4.8.06

Apresentação

Este blog é dedicado às seguintes pessoas:
- À Maria Regina Nabuco (post-mortem), ex-professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, ex-secretária de Abastecimento da prefeitura de Belo Horizonte na gestão de Patrus Ananias, ex-presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e ex-coordenadora do Núcleo de Instituições Públicas Federais em Minas Gerais, pela generosidade e compreensão para comigo durante minha passagem pela Secretaria de Abastecimento; - Ao Mauro Borges Lemos, mestre em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutor em Economia pela University of London, pós-doutor pela University of Illinois, pós-doutor pela Universidade de Paris XI (Paris-Sud) (2003) e Professor Associado Nível I da Universidade Federal de Minas Gerais, pela ajuda inestimável ao longo desses últimos anos; - Ao Geraldo Afonso Nogueira, formado em Direito pela UFMG, meu conterrâneo de Raul Soares, que me acolheu em seu apartamento quando de minha pesquisa no Rio de Janeiro, tornando possível os textos constantes neste blog; - Ao Hugo Gariglio, jovem empreendedor que desenvolveu este blog e me suportou muitas e muitas vezes.
O projeto, a princípio, pareceu-me ousado e difícil de ser implementado: como poderia traçar um painel dos principais acontecimentos que permearam a década de 50, sem cair na simples enumeração dos fatos, por um lado, e, por outro, sem me deter em profundas e exaustivas análises sócio-político-culturais –, comuns quando se enfocam os diversos períodos da história brasileira –, o que, na maioria das vezes, resulta em obras acadêmicas e herméticas, exatamente o oposto do que eu tinha em mente, quer seja, contar ao leitor comum como e por que este período de nossa história mexe, até hoje, com o imaginário popular e se constitui na mola propulsória da atuação dos mais diversos atores políticos da atual cena pública brasileira, uns glorificando-o como a porta de entrada definitiva para a efetiva tomada de consciência e organização dos trabalhadores, além de ter se constituído em uma época dourada para as artes brasileiras, outros esconjurando-a como uma década onde o populismo mostrou sua cara menos ambígua, sendo, exatamente por isso, uma praga a ser extirpada e como uma experiência a nunca mais ser repetida? Na realidade, esse projeto, inicialmente, era outro: sendo pesquisador de música popular brasileira desde a década de 80, em 1993, a partir de minha demissão de uma grande siderúrgica (Cia Aços Especiais Itabira - ACESITA), pensei ser essa a oportunidade de colocar em prática um sonho antigo, o de pesquisar a vida de um grande ídolo popular da década de 50 – Emilinha Borba –, traçando, paralelamente, um painel da vida política, cultural e mundana do Brasil de então, vontade essa que tomou forma a partir da leitura do livro "Por trás das ondas da Rádio Nacional", de Miriam Goldfeder, onde a autora, pretendendo analisar ideologicamente a produção radiofônica ligada à Rádio Nacional, traça um retrato devastador da cantora, identificando-a como um dos principais agentes ideológicos lançados pelo poder constituído de então para dominar corações e mentes da parcela mais pobre da população brasileira, enfim, como importantes nomes de nossa “inteligência” dizem, dos corações e mentes das massas. E como seria isso na prática? Basicamente, segundo a autora, pela reprodução do sistema de dominação vigente, "através da criação de produtos que simbolizassem e antes de tudo sintetizassem o conjunto dos valores éticos dominantes ou aqueles que fossem passíveis de manipulação por parte das classes detentoras do poder econômico e político". Emilinha Borba, dentro desse contexto, teria sido o "projeto paradigma" desse sistema de dominação, sendo mesmo a síntese desses valores éticos conservadores. Ainda, segundo Míriam Goldfeder, a cantora teria se constituído na "imagem tipificadora, a nível individual, do quadro de valores morais e conservadores e reprodutores das relações sociais dominantes". E mais: a cantora, "com um poder de penetração (e controle) sobre um público de origem suburbana", teria mantido "um estilo cujo nível de elaboração permitia uma relação direta e empática com sua platéia.” Originária ela própria do subúrbio, estação de Mangueira, Emilinha teria sido 'o primeiro grande cartaz forjado para a idolatria dessa gente'." O “dessa gente” aí é o povão. Como a cantora era para mim, e, tenho certeza, para a totalidade dos ouvintes da Rádio Nacional de então, nada mais do que uma cantora popular de sucesso, que tinha realmente uma relação empática e direta com as massas, essa sua faceta ideológica nem passava por minha cabeça, seu repertório, considerava eu, igual a de todos os cantores da época. Tudo isso aguçou minha curiosidade. Quem seria realmente essa cantora? Como ela realmente se fez? Ser instrumento da dominação burguesa no Brasil era um fato consciente ou trabalhado? Como teria ela alcançado tal grau de poder – se é que realmente o tinha – e como seria seu relacionamento com esse mesmo poder? Daí em diante, fiquei por conta de pesquisar o Brasil da década de 50 relacionado com o ídolo popular, pensando numa futura biografia. O caminho natural foi o Rio de Janeiro, para onde segui em novembro de 1993, tornando-me mais um rato da Biblioteca Nacional, paraíso de 10 entre 10 pesquisadores brasileiros. Só que o Brasil é realmente um país sem cuidados com sua memória: muitas coleções de revistas da época, pelo estado de deterioração, não estavam mais disponibilizadas para ninguém, trazendo para os interessados, como conseqüência, problemas insolúveis, uma vez que várias dessas coleções somente existiam nessa biblioteca e procurá-las em outras ou mesmo em coleções particulares, um sonho quase impossível. De qualquer forma, após alguns meses, a pesquisa no Rio se completara, voltando eu para Belo Horizonte, a fim de coletar mais dados na Biblioteca Pública, na biblioteca do Palácio das Artes e nas coleções particulares do jornal Estado de Minas. Paralelamente, assisti a centenas e centenas de filmes produzidos na década, procurando, ao mesmo tempo, ter acesso à maioria dos textos das peças teatrais citadas no trabalho. Só que, pela quantidade de material coletado sobre o período, aí incluída mais de uma centena de livros que mapearam essa década, o plano inicial, com o passar dos anos, foi sendo modificado, apesar de, inicialmente, não saber o que realmente pretendia. Até que uma idéia me veio à mente: por que não contar a história da década de 50 de forma anualizada, ou seja, dispor os fatos e eventos ano a ano, indo e voltando na História, na tentativa de mapear de forma mais sistemática o que de importante acontecera no período? Esta idéia ganhou força pela constatação de que ainda não havia sido lançado no Brasil nenhum texto com tal disposição, um lançamento desse tipo podendo se constituir em valiosa ajuda para futuros pesquisadores, que então teriam, acessando este trabalho, mais facilidades para localizar determinado assunto, situando-o historicamente, evitando, por conseqüência, perda de tempo em extensivas pesquisas bibliográficas. Obviamente, foi de minha escolha o material que, no meu entender, ajuda a entender o espírito da década de 50. Também, obviamente, muitos fatos e eventos históricos não foram focalizados, pelo seu pouco desenvolvimento dentro do que me tinha proposto. Desta forma, ficaram ausentes histórias do teatro de rebolado (mesmo sabendo que, na vida e nas carreiras de Mara Rúbia, Virgínia Lane, Luz del Fuego, Irmãs Pagãs, Zaquia Jorge e outras, muitas histórias fantásticas aconteceram), dos campeonatos regionais de futebol, do teatro carioca, dos acontecimentos fora do eixo Rio-São Paulo e muitas mais. Também um fato inesperado, a princípio, me desnorteou: algumas biografias de personagens paradigmáticos e emblemáticos da década em questão eram tão definitivas, tão portentosas que, contar um fato importante acontecido para o entendimento histórico do período, fora do que ali estava descrito, se mostrou um esforço quase que totalmente vão, uma vez que todas as matérias pesquisadas nas revistas da época já estavam contempladas nas referidas obras. É o caso, por exemplo, das biografias de Assis Chateaubriand e de Nelson Rodrigues, escritas por Fernando de Morais e Ruy Castro, respectivamente, ambas se constituindo em verdadeira aula de história do Brasil para seus leitores. Essas biografias e outras mais, além de algumas obras fundamentais escritas sobre fatos desses anos, tiveram que ser quase que fontes primárias de pesquisa, pouca coisa se conseguindo fora delas. Questão importante foi a constatação de que muitos fatos e datas (de nascimento, de anos de determinadas gravações de discos, de anos em que determinado filme foi produzido etc.) eram conflitantes entre si; às vezes, determinada fonte, por exemplo, escrevia que tal cantor nascera no ano tal, enquanto outra trazia uma data diferente. Tentei, o máximo possível, quando tal fato acontecia, checar em outras fontes, sabendo, entretanto, que, mesmo assim, eu cometeria diversos erros, principalmente factuais, para os quais peço desculpas e para os quais peço a ajuda dos que tiverem acesso a este texto para corrigi-los. Outra disfunção recorrente se verifica quanto à grafia de determinados nomes. Às vezes, vários nomes são escritos de maneira diversas, como é o caso de “Eliseth Cardoso”, “Elisete Cardoso” e até “Elizete Cardoso”. Segui a grafia de mestre Sérgio Cabral, Elisete Cardoso. O mesmo se dá com “Ari” e “Ary” e assim por diante. Procurei, o máximo possível, sempre adotar a mesma grafia, não o fazendo somente quando os nomes estão em uma citação. Por fim, uma explicação: estilisticamente, não utilizei o recurso de "pé de página" para melhor explicitar alguns fatos contidos neste trabalho ou mesmo identificar algumas passagens tomadas emprestadas de outros autores. Alguns amigos, mais ligados à produção acadêmica, me chamaram a atenção sobre o fato, respondendo-lhes eu da intencionalidade do ato. Como queria fugir de qualquer identificação com uma produção acadêmica, tipo tese universitária, tentei esgotar todos os assuntos dentro do próprio texto, ao mesmo tempo procurando identificar todos os autores das diversas passagens tomadas emprestadas por mim e que foram transcritas ipsis litteris. Quando isto não acontece, ou é pela obviedade da fonte, ou porque julguei desnecessário fazê-lo. Penso eu que, para quem quiser se aprofundar mais em qualquer dos assuntos focalizados neste trabalho, a bibliografia constante em seu final será o bastante e uma rara oportunidade para uma melhor compreensão de um dos períodos mais ricos e conturbados da história brasileira. Belo Horizonte, junho de 2010. José Henrique Fialho.