



Também, no carnaval desse ano, começam a aparecer com mais intensidade denúncias d
e que estaria crescendo demasiado o pagamento de “jabá”, por parte de compositores, cantores e editores, para que determinadas músicas fossem executadas, como já fora denunciado, anteriormente, por vários compositores, dentre eles Ary Barroso. De qualquer forma, a pobreza das músicas lançadas permitiu que o carnaval fosse dominado por pouquíssimos novos lançamentos e por músicas antigas e suce
ssos de meio de ano, como foi o caso de Mulata Assanhada, de Ataulfo Alves, bastante cantada e executada, e, principalmente, de Maracangalha, um samba de meio de ano composto por Dorival Caymmi no ano anterior e que se tornou um fenômeno musical, cantada no carnaval a plenos pulmões em todo as cidades brasileira.


Então com mais de 20 anos de uma carreira solidamente construída, já considerado um ícone da música popular brasileira, Dorival Caymmi (1914 - 2008), baiano de Salvador, iniciou sua carreira em 1935, cantando na Rádio Clube da Bahia, em um programa idealizado pelo radialista Gilberto Martins denominado “Caymmi e Suas Canções Praieiras” e, logo no ano seguinte, então com 22 anos, vence o concurso de músicas para o carnaval baiano com o samba de sua autoria A Bahia Também Dá.
Em 1938, abandona Recife em busca das glórias sulistas, estreando, ainda nesse ano, na Rádio Tupi do Rio de Janeiro, onde interpretava músicas de sua autoria, dentre elas, o samba O Que É Que a Baiana Tem?, composição iniciada ainda em Salvador e concluída no Rio de Janeiro.
Aí, mais uma vez, “o inesperado causa uma surpresa” no cenário artístico: como já visto, Banana da Terra estava sendo filmado por Wallace Downey e Braguinha; A es

Betty Faria e Grande Otelo interpretando Boneca de Piche.
Elis Regina interpretando Na Baixa do Sapateiro.
Dorival Caymmi interpretando O Que é Que a Baiana Tem.
O sucesso do filme aproximou Caymmi de Carmen Miranda; nesse mesmo ano de 1939, ano em que ele estava, literalmente, em todas, a convite do compositor Newton Teixeira, grava pelo selo Odeon, em dueto com a estrela, de um lado, exatamente o samba O Que É Que a Baiana Tem?, importante na carreira da artista por ajudá-la a compor sua persona artística que a acompanharia
por toda a sua vida, e, do outro, A Preta do Acarajé, também de sua autoria. Igualmente, nesse ano, com arranjo de sua autoria, grava a cantiga Roda Pião, de domínio público, outra vez em dueto com Carmen Miranda, gravando, em seguida, dessa vez sozinho, ambas de sua autoria, as canções Rainha do Mar e Promessa de Pescador. Ainda em 1939, já contratado pela Rádio Nacional (onde conhece sua companheira de toda a vida, a cantora Stella Maris) teve uma outra música de sua autoria – O Mar – aproveitada na espetacular revista Joujoux e Balangandãs, de Henrique Pongetti, espetáculo de cunho beneficente que foi patrocinado pela então primeira dama, Darcy Vargas, um enorme êxito que ajudou a consolidar sua carreira de cantor e compositor.

Mariana Melero interpretando Rainha do Mar.
Dorival Caymmi interpretando Promessa de pescador.
Dorival Caymmi interpretando O Mar.
Em 1940, grava dois discos em 78 rpm: o primeiro contendo o samba (na realidade

Ângela Maria Interpretando Noite de Temporal.
Novos Baianos interpretando O Samba da Minha Terra.
Seu sucesso chamou a atenção de sua antiga emissora, a Rádio Tupi, para onde retornou em 1941, emissora pela qual atuou por mais nove anos. Nesse
mesmo ano, grava na Columbia o jongo Essa Nêga Fulô, música de Osvaldo Santiago sobre versos do poeta Jorge de Lima, e o samba Balaio Grande, que ele compôs com o mesmo Osvaldo Santiago. Grava, em seguida, nesse mesmo ano, outro 78 rpm, contendo, de um lado, a toada que se tornaria um de seus maiores sucessos de todos os tempos É Doce Morrer No Mar, com melodia de sua autoria sobre versos de Jorge Amado contidos no romance Mar Morto e, do outro, a canção A Jangada Voltou Só, também de sua autoria. Dorival alcançaria outro grande sucesso como compositor, nesse mesmo ano com a gravação, pelos Anjos do Inferno, de duas músicas de sua autoria, Você Já Foi à Bahia? (o maior sucesso do grupo, na realidade) e Requebre Que Eu Dou Um Doce.

Cesária Évora e Marisa Monte interpretando É Doce Morrer no Mar.
João Gilberto interpretando Você Já Foi à Bahia?.
Consiglia Latorre e Luiz Duarte interpretando Requebre Que eu Dou um Doce.
Com o suc
esso do disco anterior, em 1942, os Anjos do Inferno voltariam a gravar outro 78 rpm com canções do compositor, Vatapá e Rosa Morena, duas músicas que se tornaram clássicas no cancioneiro brasileiro. Com a saída da gravadora Columbia do Brasil, a Continental, que ficou de posse de seus fonogramas, relança, em 1943, as músicas do compositor gravadas naquele selo. Foi nessa ocasião que Caymmi excursiona por todo o país, aproveitando a popularidade alcançada nesses poucos anos de carreira, que, a essa altura, já estava consolidada

Gal Costa interpretando Vatapá.
Casuarina interpretando Rosa Morena.
João Gilberto e Caetano Veloso interpretando Rosa Morena.
Após quatro anos sem gravar, Caymmi retorna à Odeon em 1945, lanç
ando, em novo 78 rpm, mais dois sucessos eternos, o samba (autobiográfico) Peguei Um Ita no Norte e o samba-canção Dora, uma homenagem à cidade de Recife, onde são citados a passista, o frevo e o maracatu. Em 1946, grava, pelo mesmo selo, de sua autoria, os sambas A Vizinha do Lado e Trezentas e Sessenta e Cinco Igrejas, gravações que trazem como curiosidade a participação de Benedito Lacerda e seu conjunto regional.

Nilo Amaro interpretando Peguei um Ita no Norte.
Gal Costa interpretando Dora.
Roberta Sá interpretando A vizinha do Lado.
A partir desse ano, já famoso em todo o país, lança uma sucessão de êxitos eternos, com destaque para A Lenda do Abaeté (1948), música apresentada no filme Samba em Berlim, de 1943, Sodade Matadera (1948), Saudade de Itapoã (1948),
O Vento (1949), Não Tem Solução (1952, em parceria com Carlos Guinle), Nem Eu (1952), Sábado em Copacabana (1952), Tão Só (1953), o clássico João Valentão (1953), Quem Vem Pra Beira do Mar, Pescaria, A Jangada Voltou Só (essa última regravação de um sucesso de 1941), todas de 1954, ano em que também grava seu primeiro Long Playing denominado Canções Praieiras, onde regrava seus sucessos – com uma única inédita, O Bem do Mar –, tendo como motivo o mar), o espetacular sucesso Só Louco (1956) e vários outros.

Edu Lobo interpretando Lagoa do Abaeté.
Almir Sater interpretando Sodade Matadera.
Nana Caymmi interpretando Não Tem Solução.
Guto Gucci (Dorival e Nana Caymmi) interpretando Nem Eu.
Rosa Passos interpretando Sábado em Copacabana.
Ná Ozzeti interpretando João Valentão.
Leila Pinheiro interpretando Quem Vem Pra Beira do Mar.
Mônica Salmaso interpretando O Bem do Mar.
Alice Caymmi interpretando Só Louco.
Mirabeau, como sempre, não deixou de provocar polêmica; mais uma vez foi acusado d

“Iaiá, cadê o jarro
O jarro que plantei a flor
Eu vou lhe contar um caso
Eu quebrei o jarro
E matei a flor.
Que maldade!
Que maldade!
Você bem sabia
No jarro de barro
Eu plantei a saudade.”
Carmen Costa interpretando O Jarro da Saudade.

“Eu vou beber
Eu vou jogar
Quando você me deixar
Me deixar.
Vou ficar sozinho no mundo
Vou me tornar um vagabundo
Meu lar vai ser um botequim
Quando você amor cansar de mim."
O pri
meiro ano do governo de Juscelino Kubitschek, como já foi visto, foi difícil e conturbado. A UDN não dava tréguas, os militares conspirando e o povão esperando as promessas serem cumpridas. Ricardo Galeno fotografou a cena e compôs o samba Deixa o Nonô Trabalhar em apoio ao governo. Foi uma das poucas letras a tratar da política brasileira, mas não fez o merecido sucesso. A música foi gravada por Carminha Mascarenhas, uma boa promessa que não se cumpriu:

“O morro tá falando por falar
A Escola vai sair
E as cabrochas vão sambarChega, ainda é cedo pra julgarDeixa o Nonô trabalhar.Nonô quando assumiu a presidência da EscolaNão encontrou sequer um tamborimAgora que a Escola tomou jeito(Pois sim!)Chega, ainda é cedo pra julgarDeixa o Nonô trabalhar.”
Carminha Mascarenhas interpretando Deixe o Nonô Trabalhar.
Com muita boa vontade, ainda poderíamos citar outro samba – Descansa a Cabeça –, de autoria de Santos Garcia, que, na voz do Veterano Gilberto Alves (1915 - 1992), também fez um razoável sucesso, bem menor, porém, do que seu espetacular sucesso do carnaval de 1955 Recordar (Aldacir Louro/Aluísio Martins/Adolfo Macedo):
Com muita boa vontade, ainda poderíamos citar outro samba – Descansa a Cabeça –, de autoria de Santos Garcia, que, na voz do Veterano Gilberto Alves (1915 - 1992), também fez um razoável sucesso, bem menor, porém, do que seu espetacular sucesso do carnaval de 1955 Recordar (Aldacir Louro/Aluísio Martins/Adolfo Macedo):
“Descansa a cabeça no meu ombro
Esqueça o mal que te fizDescansa a cabeça no meu ombroSó assim poderei ser feliz.
Enxuga dos olhos as lágrimas
E troca a tristeza pela alegria
É certo, o passado não volta
Amanhã será outro dia.”

“Vai, com jeito vaiEmilinha Borba interpretando Vai com Jeito.
Senão um dia a casa cai
Menina, vai, com jeito vai
Senão um dia a casa cai.
Se alguém te convidar
Pra tomar banho em Paquetá
Pra um piquenique
Na Barra da Tijuca
Ou pra fazer
Um programa no Joá
(Menina...).”
“Comprei um lote de terreno a prestaçãoO moço disse que era perto da estaçãoAndei, andei a péE o terreno é uma lagoa assim de jacaré.Cheguei a ver meu fimCorri atrás do tremE o jacaré atrás de mim.”
Vera Lúcia interpretando Olha o Jacaré.

“Casamento é loteria
Pra que, pra que eu vou casar
Solteiro tem dinheiro
Farreio o ano inteiro
Casado só tem conta pra pagar.
O meu pai sempre dizia
Pra filharada escutar
Casamento é loteria
Pra que, pra que eu fui casar.”
Nelson Gonçalves interpretando Casamento é Loteria.
Parecia impossível e, se alguém apostasse um centavo em seu sucesso, certamente e
ncontraria dezenas de apostadores antagonistas. Nesse Carnaval de 1957, uma marcha de bloco, ou frevo de bloco, com uma letra razoavelmente difícil de ser guardada, tomou conta das ruas e salões de todo o país, cantada à exaustão por foliões de todas as idades e sexo, um sucesso difícil de ser explicado. Estamos falando de Evocação, composto por Nelson Ferreira, que se tornou o grande sucesso da Fábrica de Discos Rozenblit, fundada no Recife em 1952 e distribuidora do selo Mocambo para todo Brasil.

Gravada em 1956 pelo Bloco Batutas de São José para o carnaval de 1957, Evocação nº 1 foi o primeiro grande sucesso daquela gravadora, tornando-se uma música de execução obrigatória em qualquer festa carnavalesca, fosse nos salões ou nas ruas; o certo é que, junto com a marcha Vai Com Jeito, dominou o carnaval de ponta a ponta.
Segundo o próprio Nelson Ferreira, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som de Pernambuco, e em texto inserido no álbum duplo Rozenblit – LPP 015/16 (1968), Evocação nº 1 fora inspirado em figuras de blocos carnavalescos do Recife dos anos 20, então desaparecidas. Em suas próprias palavras:
"Felinto de Moraes e Fenelon Moreira [de Albuquerque] eram do Apôis Fum; Pedro Salgado era presidente do Bloco das Flores; Guilherme de Araújo era a figura de proa do Andaluzas em Folia e do Pirilampos de Tejipió; o velho Raul Moraes era compositor, pianista e ensaiador do Bloco das Flores, para o qual escreveu várias marchas, inclusive a Marcha Regresso. Dela usei os versos ‘Adeus, adeus minha gente / Que já cantamos bastante’. Fiz Evocação n.º 1 numa noite só, de uma vez só.Dessas figuras citadas, notabilizava-se Felinto de Moraes (Recife, 1884 - Rio de Janeiro, 1927), fundador e principal dirigente do mais famoso bloco carnavalesco de todos os tempos, o Apôis Fum, surgido na povoação da Torre em 1925. Em depoimento ao Diário de Pernambuco, de 29 de janeiro de 1980, uma antiga simpatizante, Ana Uzeda Luna, afirma que 'o bloco congregava os melhores músicos, inclusive os componentes do conjunto Turunas da Mauricéia, conjunto vocal composto pelos maiores violonistas de sua época, entre eles Manuel de Lima (violonista cego), Alfredinho de Medeiros e seu primo Felinto de Moraes; o bandolinista Luperce Miranda (1904-1977) e seu irmão, Romualdo Miranda (1897-1930), eram a nota alta dos bandolins, enquanto Augusto Calheiros (1891-1956), que viria receber o apelido de Patativa do Norte, chefiava o coro'".
Evocação que, primeiramente, conquistou a cidade de Recife e depois se espraiou por todo o país, nunca mais teve outro similar. Sua importância reside exatamente por ter sido o exemplar único de uma música de carnaval, principalmente sendo um frevo, ritmo bastante distante da realidade musical do Rio ou de São Paulo, saída de uma praça distante e que conquistou o Brasil somente por suas qualidades. Será uma música eterna:
“Felinto... Pedro Salgado...
Guilherme... Fenelon...
Cadê teus blocos famosos?
‘Bloco das Flores'...
'Andaluzas'...’
‘Pirilampos'...
'Apois Fum’...
Dos Carnavais famosos.
Na alta madrugada
O coro entoava
Do bloco a Marcha-Regresso
Que era um sucesso
Nos tempos ideais
Do velho Raul Morais
Adeus, adeus minha gente
Que já cantamos bastante
E Recife adormecia
Ficava a sonhar
Ao som da triste melodia.”
Evocação nº 1.
Um comentário:
É muito bom o resgate desses artistas, dessas músicas que fizeram história no nosso Brasil. Amei!
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