Paralelamente ao surgimento das revistas que serviam de suporte ao “star-system” made in Brasil, Revista do Rádio, Revista do Disco, Radiolândia etc., um outro tipo de publicação alvoraçava o pessoal do meio artístico, sempre amedrontado de que seus nomes pudessem aparecer em reportagens escandalosas e sensacionalistas. E dentre elas, a mais chula e perigosa era a que se deixava conhecer até pelo nome: Escândalo.
Os esquecidos pela fama - Wilza Carla.
Os esquecidos pela fama - Wilza Carla.
Tendo como diretor-geral um senhor de nome Freddy Daltro (pseudônimo do jornalista Nilson Risardi), e investindo pesado em matérias sensacionalistas e em fotografias ampliadas e dramáticas (principalmente no carnaval), copiando suas similares norte-americanas que perseguiam implacavelmente os astros e estrelas de Hollywood, a revista sobrevivia de publicar reportagens sobre os artistas ligados ao rádio mais em evidência, ou sobre as vedetes do teatro rebolado, nesse instante passando por grande popularidade, dentre as quais se sobressaíam Mara Rúbia, Wilza Carla, Virgínia Lane, Elvira Pagã, Luz del Fuego e um punhado de outras. Tais reportagens agrediam violentamente a vida particular de seus atacados, numa campanha às vezes sistemática e, quase sempre, difamatória. À boca pequena, comentava-se que Escândalo servia de fachada para tentativas de achaques e chantagens, muitos preferindo pagar para que suas vidas particulares não fossem arrastadas em um mar de lama de difamação, que poderia acabar, definitivamente, com suas carreiras.
Os esquecidos pela fama - Wilza Carla.
Os esquecidos pela fama - Wilza Carla.
Tendo como diretor-geral um senhor de nome Freddy Daltro (pseudônimo do jornalista Nilson Risardi), e investindo pesado em matérias sensacionalistas e em fotografias ampliadas e dramáticas (principalmente no carnaval), copiando suas similares norte-americanas que perseguiam implacavelmente os astros e estrelas de Hollywood, a revista sobrevivia de publicar reportagens sobre os artistas ligados ao rádio mais em evidência, ou sobre as vedetes do teatro rebolado, nesse instante passando por grande popularidade, dentre as quais se sobressaíam Mara Rúbia, Wilza Carla, Virgínia Lane, Elvira Pagã, Luz del Fuego e um punhado de outras. Tais reportagens agrediam violentamente a vida particular de seus atacados, numa campanha às vezes sistemática e, quase sempre, difamatória. À boca pequena, comentava-se que Escândalo servia de fachada para tentativas de achaques e chantagens, muitos preferindo pagar para que suas vidas particulares não fossem arrastadas em um mar de lama de difamação, que poderia acabar, definitivamente, com suas carreiras.
Mara Rúbia em cena no filme de Arnaldo Jabor O Casamento.
Mara Rúbia na cena final de "Bububu no Bobobó".
Para quem se recusasse a pagar para que as reportagens fossem esquecidas, o tratamento era especial: Dalva de Oliveira era “indigna de ser mãe”; Marlene era “mascarada” e “macumbeira”; a vedete Virgínia Lane era uma “cínica”. E assim por diante. Suas vítimas mais freqüentes eram Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Marlene, Mary Gonçalves (Rainha do Rádio em 1952), Adelaide Chiozzo, Carmélia Alves, Heleninha Costa, Lourdinha Bittencourt, Herivelto Martins, Manoel Barcelos e, mais amiúde, praticamente todas as vedetes do teatro rebolado, as mais visadas por causa da profissão, principalmente no carnaval. Afora o pessoal do mundo artístico, muitos outros nomes também freqüentavam as páginas da revista (como o então chefe da polícia carioca, general Ciro de Resende), o que elevava a muitos os desafetos do infame jornalista. Assim, foi com certa satisfação e sentimentos de vingança que muitos souberam que, no dia 17 de junho de 1952, entre a noite e a madrugada, Freddy Daltro fora seqüestrado e torturado, só não morrendo por circunstâncias da vida.
Dalva de Oliveira em sua última apresentação na TV Tupi
Virgínia Lane em Mulheres à Vista.
A história divulgada foi mais ou menos a seguinte: Eram cerca de 19 horas, em Madureira, quando o infame jornalista se encaminhava para sua casa. Repentinamente, em um cruzamento, três pessoas o abordam e o obrigam a entrar em um carro, dirigindo-se, logo em seguida, a um local ermo, escuro e pouco freqüentado no Recreio dos Bandeirantes. Já dentro do carro, começa a ser espancado, surra que continua ao chegarem ao local escolhido, agora por mais homens (cerca de 10), todos fortes e abrutalhados. Desfalecido, e já na Barra da Tijuca, é enterrado na praia até a cabeça, para que as ondas terminassem o serviço, além de levar alguns tiros que não o acertam, servindo somente de aviso. A sorte estava a seu lado, porém; entre outras histórias, a que se tornou mais plausível foi a de que um casal em um automóvel, que ousara ir àquela hora em paragens tão perigosas, o encontrara semidesfalecido, encaminhando-o para o hospital Miguel Couto onde foi medicado, constatando-se que, apesar da surra, seu estado de saúde era bom, sem nenhuma fratura em exposição.
Logo que se recupera, em depoimento á polícia, acusa como mandantes e executores do seqüestro meio mundo artístico, concentrando-se em Vítor Costa, o maioral da Rádio Nacional, Manoel Barcelos, famoso animador de auditório e presidente da Associação Brasileira de Rádio, Bill Farr, cantor de razoável sucesso, namorado da atual Rainha do Rádio, Mary Gonçalves, que, inclusive, teria se vangloriado de ser um dos executantes, o que nunca ficou provado; também o presidente da Casa dos Artistas, Francisco Moreno, foi considerado como um dos prováveis suspeitos segundo o jornalista, assim como Marlene. Porém, as maiores suspeitas caíram sobre um jovem esportista e playboy, piloto de carros de corrida, e o atual namorado de Emilinha Borba, Artur Costa Filho, o Arturzinho, filho de um rico e poderoso ex-ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Artur de Souza Costa.
Apesar de se relacionar amorosamente com Arturzinho, Emilinha namorava, às escondidas, um artista atualmente em grande evidência, o cantor Jorge Goulart, que acabara de ganhar o carnaval de 1952 com o samba Mundo de Zinco, da dupla de ouro Wilson Batista e Nássara.
Jorge Goulart interpretando Ó Abre Alas (Chiquinha Gonzaga).
Jorge Goulart é, nesse ano de 1952, o cantor-sensação; emplacando sucesso após sucesso (Dominó, Jezebel, Canção do Gato, Mundo de Zinco etc.), com um vozeirão de cantor de ópera, e uma boa estampa física, seduzia meio mundo artístico, além de ser chegado a uma boemia.
Nascido Jorge Neves Bastos (06.01.1926), já aos 17 anos começa a freqüentar a noite, acompanhando o pai, o jornalista Iberê Bastos, que o apresenta a diversos compositores famosos, Orestes Barbosa, Custódio Mesquita, Benedito Lacerda e a vários outros. Logo, elogiado pela bela voz, está cantando no Café Nice, de onde Custódio Mesquita o leva para um teste na gravadora RCA, cantando, também, em diversos cabarés e dancings do centro do Rio de Janeiro. A Lapa era seu reduto e fascinava o jovem cantor, tornando-o conhecido em rodas boêmias e do baixo mundo. Logo também está sob as asas de Custódio Mesquita (1910 - 1945), então um poderoso compositor.
O interesse do compositor, porém, não era tão desinteressado assim; um dos primeiros a utilizar um sistema promocional em torno de suas músicas, Mesquita, que passou a exercer razoável influência sobre o jovem artista, exige que o cantor cantasse somente músicas de sua autoria, geralmente aquelas destinadas a Orlando Silva e a Sílvio Caldas – dois dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos - ou mesmo as já gravadas pelos referidos cantores.
Não demora muito, já está cantando no dancing Alvorada, de ambiente formal e familiar, sempre interpretando canções de Custódio; também, a essa altura, adota o nome artístico de Jorge Goulart, muito mais eufônico do que Jorge Neves, começando a cantar uma vez por semana em um programa noturno na Rádio Tupi, oportunidade conseguida através do onipresente João de Barro, o Braguinha.
Em 1945, a oportunidade de gravar seu primeiro disco. Mais uma vez apadrinhado por Custódio Mesquita que, além de compositor, é diretor da gravadora RCA. Seu primeiro 78 rpm contém a valsa Volta, de um lado, e, do outro, o samba Paciência, Coração, ambas as músicas de autoria de Aldo Cabral e Benedito Lacerda. Só que o disco, lançado logo após o carnaval, fracassa. E após gravar mais dois discos, com o mesmo resultado, é sumariamente demitido da gravadora.
Aí, Ary Barroso aparece em sua vida; o famoso compositor, de volta dos Estados Unidos, reassume seu cargo de produtor na Rádio Tupi, onde Jorge ainda se apresenta. Logo forma uma orquestra tinindo de boa, convidando o cantor para ser o crooner da orquestra, onde interpretaria sua nova composição Xangô, feita em parceria com Fernando Lobo. O sucesso é imediato, o que proporciona ao cantor assinar um contrato com a Tupi por quatro anos. Ao mesmo tempo, é contratado por Chianca de Garcia para se apresentar como cantor no musical Um Milhão de Mulheres, cujas estrelas eram Grande Otelo e Virgínia Lane, a "Vedete do Brasil", dona de um dos corpos mais invejados do Brasil. O resultado é um sucesso, o show ficando em cartaz por cerca de dois anos. Depois de uma passagem pouco gloriosa pelo Rio Grande do Sul, volta ao Rio, participando, logo a seguir, das revistas Beijos, Abraços e Amor, de J. Maia e Geysa Bôscoli, Leilão de Garotas, produzido por Chianca de Garcia e também estrelado pela vedete Virgínia Lane, O Mundo de Cuecas, grande sucesso popular devido ao tema, o famoso episódio do deputado federal Barreto Pinto, cujo mandato fora cassado em virtude de se ter deixado fotografar somente de cuecas, e Trem da Central, mega-sucesso de Walter Pinto, em que atua ao lado de Oscarito, Violeta Ferraz, Lourdinha Bittencourt e grande elenco.
1948 é um ano especial para Jorge Goulart; além do espetacular sucesso de Trem da Central, é convidado para participar do filme Também Somos Irmãos, dos estúdios Atlântida, dirigido por José Carlos Burle e com roteiro de Alinor Azevedo, onde se discute o tema bastante espinhoso da questão racial, filme esse massacrado pela crítica, apesar de um desempenho comovente de Grande Otelo. O ano também marca sua volta aos discos, agora pela pequena gravadora Star. Grava dois sambas para o carnaval, Meu Amor, de Dunga, e Fiquei Louco, de Erasmo Silva e Ciro de Souza. As duas músicas, mais uma vez, não fazem sucesso, mas lhe permitem continuar no mundo dos espetáculos, não demorando muito a gravar novamente, agora pela gravadora Continental, onde registra, em 1949, a música Miss Mangueira, de Wilson Batista e Antônio Almeida e, para o carnaval de 1950, a marcha Balzaqueana, de Nássara e Wilson Batista (cantada no filme Carnaval no Fogo), que alcança enorme êxito popular, tornando-o conhecido em todo o país, além de lhe permitir assinar um contrato de três anos com a gravadora e, após um contrato com a Rádio Tupi, a chance de conseguir um contrato com a Rádio Nacional, o sonho dourado de nove entre 10 artistas brasileiros.
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Aliás, sobre este assunto, Marlene tem uma versão que demonstra, sobremaneira, que sua disputa com Emilinha Borba ultrapassava, em muito, uma simples querela alimentada pela mídia, mas coisa da própria natureza humana. Segundo ela, foi por seu intermédio que Jorge Goulart conseguiria seu contrato com a Nacional, fato que deveria se dar através da rival, uma vez que os dois já estavam de namoro. Instada por Simon Khoury sobre o porquê de Emilinha não interceder pelo “amante”, Marlene responde, quase se colocando como pertencente à esquerda que atuava na Rádio Nacional, que Emilinha nunca foi de tomar frente de nada,
“porque ela nunca teve coragem de tomar qualquer atitude, era sempre eu quem ia à frente, de porta-bandeira, conseguindo emprego para alguém pedir aumento, reivindicando alguma coisa para nossa classe... Eu sempre eu. Então fui à direção da rádio pedir emprego pro namorado da minha ‘rival’. E o Goulart também foi contratado.”
Marlene, assim, deixava subentendido que ela, sim, enfrentava todos os obstáculos à sua frente.Agora, em 1952, acontece o episódio envolvendo Freddy Daltro. É Goulart quem depõe:
“(...) Eu corria sério perigo por causa de Arturzinho, o seu namorado (de Emilinha). Arturzinho era um playboy famoso na época, automobilista, lutador de jiu-jitsu, brigador notório; o pai, o rico e influente Souza Costa (...) arrumou para o filho um emprego nababesco, o de Fiel da Caixa Econômica Federal.”
“(...) Eu corria sério perigo por causa de Arturzinho, o seu namorado (de Emilinha). Arturzinho era um playboy famoso na época, automobilista, lutador de jiu-jitsu, brigador notório; o pai, o rico e influente Souza Costa (...) arrumou para o filho um emprego nababesco, o de Fiel da Caixa Econômica Federal.”
Jorge Goulart ainda diria:
“Eu estava muito embalado nesse período, curioso de vida, extremamente receptivo a tudo de bom que viesse a acontecer, pois as coisas estavam acontecendo. Sentir temerariamente o gosto do desconhecido. Veja meu romance com Emilinha (...) Nessa época apareceu uma revista facistóide chamada Escândalo, que chantageava artistas. Emilinha e Arturzinho estavam na mira da revista dirigida por um picareta conhecido pelo nome de Freddy Daltro. Arturzinho e seus amigos playboys pegaram esse tipo, deram-lhe uma surra violenta, enterraram-no na praia vermelha, na maré baixa, de cabeça para fora, e ainda fizeram treinamento de tiro ao alvo com a cabeça da vítima. E eu de namoro com Emilinha (...)”
Para a imprensa, Emilinha refuta as acusações, dizendo
“que podem falar de mim à vontade. Os fãs me conhecem e sabem como vivo, honestamente, de minha arte. O que eles querem é vender revistas às nossas custas. Pois que vendam”.
Da mesma forma, vários outros nomes conhecidos repeliram as afirmações sem provas do jornalista. Vítor Costa, cujo carro “azul-claro” fora visto por Freddy nas imediações de sua casa em Madureira, nega seu envolvimento, argumentando ser seu carro de cor “verde-claro”. Manoel Barcelos, Emilinha Borba, Bill Farr, Mary Gonçalves, Carmélia Alves, Francisco Carlos e outros tinham um álibi mais que perfeito: todos estavam no teatro Carlos Gomes, onde Emilinha e Manoel Barcelos receberiam a Medalha de Ouro como melhor apresentador de rádio e melhor cantora do ano, respectivamente. Marlene, outra acusada, nem no Rio de Janeiro estava. E assim por diante.
Carmélia Alves no documentário Cantoras do Rádio.
A imprensa, todavia, especulou que os mandantes da surra seriam bem conhecidos de Freddy Daltro. Noticiou-se que, um tempo antes, um senhor (com omissão do nome) o havia procurado, propondo-lhe um encontro com determinada pessoa que lhe provaria as inverdades contidas em uma reportagem escandalosa e que teria causado danos à referida pessoa. Freddy combina o encontro por várias vezes, terminando não comparecendo e nem dando nenhuma explicação. Essas pessoas, no frigir dos ovos, ficam sendo os responsáveis pela surra, aliás, muito bem recebida tanto pela imprensa, como pela totalidade dos artistas. Como exemplo, o título da reportagem da revista Manchete não deixava dúvidas: “QUEM SEMEIA ESCÂNDALO COLHE SURRA”.
A nota pitoresca do acontecimento ficou por conta do tesoureiro da ABR, o radialista Carlos Brasil, que, sem medo e desafiador, disparou para a imprensa:
"A surra foi muito bem dada. Só lamento que não me tenham avisado porque também iria participar do grupo que bateu."
4 comentários:
Esta história daria um filme digno de Nelson Rodrigues.
muito legal saber de como as pessoas eram em decadas passadas, da uma saudade do que nao vi...valeu
Um mundo que existiu, apesar de tantas contradições entre os personagens. Quantas histórias estão enterradas no tempo passado !!! Ah, se a gente pudesse se locomover através do tempo !!!
Tenho várias dessas revistas, falavam também sobre as maracutaias políticas, fingiam de moralistas mas na verdade só queriam lucrar com notícias sobre escândalos e fotos eróticas.
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