Quando foi contratado por Samuel Wainer em 1951 para integrar a equipe do novo jornal Última Hora (ano em que escreve e encena uma de suas peças psicológicas, Valsa nº 6, sob a direção de Madame Morineau e com a irmã, Dulce Rodrigues, no papel solo), já beirando os 40 anos, Nelson Rodrigues estava desempregado, depois de uma melancólica passagem por O Globo, e sua vida particular Adaptação livre da obra de Nelson Rodrigues Valsa número 6.
Seu início de carreira fora como repórter policial no jornal do pai, A Manhã; para quem conhece a vida e obra de Nelson, o cargo era mais do que oportuno, proporcionando-lhe a oportunidade de se deparar com preciosas matérias-primas, depois usadas em seus diversos romances, crônicas, e peças. Era o encontro da fome com a vontade de comer.
igiada página três, onde os famosos editoriais de seu pai, Mário Filho, eram despejados com força, talento e destemor. Entretanto, seus interesses como colunista não ensejavam esperar dele um polemista político como o pai, seus temas constantemente evocando os loucos, os poetas, os malandros, o oportunismo do homem frente à natureza, a felicidade etc...etc. Até que, inesperadamente, direciona suas flechas em direção a ninguém mais do que... Rui Barbosa, o "Águia de Haia", uma unanimidade nacional, uma lenda viva, segundo o qual se dizia que, quando morara na Inglaterra, colocara uma placa na porta de sua casa com os dizeres "Ensina-se Inglês". Tais comentários a respeito do famoso civilista mexia com o imaginário do brasileiro, deixando-o orgulhoso frente a tamanha sumidade, tamanho portento.
Pois, foi contra Rui Barbosa, contra a mitologia em torno de seu nome, que Nelson se rebelou. Na verdade, em seus dois artigos, onde Rui era o alvo, Nelson demonstra uma rara sintonia com o sentimento popular. Todo mundo conhecia Rui Barbosa, duas vezes candidato à presidência da República, falava de seu gênio, de seu português castiço, de sua esperteza et coetera e tal. Porém, curiosamente, praticamente ninguém conhecia sua obra. O Brasil era analfabeto de Rui, usando-se uma expressão típica do ferino jornalista. Além do mais, segundo Nelson, o que o famoso político da primeira República deixara nada mais eram do que "discursos e quinquilharias".
muito e Mário perde seu jornal para o sócio, Antônio Faustino Porto. Também não demora muito (em torno de dois meses) e Mário, com seu tino e experiência, já está com novo jornal na praça, o excepcional Crítica, que, entretanto, não dura nem três anos. Com o advento da Revolução de 30, Crítica, que apoiara os futuros perdedores contra Getúlio Vargas, tão logo Washington Luiz é destronado, teve sua redação e oficina destruídas. Nunca mais funcionou. Tem início um período de privações e humilhações para a família Rodrigues.
argas Neto, sobrinho de Getúlio, Nelson consegue que a Comédia Brasileira, subvencionada pelo Serviço Nacional de Teatro, órgão governamental de ajuda e incentivo às artes, encene sua primeira peça A Mulher sem Pecado, com um tema obssessivo na obra do dramaturgo, a desconfiança da traição feminina, dirigida pelo peso pesado do teatro brasileiro Rodolfo Mayer. Obviamente a peça não faz sucesso, ficando duas semanas em cartaz. A indiferença, para ego tão absoluto, foi dolorosa, deixando-o arrasado. Arrasado, mas não demolido. Uma crítica elogiosa de Álvaro Lins (de quem se dizia de tudo, desde que era uma sumidade, grande crítico, até que era um charlatão, nada entendendo de teatro), muito respeitado, porém, no meio teatral, dera-lhe alento suficiente para seguir
dos cenários, obra do fenômeno Santa Rosa, o maior cenógrafo, o mais criativo, do teatro brasileiro de todos os tempos), onde o que mais se salientava era a total desobediência às regras teatrais estabelecidas desde remotos tempos, subvertendo, totalmente, a questão da unidade de tempo e de espaço, a peça se passa em três planos simultâneos: na realidade, na memória e na alucinação. Em outras palavras, a ação de desenrola em lugares diferentes, caracterizando, por outro lado, tempos diferentes, presente, o passado recente, o passado um pouco mais afastado e, por fim, a fantasia. Era uma revolução que muitos não entenderiam.
marchas e contramarchas, a peça foi encenada no Teatro Municipal pelo grupo carioca Os Comediantes, sob a direção de Ziembinski, sua estréia ocorrendo em 28 de dezembro de
ndo direito a história, exatamente, pela confusão que causavam os três planos, muitos não conseguindo entender a trama por isso. Findo o primeiro ato, muitos temiam pelo pior. Nos entretantos, mestre Zimba se deparava com problemas técnicos não esperados, que teriam que ser superados e rapidamente, conquanto Vestido de Noiva, se já era complicada em si, com tudo correndo em perfeita ordem, com problemas de luz, fundamental para o perfeito entendimento dos planos, a coisa desandaria e fatalmente o fracasso seria total.
Findo o terceiro ato e a peça, com as cortinas abaixadas, ouviram-se algumas palmas. Depois outras mais, e outras mais fortes. Até que o teatro inteiro se manifestou em uníss ono. Era a glória, a consagração. O teatro brasileiro tinha a sua mais nova sensação.
Cena de Vestido de Noiva.
Daí em diante, a vida de Nelson toma outros rumos. Primeiro, fora convidado pelos Diários Associados para ser o diretor de
redação de duas revistas do império de Chateaubriand, O Guri e Detetive, o salário oferecido (CR$ 5.000,00), bastante tentador e muito maior do que lhe pagava O Globo. Pouco depois (1944), inicia a publicação do folhetim Meu destino é Pecar nas páginas de O Jornal, sob o pseudônimo de Suzana Flag (mais tarde, lançado em livro). O sucesso foi de tal porte que as edições do jornal subiram para um patamar (30.000 exemplares) jamais esperado por seus editores. Assim, terminado o primeiro, novo folhetim aparece, agora sob o título de Escravos de Amor, outro impressionante sucesso popular de Nelson Rodrigues. Tudo deixava a entender que as coisas finalmente entravam nos eixos.
Cena de Vestido de Noiva.
Daí em diante, a vida de Nelson toma outros rumos. Primeiro, fora convidado pelos Diários Associados para ser o diretor de
redação de duas revistas do império de Chateaubriand, O Guri e Detetive, o salário oferecido (CR$ 5.000,00), bastante tentador e muito maior do que lhe pagava O Globo. Pouco depois (1944), inicia a publicação do folhetim Meu destino é Pecar nas páginas de O Jornal, sob o pseudônimo de Suzana Flag (mais tarde, lançado em livro). O sucesso foi de tal porte que as edições do jornal subiram para um patamar (30.000 exemplares) jamais esperado por seus editores. Assim, terminado o primeiro, novo folhetim aparece, agora sob o título de Escravos de Amor, outro impressionante sucesso popular de Nelson Rodrigues. Tudo deixava a entender que as coisas finalmente entravam nos eixos.Lucélia Santos e Marcos Paulo, na minissérie Meu Destino é Pecar, baseada em Nelson Rodrigues.
Só que, em 1945, a tuberculose volta, e lá vai Nelson, acompanhado de uma Elsa grávida, seu primeiro filho, Jofre Rodrigues, e a sogra, de volta a Campos de Jordão, lá permanecendo até meados do ano, ocasião em que lhe nasce o segundo filho, chamado também de Nelson.
No raiar de 1946, a nova peça de Nelson, Álbum de Família, uma trama de incestos e desejos proibidos, assim que submetida ao crivo da censura federal, causa um escândalo daqueles, sendo imediatamente proibida sob os epítetos de "doente" e "indecente", além de ser acusada de preconizar o incesto e incitar ao crime. Uma das mais fortes e ousadas peças de Nelson, Álbum narra a história de Jonas, casado com Senhorinha e de seus quatro filhos: Edmundo, Guilherme, Nonô e Glória. Jonas é pedófilo, tem uma forte fixação em meninas de 15 anos. Tia Rute, irmã de Senhorinha, é encarregada de ir buscá-las para ele. Edmundo sente atração pela mãe, enquanto Glória é alvo da adoração de seu pai e de Guilherme. Nonô é o filho preferido de Senhorinha, mas enlouqueceu e anda ao redor da casa totalmente nu.
Nelson não se resigna com o que ele considerava uma cretinice, uma prova cabal da ignorância crassa que assolava o Brasil, e inicia uma luta tenaz para liberar sua peça. Durante quatro meses, luta com unhas e dentes para alcançar seu intento, sem nada conseguir. E para piorar as coisas, Álvaro Lins (1912 - 1975), aquele mesmo que tinha elogiado a primeira peça de Nelson, agora, diante do texto de Álbum de Família, se mostra chocado. Em crítica um tanto quanto virulenta no Correio da Manhã, a peça foi chamada de vulgar, chula, grosseira, primária e outros adjetivos depreciativos.
Instaura-se a polêmica. Amigos e colegas de Nelson o defendem (Monte Brito, Freddy Chateaubriand), acusando o crítico de analfabeto em teatro. Entretanto , Álvaro Lins também tinha amigos, e, logo, José César Borba, também no Correio da Manhã, apesar de tratar Nelson como amigo, arrebenta com ele, acusando-o, entre outras coisas, de "inculto". Pompeu de Souza, do Diário Carioca, entra na briga ao lado de Nelson. Insinua que, por detrás da crítica de Borba, estariam as mãos de Álvaro Lins, o qual, segundo ele, era uma fraude, um analfabeto em questões teatrais.
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E a coisa foi por aí; R. Magalhães Jr. (uma múmia nelsonrodrigueana por excelência) percebe os personagens da peça como brutos, anormais, tarados etc. etc. No mesmo jornal (Diário de Notícias), Sérgio Milliet sai em defesa de Nelson e da peça. Waldemar Cavalcanti, também de O Jornal, entra na briga e ataca violentamente os moralistas de plantão, as "senhoras de Santana".
E de tanto ser comentada pela imprensa, os leitores começam a ficar excitados e curiosos, a ponto de O Globo, em várias edições, entrar na polêmica e perguntar aos leitores: deve ou não ser representada a peça Álbum de Família?
ação à peça, ataca sua interdição, dentre os quais estavam Austregésilo de Athayde, Lúcia M. Pereira, Otávio Tarquínio de Souza, Dinah Silveira de Queiroz, Accioly Neto, Lêdo Ivo, Agripino Grieco, Raquel de Queiroz, Nelson Werneck Sodré, Manuel Bandeira e outros mais. Somente duas vozes solitárias ficam a favor da censura: o pensador católico tradicional Alceu de Amoroso Lima, que, a partir desse episódio, se torna um desafeto mortal do dramaturgo, e o ator e produtor de comédias digamos "ligeiras", Jaime Costa.Cena final de Álbum de Família.
Álbum de Família, de Nelson Rodrigues.
Agora, com a pecha de maldito a acompanhá-lo indelevelmente, Nelson, daí por diante, na mai
oria das vezes, teria problemas com suas peças. Em 1948, com Anjo Negro (com Nicete Bruno no elenco, com apenas 13 anos, estreando nos palcos), que, além dos temas recorrentes em Nelson, ainda ousa colocar como personagem principal um negro que estupra e se casa com uma garota branca e loira (Maria Della Costa), em uma época em que tais personagens eram representados (como realmente aconteceu) por atores brancos pintados de preto. Senhora dos afogados, sua peça seguinte, também seria censurada, concomitantemente com Anjo Negro.Ainda em 1949, Nelson, a pedido de Freddy Chateaubriand, vai para outro j
ornal dos Diários Associados; deixa para trás Suzana Flag e se encarna em novo autor feminino, desta vez "Myrna", que, de tanto sucesso, enseja a criação de um "correio sentimental", ocasião
Tudo isso dura muito pouco. Em 1950, Nelson sai dos Diários Associados e não mais consegue emprego, ficando um ano sem trabalhar em jornais. Até que, depois de sua passagem meteórica pelo O Globo, Nelson é contratado por Samuel Wainer. A partir daí, sua vida jornalística se tornou legendária, ganhando status de mito que perdura até hoje.





Um comentário:
Por causa da minha pesquisa de Mestrado, me interessam muito os textos críticos que se referem à obra rodriguiana, como o de Lúcia Miguel Pereira, Agripino Grieco, entre outros. Sabe onde posso encontrar os originais desses textos?
um bjo
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