22.8.06

A FESTA DE CR$ 6 MILHÕES OU A “BACANAL DE COBERVILLE”

Samuel Wainer considerava que seria uma armadilha armada pelo novo senador da República, Assis Chateaubriand, para ridicularizar o presidente da República (o que estava longe da verdade). Chegou mesmo a alertar Getúlio sobre o fato, dizendo conhecer os hábitos e costumes de Paris, querendo significar que a festa poderia descambar para a mais completa desordem, fato que poderia ser aproveitado pelos detratores habituais de seu governo, obviamente capitaneados pelo virulento Carlos Lacerda. E problemas, estava escrito, não tardariam a bater às portas do governo getulista que já não nadava em um mar de rosas, objetivamente falando.
Getúlio Vargas nem ao menos sabia de tal festa e nem que sua filha e mulher dela participariam; muito menos tinha conhecimento de que ela seria patrocinada pela senhora sua esposa, Darcy Vargas, que já estava há algum tempo na capital francesa. Nervoso, Getúlio pede ao jornalista que localize mulher e filha em Paris, para transmitir-lhes a ordem de não comparecerem ao regabofe parisiense. Tudo inútil. Dona Darcy teria batido o pé e, com a filha a tiracolo, comparece, trajadas a rigor, à noitada célebre por antecedência.

Mas, afinal de contas, que evento foi esse para despertar tal celeuma?

Estamos falando do que foi considerada a mais extraordinária e exótica festa acontecida em Paris desde o pós-guerra, tendo como cenário os fabulosos jardins do Castelo de Coberville, onde foram consumidas pelos convidados 1.400 garrafas de uísque, 2.000 de champanhe, 100 garrafas de pinga das boas, vindas diretamente do Brasil para o evento e todos os tipos de bebidas imagináveis.


A festa teria por objetivo e motivação original a organização de um desfile de modas em que a estrela seria o algodão brasileiro, mais precisamente os tecidos confeccionados pela fábrica de tecidos Bangu, cujo dono e co-patrocinador do regabofe era Joaquim Guilherme da Silveira, que, segundo se dizia, na verdade, foi o real e solitário financiador da festança parisiense. Porém Chatô, há muito, sonhava em promover uma demonstração da cultura popular brasileira para o consumo dos europeus. Conforme suas própria palavras, seu sonho seria



“apresentar à alta sociedade do velho mundo o Brasil verdadeiro, o Brasil que somos nós: um Brasil de mestiços autênticos, mulatos inzoneiros, índios e negros a promover a vasta experiência de cruzamentos que empreendemos no trópico, em vez do falsificado Brasil branco, de catálogos de grã-finos que, ‘parvenus’ e ‘snobs’, tentam impingir filauciosamente ao mundo."
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***

A chance veio ao seu encontro. Jacques Fath, passando por grande popularidade na França como modista da alta sociedade, procura o recém-senador para propor-lhe a realização do evento em seu castelo em Coberville, nas imediações de Paris. Os Diários Associados entrariam com a organização do baile, sendo a data estipulada para o dia 3 de agosto de 1952.


Jacques Fath, chamado pela imprensa de “rei da alta costura internacional”, trabalha duro durante 50 dias para que nada desse errado no que foi cognominada pela imprensa de “Carnaval do Rio”. Um avião (ou dois, segundo alguns) lotado de colunáveis parte do Rio de Janeiro rumo a Paris especialmente para participar da festa. Sobrenomes ilustres estão entre os presentes, destacando-se os Bianchi, os Ouro Preto, os Monteiro, os Souza Campos, os Morganti e muitos, muitos mais.

Desfile de Jacques Fath.



















A festança começa exatamente às 21 horas, com grande queima de fogos, iluminando os jardins e os cerca de 3.000 convidados que abarrotam toda a área. A partir daí, ficção e fantasia se misturam, de acordo com os interesses de cada um. De qualquer maneira, a festa teria começado com 10 personalidades do “jet-set” internacional adentrando os jardins montados em cavalos brancos, todos trazendo uma mulher mais ou menos famosa em suas garupas, todas também fantasiadas. Chateaubriand abre o desfile – vestido à moda nordestina – trazendo a famosa locomotiva internacional e estilista de sucesso, Elsa Schiappareli, às costas, com uma fantasia que a imprensa presente chama de “imponente e misteriosa”. A famosa manequim brasileira Danuza Leão (ironicamente, a futura senhora Samuel Wainer e irmã da também futura estrela da música popular brasileira, Nara Leão) era outra que podia ser avistada na garupa de outra personalidade. E assim por diante.

Um burburinho entre os convidados e outra aparição galvaniza a atenção. Era a suposta senhora Jacques Fath (o qual trajava somente uma calça de veludo e, como complemento, uma peruca de índio), Aimée de Heeren, belíssima em seus 40 e poucos anos, que chega como uma visão, fantasiada de rainha inca, sentada em uma liteira carregada por quatro negros vestidos a la Debret. Mais tarde se saberia que Aimée foi amante durante anos do próprio Chateaubriand e, especula-se, do próprio Getúlio Vargas.

Após o desfile propriamente dito, Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara iniciam o show artístico, tocando todos os ritmos brasileiros em moda, além de acompanhar a performance dos cantores brasileiros que também se apresentam, Elisete Cardoso, Ademilde Fonseca e Jamelão; e Zé Gonzaga, cantor nordestino muito em voga, empolga o distinto público presente com uma seqüência de ritmos nordestinos, cururu, baião, frevo, xaxado e outros. O baile somente acaba às oito horas da manhã seguinte, ainda apinhado de gente.

Homenagem a Jamelão.


















Orquestra Tabajara de Severino Araújo.


















Elisete Cardoso interpretando Bom é Querer (década de 50).


















Ademilde Fonseca interpretando Pedacinhos do Céu (1951).



















Listar os convidados famosos seria impossível. Vê-se entre eles Orson Welles, bêbado como sempre, dançando com a atriz Ginger Rogers, ou seja, esquerda e direita de Hollywood se congratulando. Também marcam presença Clark Gable, Danny Kaye, Paulete Godard, ex-senhora Charles Chaplin, Claudete Colbert, a ainda belíssima Gene Tierney, Merle Oberon, a sensação atual do cinema francês, Micheline Presle e muitos mais. Jean Louis Barrault brilha sobremaneira, dançando horas seguidas, especialmente o frevo, inclusive com uma sombrinha aberta como qualquer passista recifense.

Orson Welles em O Terceiro Homem (música-tema de Anton Karas).

















Trailer do filme E o Vento Levou, estrelado por Clark Gable.


















Ginger Rogers dançando com Fred Astaire em O Picolino.


















Danny Kaye (Lullaby in Ragtime).






Paulette Godard em Tempos Modernos.

















Tributo a Gene Tierney.




















Dona Darcy Vargas e Alzirinha, provavelmente prevendo o temporal que se avizinhava, comportaram-se mais do que discretamente, permanecendo sentadas à beira da pista durante quase toda a festa. Quando algum convidado chegava até sua mesa, cumprimentavam-nos com elegância e discrição, evitando, ao máximo, porém, chamar a atenção.

Mas, de nada adiantou; em editorial na primeira página denominado “AFRONTA”, ao lado das notícias da festa em que se destacam termos como “uma completa loucura”, “dança nupcial 
dos índios do Mato Grosso”, “orgia” etc., o jornal Tribuna da Imprensa (leia-se Carlos Lacerda) trata o evento em termos que não deixavam dúvidas sobre seu intento:


“Cada qual desce do bonde como quer. Mas, realmente, os telegramas que hoje descrevem a farra em Paris, com a indulgente presença da mulher do presidente da República e de sua encantadora filha, ultrapassam todas as medidas e constituem uma afronta às dificuldades com que luta o povo francês e à desgraça que aflige o povo brasileiro.

‘O pai dos pobres’ não é capaz de explicar com que dólares foram custeados esses aviões especiais, essas cabaças e inúbias, esses pássaros tropicais, essa revoada de aventureiros e aventureiras que transportaram a Paris para participar da dispendiosíssima bagunça no castelo de um novo-rico. Quem forneceu o câmbio? Foi câmbio oficial ou câmbio negro? Isso é que merece um inquérito. Vejamos se alguém tem coragem de perguntar, frontalmente, ao chefe do governo, quem autorizou a exportação desses dólares.”

O presidente Getúlio Vargas, mais uma vez, fora atingido no fígado pelo terrível oponente, prognosticando um combate mortal a partir deste acontecimento.

3 comentários:

Anônimo disse...

VELA SUPOSTAS FOTOS COMPROMETEDORAS DA ERA VARGAS
http:numerologiadesencantada.blogspot.com

Paulo Fabiano Soares disse...

Bela narrativa!

Paulo Fabiano Soares disse...

Bela narrativa!