Assim que deixa a Vera Cruz, ainda em meados das filmagens de Ângela, Alberto Cavalcanti, além de aguentar uma campanha de difamação maldosa, feroz e virulenta vinda de todas as partes, ainda fica praticamente um ano sem trabalhar. Já desanimado e se preparando para outros vôos, Getúlio Vargas, recém-empossado na presidência da República, o contrata para um trabalho importante para a cultura brasileira, o de proceder ao levantamento da produção cinematográfica nacional.
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Esse trabalho, também violentamente criticado por setores de esquerda, que consideravam o cineasta um “entreguista”, (fazendo depois um mea-culpa tardio, dando razão às teorias de Cavalcanti, mesmo sendo ele constantemente tachado de comunista por seus detratores ligados aos interesses dos norte-americanos no Brasil, segundo ele, porque não aceitavam uma indústria cinematográfica totalmente brasileira), seria o embrião do primeiro INC - Instituto Brasileiro de Cinema, mesmo ele, Cavalcanti, reclamando que planejara o instituto com todo o carinho, para tudo ir por água abaixo por causa de brigas com o pessoal do Ministério da Educação. Assim, logo ele se via, no raiar de 1952, em péssima situação financeira, o que o constrangia e humilhava.
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Assim, amargurado e sem trabalho, Cavalcanti é surpreendido, mesmo tendo sido ele quem tomara a iniciativa de procurar a companhia, por um convite da Maristela para dirigir sua próxima produção, Simão, o Caolho, um filme de baixo orçamento, baseado no romance homônimo de Galeão Coutinho. Apesar do salário aviltante que lhe ofereceram, Cavalcanti prontamente aceita o trabalho, logo se preparando para iniciar as filmagens.
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Nesse meio tempo, a Maristela se via em um beco sem saída; apesar de seus filmes terem se saído razoavelmente bem em termos de bilheteria, todos eles cobrindo seus custos de produção, a companhia, com apenas um ano de existência, se encontrava sempre no vermelho, ao serem computados todos os seus gastos fixos, aí incluídos o capital imobilizado, as despesas com propaganda, os salários, a manutenção dos estúdios etc. O negócio seria partir para produções ainda mais modestas, com roteiros bem estruturados e enxutos, elenco encabeçado por atores razoavelmente conhecidos e reduzido tempo de filmagem, em torno de, no máximo, 40 dias, a exemplo do que fora realizado, com êxito, com O Comprador de Fazendas, com elenco encabeçado por Procópio Ferreira, maior sucesso popular da companhia, apesar de seus baixos custos de produção.
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Meu Destino é Pecar, roteirizado por Carlos Ortiz a partir do folhetim do mesmo nome de autoria de Susana Flag, pseudônimo de Nelson Rodrigues, dirigido pelo ator uruguaio Manuel Peluffo (com somente um filme como diretor em sua carreira) e com um elenco pobre e sem talento encabeçado por Ayres Campos e Antonieta Morineau, a única promessa de estrela que fazia parte do elenco da Maristela, já é realizado dentro da nova filosofia, em sistema de co-produção, a companhia não entrando com dinheiro, sua parte (50%) se constituindo em fornecer os estúdios, os equipamentos, os técnicos e toda a infra-estrutura. Público e crítica ignoraram a produção, o filme, em consequência, mal pagando seus custos de produção. Mesmo tendo sido lançado somente no final de 1952, depois das filmagens de Simão, o Caolho, portanto, o filme é considerado o marco do que se convencionou chamar de a primeira fase da Maristela.
Pôster de Meu Destino é Pecar.
Voltando a Cavalcanti e à sua contratação pela nova companhia, um novo parênteses: Assim que foi afastado, junto com Mário Civelli, da Maristela, Marinho Audrá parte para a Europa, mais especificamente para a Itália, onde procura contactos que possibilitem à companhia a realização de filmes no sistema de co-produção com qualquer dos estúdios italianos, onde o cinema atravessava um momento especialmente bom em termos de produção e bilheteria. Ao mesmo tempo, aproveita seu tempo disponível para dominar os fundamentos teóricos para se tornar de fato um produtor cinematográfico. O sistema de co-produções com a Itália, se a proposta prosperasse, seria, na visão dele, a salvação dos estúdios de Jaçanã, tornando possível a realização de filmes de melhor qualidade, que, com isso, também seriam distribuídos na Europa.
Voltando a Cavalcanti e à sua contratação pela nova companhia, um novo parênteses: Assim que foi afastado, junto com Mário Civelli, da Maristela, Marinho Audrá parte para a Europa, mais especificamente para a Itália, onde procura contactos que possibilitem à companhia a realização de filmes no sistema de co-produção com qualquer dos estúdios italianos, onde o cinema atravessava um momento especialmente bom em termos de produção e bilheteria. Ao mesmo tempo, aproveita seu tempo disponível para dominar os fundamentos teóricos para se tornar de fato um produtor cinematográfico. O sistema de co-produções com a Itália, se a proposta prosperasse, seria, na visão dele, a salvação dos estúdios de Jaçanã, tornando possível a realização de filmes de melhor qualidade, que, com isso, também seriam distribuídos na Europa.
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Marinho chega mesmo a conseguir um contrato de distribuição com uma pequena distribuidora italiana, que não deu em nada pela precária situação por que passava a Maristela. Aliás, a substituição de Marinho e de Mário Civelli por Benjamim Finemberg se mostrou inútil, porquanto, visando à realização de vários filmes, inclusive três que seriam filmados no Rio de Janeiro, nos estúdios da rival, Atlântida, o novo homem forte da companhia paulista investe altas somas nos estúdios, comprando novos equipamentos e realizando obras de melhoramento nas instalações.
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Pensando estar investindo no futuro da companhia, Finemberg dá com os burros n’água. Nenhum dos seis filmes sai do papel, deixando a Maristela em situação pré-falimentar. E como a realização de uma co-produção com a Itália se mostra um sonho irrealizável, Marinho Audrá, de volta ao Brasil, concorda com a produção de Simão, o Caolho, mesmo intuindo, após ler o roteiro, que poderia ser um filme de categoria, mas impossível de fazer sucesso e salvar a companhia. Mesmo assim, o filme entra em produção.
De cara, um problema mexe com os nervos da equipe encarregada das filmagens. Procópio Ferreira, escalado para encabeçar o elenco, briga com a diretoria da companhia e deixa o elenco. A solução foi substituí-lo por Mesquitinha, que, mesmo não tendo um nome já projetado como Procópio, é também um artista de talento. Solucionado o problema, a equipe técnica é escalada: Alberto Cavalcanti seria o diretor. O arguto John Waterhouse, o gerente de produção. O argumento e o roteiro foram desenvolvidos por Miroel Silveira e Oswaldo Moles. Sonografia a cargo de Jacques Lesgards, fotografia e câmera, de Ferenc Fekete e Guelfo Martini, ficando a montagem para o ótimo José Cãnizares. O elenco, encabeçado por Mesquitinha, entretanto, é totalmente desconhecido e sem tarimba (Carlos Araújo, Raquel Martins, Sônia Coelho, Cláudio Barsoti, Silvana Aguiar, Armando Peixoto, Carlos Tovar etc.), nenhum conseguindo se firmar no cenário cinematográfico brasileiro, com exceção de uma quase figurante, Nair Belo, que, indo posteriormente para a nascente indústria televisiva, se projeta nacionalmente, tornando-se, com o passar dos anos, uma comediante famosa em todo o Brasil.
Pôster original de Simão, o Caolho.
Pôster original de Simão, o Caolho.
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O argumento de Simão, o Caolho, é meio doido, engenhoso e puxado para um surrealismo. Um corretor caolho, na São Paulo de 1932, acerta as contas com a mulher e com uma turma de amigos. Um deles quer a todo custo encontrar um olho para Simão. Quando isso acontece, o corretor fica milionário da noite para o dia, pois o olho tem a incrível capacidade de torná-lo invisível. Para aproveitar a situação, ele então decide entrar para a política.
Bastante bem recebido pela crítica, o filme, porém, não faz sucesso de público, mal se pagando. A Maristela, mais uma vez, se vê em apuros, uma vez que contava com a renda do filme, a despeito do que pensava Marinho Audrá, para solucionar alguns problemas financeiros mais prementes. Como isso não acontece, seus executivos não conseguiam visualizar uma saída para a companhia.
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Enquanto isso, para aliviar a companhia, alugam seus estúdios e equipamentos para outras companhias até que as coisas ficassem mais claras. Assim, são feitos mais dois filmes: Areião (produção modesta da Inca Filmes, cujo maior mérito é trazer à frente do elenco a espetacular Maria Della Costa, uma das mulheres mais bonitas do Brasil e já famosa no teatro, onde já atuara em diversos grandes sucessos, A Rainha Morta, Vestido de Noiva, Tobacco Road, No Fundo do Poço, O Anjo Negro, A Falecida e em muitos outros. Uma estrela nelsonrodrigueana por excelência) e O Saci (cujas filmagens se arrastaram até 1953), dirigido por Rodolfo Nanni e produzido pela Brasiliense Filmes. Este último filme também se
torna marco do cinema brasileiro, não por suas qualidades ou sucesso, que não existiram, ou por seu elenco, um elenco de desconhecidos que ficou desconhecido para sempre (Paulo Matosinho, Olga Maria, Lívio Nanni, Aristéa Souza, Otávio Araújo, Benedita Rodrigues etc.), mas por trazer em sua equipe técnica, alguns nomes que fariam parte da história do moderno cinema brasileiro, dentre eles, Nelson Pereira dos Santos, como assistente de direção, Rui Santos, na fotografia e Alex Viany na gerência.
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Acontece então que, no exato momento em que decide encerrar suas atividades, a Maristela vê surgir uma nova sociedade produtora de filmes - de nome Kino Filmes -, logo ficando sabendo que, dentre as primeiras providências do novo empreendimento, a prioridade é construir um novo e moderno estúdio cinematográfico. Aproveitando o fato de que, entre os diretores da nova companhia, está Alberto Cavalcanti, a Maristela lhes oferece seus estúdios. Como a oferta juntava a fome com a vontade de comer, a Kino Filmes adquire o imóvel de Jaçanã. A Maristela, por seu turno, tentaria se manter de pé como produtora independente. Esse período ficou conhecido como a fase intermediária da Companhia Cinematográfica Maristela.
Só que a Maristela não sabia o que a esperava. Por detrás do novo empreendimento cinematográfico, havia um cheiro de podre no ar. Uma jornalista esperta, Elsa Soares Ribeiro, mancomunada com outras pessoas da diretoria da companhia, lançando mão de argumentos falaciosos, convence um Alberto Cavalcanti moralmente em vias de desintegração a ser o cabeça da nova empresa, alegando que dinheiro não faltaria. Segundo ela, nada poderia dar errado, uma vez que os executivos da nova companhia são chegados aos novos donos do poder recém-instalados no Catete. Por causa de tal ligação, conseguem levantar, no Banco do Brasil, cerca de 12 milhões de cruzeiros, que vem se somar a outros montantes conseguidos através de acionistas particulares, atraídos, principalmente, pelo nome de Cavalcanti.
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Em outras palavras, o nome do cineasta é o chamariz para a venda de ações a investidores particulares, dinheiro usado para a compra dos estúdios da Maristela. Deram 20% de entrada, sendo que as primeiras prestações começariam a ser pagas após um período máximo de 120 dias.
Tão logo o negócio é fechado, Cavalcanti parte para Recife para iniciar as filmagens de O Canto do Mar.
Mas isso já é outra história.
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