Como confirmação do que já vinha acontecendo ao longo dos últimos anos, o carnaval de 1960 foi inundado por diversas músicas interpretadas por cômicos advindos da televisão, já em franco processo de popularização. Claro que os grandes intérpretes ainda se fizeram presentes com maior ou menor sucesso, mas é digno de nota que os dois maiores sucessos do ano foram marchinhas gravadas por comediantes que brilhavam na TV. No entanto, ótimos sambas – poucos, na realidade – também foram gravados para esse carnaval, território proibido para os comediantes por motivos óbvios.
Nessa última categoria, Jamelão foi o grande destaque desse carnaval, lançando dois sambas que se tornaram clássicos carnavalescos, O Samba é Bom Assim, de Hélio Nascimento e Norival Reis, e Fechei a Porta, de Sebastião Motta e Ferreira dos Santos.
O Samba É Bom Assim, lado A de um 78 rpm que trazia, no lado B, outro ótimo samba – Esta Melodia –, de autoria do próprio Jamelão em parceria com Bubu da Portela, recentemente resgatada por Marisa Monte, com letra razoavelmente extensa para uma melodia carnavalesca, foi um dos sambas mais executados pelas rádios e muito cantada nos salões:
“Pra mim, pra mim
O samba é bom
Quando cantado assim
(Pra mim!).
Ai eu vou-me embora
Que me dão para levar
Levo penas e saudades
No caminho vou chorar.
Dou-lhe tapa, dou-lhe murro, estouro
Não faça cara de choro
Pra ninguém falar
Lhe dou uma surra
Lhe jogo no mato
Pra bichinho lhe apanhar
(Pra mim!).”
Jamelão interpretando O Samba é Bom assim.
Fechei a Porta também fez história na MPB; foi regravada por diversos intérpretes de

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“Eu não quero mais amar
Pra não sofrer ingratidão
Depois do que eu passei
Fechei as portas do meu coração.
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Eu dei pra ela todo o carinho
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Eu dei pra ela todo o carinho
E no entanto acabei sozinho.”
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Miltinho interpretando Fechei a Porta.
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Miltinho interpretando Fechei a Porta.
“Favela amarela
Ironia da vida
Pintem a favela
Façam aquarela
Da miséria colorida.
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Vamos ter melhoramento
A dor como tema de ornamento
Procure compreender, seu doutor
A felicidade não tem cor.”
Aracy Costa interpretando Favela Amarela.
Jorge Goulart também deixou sua marca neste carnaval; lança o samba Leva Tudo Contigo, de autoria de Santos Garcia, que, talvez devido à simplicidade de sua letra e de sua melodia, foi uma das mais cantadas do ano:
“Vai, leva tudo contigo
Vai, deixa a saudade comigo.Leva tua belezaQue me deu tanta alegriaDeixa pra mim a tristezaSofrimento e nostalgia.”
Jorge Goulart interpretando Leva Tudo Contigo.
Apesar de fraco e sem inspiração, o samba Fala, Saudade, de Milton Legey e Edu Rocha, gravado por Gilberto Alves, também conseguiu certa repercussão, sendo bastante executada nos salões carnavalescos:
“Fala, saudadeGilberto Alves interpretando Fala, Saudade.
Fala daquela amizade
Que eu perdi
E nunca mais esqueci.
Vendo o tempo passar
Passa a minha vida
Sempre a lamentar
A nossa amizade perdida."
Os melhores sambas do ano foram os acima citados. Também foram lançados, com pouca ou mínima repercussão, Naquela Base (Orlando Correia), Arruma a Trouxa (Zilá Fonseca), Na Base do Amor (Bill Farr), Enquanto Houver Mangueira (Odete Amaral), Não Precisa Bater (Linda Batista), Não Quero Mais Sofrer (Risadinha), Renunciei (Emilinha Borba), A Felicidade (Trio de Ouro, canção não carnavalesca, mas, que foi gravada para esse carnaval) e poucos mais.
***
Quanto às marchinhas, o destaque ficou mesmo para Me Dá Um Dinheiro Aí, de autoria do trio Homero, Ivan e Glauco Ferreira, lançada pelo jovem humorista, revelação da televisão, Moacir Franco.
Natural da cidade mineira de Ituiutaba, Moacir Franco (05.10.1936) iniciou sua carreira artística no ano de 1953; apresentava-se no programa Astros e Estrelas de Amanhã na Rádio Difusora de Uberlândia. Um cantor pouco conhecido, Aluísio Silva, reconheceu algumas qualidades no jovem iniciante, conseguindo-lhe um
a vaga para se apresentar na PRK-7, Rádio Club de Ribeirão Preto, São Paulo. À essa época, adorava imitar um jovem cantor norte-americano, que fazia então grande sucesso, o dramático Johnny Ray, além de, também, se apresentar como radioator e comediante.

Em 1958, decide se mudar para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades, caindo, na verdade em uma armadilha da sorte; nada conseguiu durante meses e, sem dinheiro e amigos influentes, passou sérias dificuldades financeiras, tendo que dormir, às vezes, até em uma ambulância na garagem da prefeitura, devido à bondade de um conhecido. Não agüentou o tranco e resolveu tentar a sorte na capital paulista.
Por essas ironias dos deuses da sorte, faz um teste na Rádio Nacional de São Paulo, sendo imediatamente contratado devido a sua notável versatilidade. Nessa emissora, atuava em diversas áreas, apresentando-se como cantor, dublador, radioator, locutor e humorista. Foi nesse último campo que ele chamou a atenção do poderoso homem de televisão, Manoel da Nóbr
ega, cujo programa humorístico Praça da Alegria, da TV Rio, era um dos mais populares do país. Contratado pela emissora, começou a atuar nesse programa, no O Riso é o Limite e no Noites Cariocas. Nessa mesma época, mais uma vez, o inesperado fez-lhe outra surpresa: o escritor e humorista Glauco Ferreira teve que substituir Silva Araújo no programa Rio te Adoro da mesma emissora. Glauco resolve então criar um quadro humorístico para aproveitar a veia cômica de Moacir. Lembrou-se então de um velho pedinte que esmolava na Praça Quinze, que, de forma bastante arrogante, estendia o braço com a mão espalmada à altura do ventre do freguês e, com uma voz rouca, pedia – pedia, não, exigia – “me dá um dinheiro aí”. Moacir seria o mendigo, dividindo a cena com Hiran Lima.

O quadro imediatamente caiu no gosto popular. A cidade inteira, principalmente a garotada, começou a imitar o gesto do mendigo e exigir “me dá um dinheiro aí”, todos

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Para aproveitar a recente fama, Glauco Ferreira, juntamente com Homero e Ivan, compuseram a marchinha Me Dá Um Dinheiro Aí, que se transformou em um fenômeno de popularidade nesse carnaval, vendendo, quase que imediatamente, 100 mil cópias e sendo a mais cantada pelos foliões e a mais executada nos bailes carnavalescos país afora. Seu êxito atravessou os tempos, seu refrão é até hoje reconhecido em todo o país, sempre sendo cantada nos carnavais da saudade:
“Ei, você aí
Me dá um dinheiro aí
Me dá um dinheiro aí(bis).
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Não vai dar
Não vai dar não
Você vai ver
A grande confusão
Que eu vou fazer
Bebendo até cair
Me dá, me dá, me dá (ei)
Me dá um dinheiro aí.
Moacir Franco interpretando Me Dá Um Dinheiro Aí.
Esta música rendeu uma história curiosa; não se sabe quem, mas alguém descobriu nas páginas da revista O Cruzeiro uma foto de Juscelino e do secretário de Estado norte-americano, John Foster Dulles, naquela ocasião em visita ao Brasil. O presidente levantava-se da cadeira com a mão espalmada para cima, na horizontal, enquanto o secretário o esperava, de pé, braço semi-estendido, só que com a palma da mão para baixo. Não se sabe como, mas o Jornal do Brasil conseguiu a foto e a estampou em sua primeira página.
Reza a lenda que foi José Ramos Tinhorão, o furibundo crítico da música popular brasileira, quem fez o título que acompanhava a foto. Nessa época, Me Dá um Dinheiro Aí estava no auge de seu sucesso. Foi o bas

Outro humorista que atravessava momentos de grande popularidade – Ronald Golias (1929 – 2005) – também conseguiu muito sucesso com uma marchinha do eterno criador de sucessos carnavalescos, João de Barro, o Braguinha, intitulada Ô Crides.
Um d

Como acontecera com seu principal rival, Moacir Franco, ele chama a atenção de Manoel da Nóbrega, que logo a seguir (1956) o convida para trabalh
ar no seu programa humorístico televisivo o Praça da Alegria. Seu primeiro personagem marcante da televisão, Pacífico, apareceu em 1956, criando o famoso bordão "Ô Cride" que virou coqueluche na cidade.

Em 1957, ele faz sua estréia no cinema, participando do filme Um Marido Barra Limpa, dirigido e interpretado pelo iniciante cineasta Luís Sérgio Person, que, não se sabe por que, não o terminou. Renato Grechi, mais tarde, rodou novas cenas, reeditou-o e lançou-o com seu nome na direção. Nesse filme, Golias também contracena com Machadinho, a estrela da televisão Meire Nogueira, Maria Vidal e outros mais. O filme, quando lançado, passou despercebido, mas o nome de Golias, graças à televisão, se tornava cada vez mais conhecido.

Em seu terceiro filme, Os Três Cangaceiros (1959), veículo para o novo astro das chanchadas, Ankito, Golias já encarna seu personagem “Bronc


A marchinha Ó Crides também se tornou um fenômeno de execução, constituindo-se no segundo maior sucesso desse ano dentre as marchinhas carnavalescas:
“Ó Crides que coisa louca
O broto que eu encontrei
Roubou minha capacidade
Ni minimis, ni minimis
Me apaixonei.
Laura, Dolores
Odete, Inês
Agora vou mudar de amores
Sabem o que mais?
Cric! p’rocês.”
Ronald Golias interpretando Ô Crides.
Emilinha Borba veio com um disco contendo duas ótimas marchinhas para esse carnaval, Menina Direitinha, de Rutinaldo, Brasinha e Vicente Amar, lado A do 78 rpm, e Vedete, de Valdir Machado e Rubens Machado, no lado B. A

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Apesar da oportunidade de sua letra, muito bem feita por sinal, retratando o medo das famílias de classe média, naquele momento passando pelo fenômeno da “juventude transviada”, Menina Direitinha não conseguiu obter o sucesso que a cantora esperava. Sociologicamente falando, porém, é muito superior às músicas lançadas pelos humoristas acima citados pelo que representava de uma época de transição de costumes:
“Menina direitinha
Que pensa no futuro
Não chega tarde em casa
Nem namora no escuro.
Não anda em garupa de lambretaSem ordem da mamãe ela não saiAi, ai, ai, meninaCuidado pra você não dar desgosto pro papai(menina)”.
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Emilinha Borba interpretando Menina Direitinha.
Outra marchinha de destaque e que caiu na boca do povo foi a maliciosa A Maria Tá, do sempre criativo e outro gigante de todos os carnavais, Haroldo Lobo, secundado por Jair Noronha e Milton de Oliveira, gravação de Walter Levita:
Emilinha Borba interpretando Menina Direitinha.
Outra marchinha de destaque e que caiu na boca do povo foi a maliciosa A Maria Tá, do sempre criativo e outro gigante de todos os carnavais, Haroldo Lobo, secundado por Jair Noronha e Milton de Oliveira, gravação de Walter Levita:
“A Maria táTá sim senhorQuem disse que táFoi o doutor..Que bom que eu vou ser paiE o papai vai ser vovôSe for homem, eu vou botar meu nomeSe for mulher, é Brigitte Bardot.”
Valter Levita interpretando A Maria Tá.

Uma revista do teatro de rebolado intitulada É Bububu no Bobobó fazia espetacular sucesso no Teatro Recreio do Rio de Janeiro. Aproveitando o tema, a dupla Armando Cavalcanti e Ivo Santos compôs a marchinha homônima É Bububu no Bobobó, que, na voz de Marlene, obteve também bastante êxito:
“É bububu no bobobóÉ bububu no bobobóNo tempo da minha avóPeruca chamava chinó.
Garota que não tem herançaNem ganha pela letra ÓQue vai passar natal na FrançaNa casa de uma tia-avó.É bububu no bobobóÉ bububu no bobobó.”
Marlene interpretando É Bububu no Bobobó.

“Ca-ca-ca-ca-re-co
Cacareco, Cacareco é o maior
.Ca-ca-ca-ca-re-coCacareco de ninguém tem dó.
Eu encontrei o CacarecoTomando chope com salsicha e rabanadaMas lá no bloco da vitória ele gritavaAqui, Gerarda, aqui, Gerarda”.
Risadinha interpretando a marchinha Cacareco.
E não se poderia esquecer de Linda Batista, que, a essa altura, se constituíra em cantora basicamente de carnaval. Vai Que é Mole, outra composição do memorável Haroldo Lobo, em parceria com Milton de Oliveira, foi outra marchinha que conseguiu grande destaque neste carnaval:
Linda Batista interpretando Vai Que é Mole.“Se ela passa, pisca o olho e bole, boleVai que é mole, vai que é mole.
Mulher é feito pudimGeléia ou rocamboleNão vai pensar que é duroVai que é mole, vai que é mole.”

“Quando ela passa todo mundo grita opa!Todos sabem que ela vive dando sopa.
Ela dá sopa e não trabalha em restauranteEla dá canja e não trabalha em hospitalEla dá sorte sem tirar a sorte grandeEla dá bola e não joga futebol.”
Irene Macedo interpretando Dando Sopa.
Outras marchinhas que poderiam ser citadas: Carnaval de JK (Miguel Gustavo/Altamiro Carrilho), com Carequinha; Seu Talão Vale Um Milhão (Nelson Trigueiro/Elpídio Viana/F. Mesquita), lançada por Zilda do Zé e pelos Quatro Ases e Um Coringa; Umbigo de Vedete (Klécius Caldas/Armando Cavalcanti), com Grande Otelo e Dona Gegê (Miguel Gustavo/Antônio Carlos), gravada pela dupla de sucesso na televisão Antônio Carlos e Sônia Lancelotti.
O carnaval de salão, não obstante a nova realidade televisiva, ainda resistiria por mais alguns anos. A exemplo de diversas áreas da cultura brasileira da década que estava terminando, seus dias de esplendor estavam à beira da morte. Lá para os meados da nova década que então se iniciava, a realidade o sepultaria para sempre, sobrevivendo somente na memória dos mais velhos e nos “revivals” carnavalescos. O mundo mudava. Os desfiles das escolas de samba iniciariam sua irresistível escalada para se tornar a cara definitiva do carnaval carioca.
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