convida-a a fazer um teste na referida emissora. Era o pontapé inicial de uma carreira que daria muito, muito mesmo, o que falar.

Após passar por diversas rádios (Sociedade, Cruzeiro do Sul, Phillips) e atuar na noite carioca com as famosas duplas Jararaca e Ratinho e Alvarenga e Ranchinho, além de contracenar com Ema d’Ávila e Antônio Marzullo, conhece, em 1936, Herivelto Martins.

Herivelto (1912 - 1992) era o que se podia dizer um batalhador. Sua infância e adolescência foram um período bastante conturbado, culminando com a dissolução pela polícia (isso quando tinha 13 anos) de um grupo formado por ele e por dois artistas de circo (era palhaço por profissão), que se apresentava pelas redondezas de Barra do Piraí. Quando completa 18 anos, vai para o Rio de Janeiro onde, depois de algum tempo, conhece o compositor Príncipe Pretinho que lhe possibilita travar conhecimento com o também compositor J. B. de Carvalho, cabeça de um grupo de nome Conjunto Tupi. Este conjunto foi o responsável pela gravação da primeira música de Herivelto, Da Cor do Meu Violão, feita em parceria com Carvalho. Isso em 1932. Nesse mesmo ano, se integra ao grupo com quem ficaria cerca de dois anos. Em 1934, quando o grupo disputava sua participação nos intervalos dos espetáculos apresentados no Teatro Odeon, convidam-no para se apresentar em dueto com o cantor Francisco Sena. O sucesso foi instantâneo. Logo o duo, agora chamado de Dupla Preto e Branco, começa a se apresentar no Teatro Serrador. Após o grupo gravar Preto no Branco e Vamos Soltar Balão, ambas de Herivelto e Francisco Sena, este último, entretanto, morre.

Determinado, ele não demora muito para formar de novo a dupla, agora com Nilo Chagas (1935), ocasião em que suas músicas começam a ser procuradas por diversos cantores, tornando-se um compositor de sucesso, gravado, por exemplo, pelo superastro Sílvio Caldas (Samaritana) e Aracy de Almeida (Pedindo a São João). Já impressionado com a voz de Dalva de Oliveira, com quem travara conhecimento quando ambos se apresentaram, algum tempo antes, na companhia de Pascoal Segreto, além de, coroando um breve romance, resolverem juntar os panos, Herivelto a convida a cantar com a dupla.


Por essa época, Dalva já é uma mulher que impressiona , mulata clara, longos cabelos encaracolados e misteriosos olhos verdes, que a tornam uma mulher que marcava sua presença. Juntando-se ao grupo, logo Dalva era notada, fazendo com que a dupla ganhasse novo nome do então poderoso radialista César Ladeira, que os contratara para atuar na rádio Mayrink Veiga; o nome escolhido foi Trio de Ouro.

A primeira gravação acontece em 1937. As músicas escolhidas para o 78 rpm foram Itaquari e a marcha Cecy e Pery, do compositor Príncipe Pretinho, o primeiro compositor a se tornar amigo de Herivelto. Com a boa receptividade, o trio, ainda em 1937, é contratado pelo Cassino da Urca, onde atua até seu fechamento, em 1946, por ordem do presidente Dutra.




Apesar de o Trio de Ouro já ter um nome no meio artístico e gravado quase vinte músicas, o sucesso é lento e custa a chegar, conquanto a voz de Dalva já impressiona meio mundo, chamada a participar de gravações dos cantores mais famosos do Brasil, Carlos Galhardo, Orlando Silva e, inclusive, com o mais famoso cantor de todos, o Rei da Voz, Francisco Alves. Com ele, gravou, em 1939, o samba-exaltação, Brasil, de Benedito Lacerda e Aldo Cabral, com impressionante êxito popular, e Acorda, Estela!, do mesmo Benedito Lacerda, agora em parceria com o próprio Herivelto.


Como integrante do Trio de Ouro, somente em 1942 Dalva conheceria o verdadeiro sucesso popular, ao gravar Praça Onze, de Herivelto e Grande Otelo, que se torna um acontecimento musical naquele ano. E logo depois, ainda em 1942, o conjunto grava outro retumbante sucesso, cujos ecos perduram até hoje: Ave Maria no Morro, também de Herivelto. Nesse mesmo ano, participa do célebre filme de Orson Welles É Tudo Verdade (lt's All True), inacabado. Até 1947, trabalharia também nos filmes Samba Em Berlim (1943), Berlim Na Batucada (1944), ambos de Luís de Barros. Em 1945 está no elenco de Pif-Paf, juntamente com Marlene, do também célebre Adhemar Gonzaga, voltando, em 1946, a atuar em um outro filme de Luís de Barros, Caídos do Céu.

Ana Paula e João Paulo Malta interpretando Praça Onze.



João Gilberto e Caetano Veloso interpretando Ave Maria no Morro (Herivelto Martins).



Sílvia Klein interpretando Ave Maria no Morro.



Em 1947, Dalva grava, pela Odeon, um dos maiores sucessos d
o ano, Segredo (“Teu mal é comentar o passado…”), de Herivelto e Marino Pinto, que lhe demonstra que seu caminho rumo ao sucesso estava logo ali na esquina. Só que o sucesso particular da estrela começa a balançar seu casamento com Herivelto. Em outubro de 48, quando o boato da separação e o fim do Trio de Ouro já estavam na boca do povo, Herivelto concede uma entrevista à Revista do Rádio (n.º 8), desmentindo todos os boatos:


“Primeiramente devo dizer que o Trio de Ouro não acabou. O que passou foi o seguinte: terminado nosso contrato com a Rádio Nacional, não me interessei pela sua reforma, tão pouco cogitei de ir para outra estação, isto porque tinha recebido vantajosa proposta de uma nova empresa cinematográfica, com a qual assinara um contrato para ir a São Paulo montar os estúdios a fim de, quando os mesmos ficassem prontos, iniciar simultaneamente três películas, nas quais me caberia o papel de diretor-artístico e, ainda, o de intérprete juntamente com o Trio de Ouro.
Como eu me ausentasse do Rio para ir a São Paulo fiscalizar as obras; como nós tivéssemos saído da PRE 8. Como há vários meses não atuamos em nenhuma outra emissora e não aparecemos em público, isso veio a dar motivo a que muita gente pensasse que o Trio de Ouro desaparecera. No entanto, posso afirmar mais uma vez que o Trio de Ouro continua mais firme que o Pão-de-Açucar e mais unido que nunca.


E, agora que os estúdios já estão quase concluídos, devemos seguir para São Paulo dentro de breves dias, a fim de cumprirmos o nosso contrato. Quando voltarmos , então vou estudar qual a mais vantajosa das propostas que três das nossas maiores emissoras nos fizeram. Eis aí tudo o que eu tenho a dizer e peço a vocês que divulguem através das páginas da simpática Revista do Rádio, para todos os radio-ouvintes do Brasil, tudo isto que acabei de lhes declarar.”


Sobre o boato do desquite ele disse:



“Não tem fundamento. Nem sei mesmo a que atribuir esse boato. Vivo feliz e satisfeito com minha esposa e com os meus dois filhos. O resto é onda..."


Todavia, apesar dos boatos, as atividades do grupo continuam; Em dezembro de 1948, o Trio de Ouro, ainda com Dalva de Oliveira, grava seu último disco, A Primeira Mulher ( Arnô Carnegal, A. Espírito Santo, Albertina da Rocha) e Vou Guardar Meu Pandeiro, do próprio Herivelto, apesar de, em 1949, terem sido lançadas várias músicas gravadas pelo trio anteriormente, Cachopa, Controlando Esta Mulher, Todos Têm Direito e Quarto Vazio.


O fim, entretanto, estava mesmo próximo. Em 1949, Dercy Gonçalves contrata o trio para uma excursão à Venezuela com sua companhia teatral. A empreitada foi um horror, um fracasso total, que fez com que todo mundo voltasse sem tostão para o Brasil, Herivelto Martins, inclusive, com outra, conforme reportagem da Revista do Rádio n.° 29), por lá permanecendo apenas Dalva e o outro integrante do trio, Nilo Chagas. Dalva, senhora de si, tendo percebido que atraía mais atenção do que a maioria, e apoiada pelo maestro e compositor Vicente Paiva, que também fazia parte do grupo, resolve encarar a barra, ficando na Venezuela até ganhar o suficiente para voltar, agora disposta a enfrentar uma carreira solo.



Voltando ao Brasil, uma de suas primeiras providências foi preparar-se para a separação. Os dois filhos do casal, Peri e Ubiratan, são internados em um colégio interno, ( à força, e sem o consentimento de Dalva) e a cantora se muda para Vila Isabel até que as coisas com Herivelto se resolvessem. Até conseguir contrato com alguma rádio e com alguma gravadora, Dalva vai cantar na noite para se sustentar.


Mas as dificuldades são imensas. Dalva encontra resistência por toda a parte, passando, inclusive, por dificuldades financeiras. Até que, em março de 1950, afiançada pelo maestro Vicente Paiva, que conhecera na Venezuela, e bastante bem, o potencial de seus dotes artísticos, grava pela Odeon as músicas Olhos Verdes, do próprio Vicente Paiva, e Tudo Acabado, de J. Piedade e Osvaldo Martins.




 Dalva de Oliveira interpretando Olhos Verdes (Vicente Paiva).


 












A letra de Tudo Acabado – quase um retrato de sua atual situação – excita a curiosidade popular, àquela altura já sabendo da separação do casal, e a música, quase que imediatamente, se transforma em um sucesso esmagador, chegando ao topo das paradas em junho deste mesmo ano, permanecendo entre as mais vendidas e tocadas até o ano seguinte. Só que Dalva não suspeitaria de que a letra da música despertaria rancores acumulados e terminaria por abrir uma polêmica musical e pessoal que se arrastaria por um bocado de tempo:

“Tudo acabado entre nós
Já não há mais nada
Tudo acabado entre nós
Hoje de madrugada
Você chorou, eu chorei
Você partiu, eu fiquei
Se você volta outra vez
Eu não sei.

Nosso apartamento agora
Vive a meia luz
Nosso apartamento agora
Já não me seduz.

Todo o egoísmo
Veio de nós dois
Destruímos hoje
O que podia ser depois."
Tudo Acabado - Show em homenagem a Dalva de Oliveira.



Herivelto Martins, rancoroso e com inveja do extraordinário sucesso popular de sua ex-esposa, a quem abandonara por uma garota de nome Lourdes, assim que rearruma o Trio de Ouro, lança, quase em seguida, a música Caminho Certo, de sua autoria e de um desafeto de Dalva, o já nosso conhecido David Nasser, cuja letra não deixava dúvidas quanto às suas intenções:

“Eu deixei
O meu caminho certo
E a culpada foi ela.

Transformava o lar
Na minha ausência
Em qualquer coisa
Abaixo da decência.

Compreendi que estava
Tudo acabado
Amargurado parti
Perdoando o pecado.

Mas deixei
O meu caminho certo
E a culpada foi ela."
Com letra tão maldosa, e feita claramente com o propósito de por lenha na fogueira, o sucesso de Caminho Certo foi também imediato, e logo em julho/50, já se colocava entre as 10 mais vendidas e executadas, exatamente em terceiro lugar na parada da Revista do Rádio, atrás somente de Tudo Acabado e de Paraíba, de Emilinha Borba. Dalva, entretanto, mal colhera os louros de seu vitorioso primeiro disco-solo, lança Que Será, da dupla Marino Pinto/Mário Rossi. A letra da música, mais uma vez, mexe com a curiosidade popular, pois parece ser a confissão de que sua vida particular sem Herivelto teria pouco sentido:

“Que será
Da minha vida sem o teu amor
Da minha boca sem os beijos teus
Da minha alma sem o teu calor.

Que será
Da luz difusa do abajur lilás
Se nunca mais vier a iluminar
Outras noites iguais.

Procurar
Uma nova ilusão não sei
Outro lar não quero ter
Além daquele que sonhei.

Meu amor
Ninguém seria mais feliz que eu
Se tu voltasses a gostar de mim
Se o teu carinho se juntasse ao meu.

Eu errei
Mas se me ouvires me darás razão
Foi o ciúme que se debruçou
Sobre o meu coração”.
 Dalva de Oliveira interpretando Que Será.















A música seria mais uma de várias outras em que Dalva confessava que teria cometido algum erro, mas, também, como sempre, tais erros sempre tinham um motivo fundamental para servir de desculpas para atos considerados impróprios perante a população.

E, para surpresa de muitos, a música também se torna outro retumbante êxito nacional, chegando ao primeiro lugar da parada da Revista do Rádio, desbancando exatamente Tudo Acabado, em setembro de 1950, ficando também meses entre as músicas mais vendidas e tocadas em todo o Brasil. A essa altura, Dalva já é a cantora mais comentada em todo o Brasil.

Só que a artista, apesar dos poréns e todavias de suas músicas, não esperava a reação da imprensa mais sensacionalista e da tradicional família brasileira, que confundiam as músicas da cantora com sua vida particular, transformando-a em um verdadeiro inferno. Começa a ser perseguida por toda parte, não podendo nem mesmo sair de casa. Era chamada de cínica, descarada e bêbeda. Herivelto não perdoa e dá entrevistas dizendo que fora ele quem teria pedido o desquite por motivos já conhecidos por todo o Brasil e outras barbaridades. E David Nasser, amigo e parceiro de Herivelto, aproveitando sua condição de um dos maiores e mais famosos repórteres brasileiros, confunde mais ainda o povão ao escrever que “preservado o talento da cantora, sua vida particular é uma vergonha, um atentado ao pudor.”




Não adiantava Dalva argumentar que Tudo Acabado era do repertório de Linda Batista há muito tempo, nem Herivelto ter que dizer que Caminho Certo nada tinha a ver com a referida música. Para o grande público, provocado pela imprensa, tudo era verdade. E mais convencido ficaria, quando Dalva, ao invés de enveredar por outro caminho, cai em uma arapuca armada por Ataulfo Alves, obviamente incentivada pelos interessados, gravando sua música Errei Sim, cuja letra é uma confissão de adultério:




“Errei sim
Manchei o teu nome
Mas foste tu mesmo o culpado
Deixava-me em casa
Me trocando pela orgia
Faltando sempre
Com a tua companhia.

Lembro-te agora
Que não é só casa e comida
Que prendem por toda a vida
O coração de uma mulher.

As jóias que me davas
Não tinham nenhum valor
Se o mais caro me negavas
Que era todo o seu amor.

Mas se existe ainda
Quem queira me condenar
Que venha logo a primeira pedra
Me atirar."
Dalva de Oliveira interpretando Errei Sim (Ataulfo Alves).



Herivelto, ao saber da composição do amigo, quase teve um ataque de ódio, ficando inimigo de Ataulfo Alves por muitos e muitos anos. E depois dessa gravação, e de infinitas outras que participariam desse duelo, o nome de Dalva estará, irremediavelmente, ligado ao baixo mundo, o que, a essa altura, não tinha muita importância, porque, logo em novembro/50, Errei Sim alcança o primeiríssimo lugar nas paradas de sucessos, vendendo horrores de discos, o público (basicamente de classe média alta, os que tinham eletrolas em casa) correndo às lojas para adquirir tamanha prova de traição. Agora, Dalva está simplesmente com o primeiro, o segundo e o terceiro lugares nas paradas (Revista do Rádio n° 61), fato inédito até então. Por esse tempo, a agenda de Dalva está simplesmente lotada de shows por todo o país, sendo a cantora com as músicas mais executados nas rádios, além de se ter tornado a maior vendedora de discos do Brasil.

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Ao final do ano, Dalva está preparada para vôos muito mais altos, altíssimos, para dizer a verdade.

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