14.9.06

JUSCELINO KUBITSCHEK ROMPE COM O FMI

Sob o impacto de uma inflação de 22,60% (IGP-DI da FGV), ocorrida no ano anterior, e de um plano de estabilização econômica que impunha limites ao seu Plano de Metas, Juscelino entra em seu quarto e, pode-se dizer, definitivo ano sob diversas pressões. Os mais pobres se sentiam os mais atingidos pela situação econômica do país, os altos índices inflacionários derrubando o poder de compra do salário mínimo, o que obrigou ao governo dar-lhe um aumento de 30%, ainda em janeiro do corrente ano. A classe média, embalada pelos sambas-canções da nova sensação da música popular brasileira, Maysa Matarazzo, e pelas primeiras manifestações da bossa nova, mesmo sendo beneficiada pela euforia desenvolvimentista, com o aquecimento do mercado de trabalho para seus integrantes, também sentia na pele os efeitos deletérios da inflação galopante, percebendo claramente, pela desvalorização da moeda, que diminuía, sensivelmente, seu poder de compra.


Era patente para a população, a qual sentia no bolso os efeitos do modelo econômico colocado em prática por Juscelino, que a economia estava, no frigir dos ovos, beneficiando mesmo somente a classe média alta, os ricos e os muitos ricos, os únicos com poder aquisitivo para consumir os caros bens de consumo importados e os que começavam a ser produzidos no país. Também, a questão da seca que devastara o Nordeste no ano anterior continuava na ordem do dia, já que a situação de calamidade pública na região continuava a mesma. As Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, com campo de atuação nessa região, estavam mais ativas do que nunca. A saída para a população faminta era emigrar para a região Sudeste, onde se concentravam as melhores oportunidades de emprego, trazendo, com isso, o inchaço das periferias das grandes centros, o fenômeno das favelas se tornando fato corriqueiro. Face à tensão que começava a dominar o cenário político, no início desse ano, o governo ameaçou até decretar Estado de Sítio. E para confundir mais o cenário político, em fevereiro, em pleno carnaval, o país foi despertado pelas manchetes dos jornais dando conta de que, em Brasília, tinha acontecido um massacre de trabalhadores, todos contratados da Construtora Pacheco Fernandes. Era o tipo de publicidade de que Juscelino não precisava.

Depoimento de Elizabeth Teixeira, viúva do fundador das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. - parte 1.



Depoimento de Elizabeth Teixeira, viúva do fundador das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. - parte 2.




Segundo se noticio
u, a Pacheco Fernandes, com cerca de 1.300 operários fichados, os candangos, que trabalhavam 24 horas por dia em turnos alongados por horas-extras, poucas folgas e muitas reclamações, possuía a pior cantina de todas as empreiteiras a prestar serviços na construção da nova capital. No sábado de carnaval, visando a impedir que os operários abandonassem o canteiro de obras, a água foi cortada, não permitindo o banho diário, além de o pagamento semanal, que sempre ocorria aos sábados, ter sido sustado.
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O clima de tensão aumentou quando os operários sentiram que a comida servida no almoço de domingo estava estragada, o que resultou em grande quebra-quebra no refeitório da cantina. Logo os policiais da Guarda Especial de Brasília – GEB – foram chamados para colocar ordem na confusão; logo também começaram a espancar os trabalhadores, fazendo com que esses reagissem e os enfrentassem. Sentindo a barra, os policiais, frente ao grande número de opositores, se retiraram, fugiram mesmo, numa situação constrangedora para eles. A resposta não demoraria a chegar.

Quando diversos trabalhadores ainda se encontravam em frente ao acampamento, muitos também já dormindo, a polícia voltou com grande aparato, disposta a se vingar. Já chegaram espancando todos à volta e atirando contra quem eles viam. Outra turma de policiais invadiu o dormitório, agindo da mesma forma, também espancando aqueles que viam, também atirando a esmo. As versões do que efetivamente aconteceu no acampamento variavam conforme os interesses. A população da futura nova capital falava emmassacre”,metralhadores” e “caminhões do tipo caçamba” carregando corpos que teriam sido jogados no lago Feia ou encaminhados para algum lugar perto de Planaltina para serem enterrados. A verdade sobre o acontecimento, e até mesmo o número de mortos, jamais foi comprovada. Falava-se em umaconspiração do silêncio” sobre o episódio. Os corpos nunca mais foram encontrados. Dizia-se que nove pessoas morreram e que cerca de 60 ficaram feridos. Comentava-se também que soldados da Aeronáutica foram os responsáveis pela limpeza da área após o massacre e pelo sumiço dos corpos dos trabalhadores, fato também nunca comprovado.

Assim que o caso chegou à imprensa, as autoridades logo se prontificaram a desmentir o acontecimento. Disseram que houve sim um desentendimento com a polícia, mas que houvera somente uma pessoa morta e mais três feridos. Nenhum repórter da grande imprensa foi ao local dos acontecimentos para cobrir as versões dos peões; Um jornal alternativo de Belo Horizonte, então com grande destaque – O Binômio –, do jornalista José Maria Rabelo, enviou dois repórteres para apurar o caso, conseguindo despistar a vigilância e entrevistar alguns feridos. Porém, seu relato a respeito do ocorrido ficou prejudicado pelo fato de não terem conseguido apurar a verdade dos fatos, nem mesmo o total de mortos e feridos.

Os Candangos e a construção de Brasília.


















Esse incidente
certamente não abalou as estruturas da gestão, mas deixou o “staff” do presidente em estado de alerta contra episódios de tal monta, ao mesmo tempo em que alertou Juscelino de que esse seria um ano complicado. Questões dessa envergadura poderiam prejudicar sua base de apoio, nesse ano em que o assunto “eleições”, que aconteceriam no final do ano seguinte, já dominava as redações de jornais e revistas, numa demonstração de que JK teria que governar os dois últimos anos já pensando no processo eleitoral que se avizinhava.

O fantasma das próximas eleições para os partidários de Juscelino se chamava Jânio Quadros, o temido governador do estado mais rico do país, São Paulo. O receio maior era o de que a UDN, sem candidato de peso para enfrentar o governo, apoiasse o nome de Jânio para a presidência da República, conforme já ficara patente, quando o Diretório Nacional do partido, ainda no início do ano, declarara que apoiava a indicação do governador para concorrer ao cargo de presidente da nação. Logo a especulação e as intrigas tomaram conta do meio político. Começa a circular a notícia segundo a qual Jango Goulart teria sugerido a Juscelino – ainda com maioria no Congresso – que, em nome da ordem democrática, ele deveria encampar a ideia de continuar à frente do executivo, via emenda constitucional, suspendendo as eleições vindouras. Goulart teria argumentado que, já que o virtual candidato da situação, o general Teixeira Lott, nunca ganharia as eleições pelo seu diminuto apelo popular e que ele seria um perdedor certo frente ao populista Jânio, a solução mais adequada para o país seria o continuismo da situação. Juscelino, que cansara de ouvir propostas semelhantes de alguns companheiros de partido, rejeitou prontamente a ideia, até porque, politicamente, ela não era factível (como enfrentar Carlos Lacerda em uma aventura continuista!), e uma vez que, entre os militares, o governo JK não era nenhuma unanimidade.
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Mesmo não sendo 1959 um ano eleitoral, e mesmo sem contar ainda com qualquer apoio partidário, Jânio Quadros já agia e se comportava como candidato à sucessão presidencial. Vários próceres da UDN apoiavam abertamente sua candidatura, como era o caso de Carlos Lacerda. No concernente ao PSD, tudo ainda estava às escuras. O nome mais forte da situação era o do general Teixeira Lott, que, inclusive, já havia solicitado sua transferência para a reserva, obviamente com a intenção de também concorrer às eleições. O pedido, todavia, foi indeferido por Juscelino por considerá-lo, naquele momento, o único nome a impedir a desagregação das Forças Armadas, avalista, em última instância, da estabilização de seu governo. O fato é que o general Lott teria que permanecer à frente do ministério da Guerra por algum tempo mais.
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Também, ainda no início desse ano, os integrantes do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, um centro nacionalista de elaboração teórica de projetos (que seria a base do “nacional-desenvolvimentismo” de JK), criado sob a orientação de um grupo de competentes intelectuais através Decreto n.º 37.608, de 14 de julho de 1955, objetivando “o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira”, ao mesmo tempo em que esses dados, serviriam como base para o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional – muitos com posições ideológicas conflitantes-, entram em confronto ideológico, principalmente quanto à questão do papel do capital estrangeiro no desenvolvimento da economia brasileira.

Criado ainda no governo Café Filho, o ISEB iniciou realmente suas atividades quando Juscelino Kubitschek assumiu a presidência da República; desde a campanha eleitoral, as idéias desenvolvimentistas do candidato mineiro (aceleração da industrialização, ampliação dos investimentos privados e estrangeiros na indústria nacional, participação ativa do Estado no desenvolvimento do país etc.) calaram fundo nas mentes dos intelectuais do grupo, considerando sua plataforma política bastante condizente com as idéias que eles estavam formulando, ou seja, estudos e pesquisas voltados para a realidade brasileira.
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Dentre esses intelectuais, sobressaíam Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré (1912 - 1999), Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos (1915 - 1982), sociólogo, um importante intelectual negro, e Cândido Mendes de Almeida (no Conselho do ISEB constavam ainda os nomes de importantes pesos pesados da intelectualidade brasileira, como é o caso de Anísio Teixeira (1900 - 1971), Gilberto Freyre (1900 - 1987), Heitor Villa-Lobos e San Thiago Dantas). Era pensamento dominante entre eles que o Brasil só poderia ultrapassar a sua fase de subdesenvolvimento pela intensificação da industrialização, plataforma primeira de JK. Mas, para que a soberania e a emancipação do Brasil se efetivassem, deveria ser elaborada uma política nacionalista, onde não haveria lugar para o pensamento neoliberal até então reinante, com as exceções de sempre (governo de Getúlio Vargas, por exemplo), ligado sempre aos interesses norte-americanos. Urgia então uma nova liderança, que deveria ser encarnada pela burguesia nacional, com o apoio dos trabalhadores urbanos mais organizados, do setor técnico que acreditava realmente nos planos de desenvolvimento abraçados por Juscelino e, obviamente, da “intelligensiabrasileira. Dessa forma, a opinião encampada pela maioria dentro do ISEB era a de que a saída para o avanço das propostas do grupo seria a junção dessas diversas forças para tentar desintegrar o setor considerado “atrasado” por eles, a burguesia latifundiária mercantil, a maior aliada do imperialismo norte-americano.

Em síntese, o grupo tinha a convicção de que a luta política e econômica deveria se travar entre os nacionalistas e os denominados "entreguistas", aqueles identificados com o atrelamento do desenvolvimento do Brasil ao capitalismo hegemônico representado pelos norte-americanos. Este pensamento mais nacionalista, entretanto, não era internalizado por Juscelino, que tinha a convicção de que, o melhor para o país era a cooperação com o capital estrangeiro para o desenvolvimento industrial do país, investindo pesado nessa política, o que não significava que o presidente não apoiasse, de certa forma, o empresariado brasileiro, facilitando bastante o investimento de capital nacional no setor industrial. O nacionalismo então, menos do que uma política de apoio à burguesia industrial nacionalista, servia mesmo como plataforma de mobilização das massas em apoio ao governo JK.
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Muitas pedras e espinhos, no entanto, perseguiam o pessoal do ISEB; diversos intelectuais de renomadas instituições de ensino não confiavam na pouca formação intelectual do grupo em diversos campos do saber, notadamente em ciência sociológicas, economia, história e antropologia, o que tiraria dos “isebianos” a legitimidade necessária para atuarem como formuladores de um ideário político e econômico para servir de base para a emancipação da sociedade brasileira. Além do mais, a imprensa atrelada aos interesses transnacionais e diversas e importantes entidades de classe empresariais viam o grupo com desconfiança, identificando-o como porta-voz do ideário de esquerda e mero braço intelectual do Partido Comunista Brasileiro.

A cisão dentro do grupo desmentiu tal identificação; nem todos pensavam exatamente igual dentro do ISEB, as divergências aumentando à medida que o governo de JK avançava em sua política de zigue-zague. Alguns dos integrantes do grupo preconizavam que as posições mais nacionalistas de seus integrantes deveriam ser abandonadas, ou, no mínimo, relativizadas, para se ajustar à política do governo. A luta interna estava assim ligada a uma tentativa de ajustamento entre a proposta de desenvolvimento do ISEB e a política que estava sendo praticada pelo governo JK, de amplo apoio à entrada de capitais estrangeiros para o desenvolvimento do processo industrial brasileiro, com o que não concordava o setor mais intransigente do pensamento nacionalista. As divergências entre os integrantes do ISEB começaram a ganhar destaque dentro da imprensa, e a ruptura do grupo parecia iminente.
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A gota d’água para o rompimento foi o lançamento de um livro de Hélio Jaguaribe – O Nacionalismo na Atualidade Brasileira (Rio de Janeiro, ISEB, 1958) –, em que o autor, ao mesmo tempo em que criticava o nacionalismo, defendia os investimentos estrangeiros no país, reconhecendo-lhe um “papel positivo” para o desenvolvimento da nação. Abriu-se a polêmica sobre “nacionalismo de fins” e “nacionalismo de meios”. Para Jaguaribe, identificado com o "nacionalismo de fins", ou seja, com a política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, o capital estrangeiro tinha seu papel relevante, atendendo, segundo sua concepção, às necessidades do país, principalmente no que concernia ao modelo de substituição de importações, em que as multinacionais desempenhavam papel decisivo. Defendia também Jaguaribe a privatização de setores básicos da economia brasileira, e, ousadamente, até da indústria petroquímica. O sociólogo não marxista Guerreiro Ramos, defensor do "nacionalismo de meios", cuja obra, em síntese, objetivava juntar um pensamento que fosse ao mesmo tempo acadêmico, erudito, e uma arma de ação política e de poder, ideologicamente distante da ciência social do “status-quo”, universitária, e do pensamento marxista, não concordando com tal tipo de pensamento dentro da instituição, considerando-o “herético”, propõe a expulsão de Hélio Jaguaribe.

Memória Politica - Hélio Jaguaribe (Parte 1).




 











Memória Politica - Hélio Jaguaribe (Parte 2).




 












Memória Política - Hélio Jaguaribe (Parte 3).





 










O resultado da polêmica entre os integrantes do grupo, bastante explorada pela imprensa conservadora, foi o afastamento de ambos os principais protagonistas, Ramos saindo do grupo no final de 1958, no que foi seguido por Jaguaribe em março desse ano de 1959. Não demorou e o ISEB caiu para a esquerda, após o qual seus integrantes fizeram uma acerba crítica ao chamado “desenvolvimentismo” dos anos do governo JK; para esse pessoal, o proclamado crescimento da economia do período, com o PIB crescendo de maneira firme e consistente, na realidade, não alterava as profundas e graves desigualdades sociais do Brasil, tendo o “antigo” ISEB contribuído com esse estado de coisas ao apoiar, de forma equivocada, o “nacional-desenvolvimentismo” que, na visão de muitos, se mostrou ser mero instrumento da ideologia da classe dominante. No futuro muito próximo, o ISEB se dedicaria a se posicionar, à esquerda, frente a diversos aspectos da economia brasileira, que ia do controle dos lucros das empresas estrangeiras, à questão da melhoria de distribuição de renda no país, propondo ainda que todo o Brasil, e não somente o Sudeste, fosse beneficiado com os frutos do desenvolvimento econômico.
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Em março, Juscelino enfrentaria as primeiras greves do ano, uma delas a dos professores secundários de vários grandes centros do país, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e outros, reivindicando aumentos salariais. Também em março, e também por aumentos salariais, os metalúrgicos da cidade de São Paulo entram em uma greve que durou três dias, com vitória para os trabalhadores. Essas greves no início do ano foram o prenúncio do que ocorreria ao longo de todo o período: foram 65 paralisações em 1959, o maior número de greve no país desde a posse de Juscelino. Os destaques foram a greve dos Têxteis em Santo André, iniciada em abril, e que durou mais de dois meses (20/04 a 15/07). Também em Santo André, a Rhodia paralisou suas atividades, em uma greve que durou 29 dias, culminando com uma vitória espetacular dos trabalhadores; uma greve geral em São Paulo por aumento salarial em setembro; outra dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, também em setembro, e também por aumento salarial. Em outubro, foi a vez dos trabalhadores em transportes coletivos (São Paulo/São Bernardo/São Caetano) entrarem em greve por aumento salarial, greve esta que se prolongou por mais de um mês; em dezembro, nova greve geral em São Paulo, desta feita contra o aumento do custo de vida, seguida de nova greve, no mesmo mês, realizada, dessa feita, pelos Aeroviários do Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo, por aumento salarial. Ficava patente que as reivindicações dos trabalhadores por aumento salarial refletiam o quanto a inflação estava corroendo o poder de compra dos setores médios e baixos da população, colocando a política salarial de Lucas Lopes em xeque.

Seja como for, nesses quatro anos de administração, o governo Juscelino, mesmo sem conseguir cumprir satisfatoriamente a maior parte de suas propostas, e à custa de uma inflação muito alta, que trazia imenso prejuízo à classe trabalhadora, estava conseguindo intenso crescimento econômico, favorecendo o fortalecimento da face industrial do Brasil, com a construção de hidrelétricas, a consolidação da indústria automobilística e com a abertura de estradas que avançavam por todo o país, com o concomitante abandono da malha ferroviária que tanto prejuízo causaria ao país nos anos vindouros. O maior problema para os auxiliares desenvolvimentistas de Juscelino, contudo, eram as diretrizes econômicas estabelecidas no PEM, restritivas ao extremo. A saída era mesmo ignorá-las e continuar com os investimentos, procedendo à manutenção dos subsídios cambiais para o trigo, bens de capital e petróleo, concessão de incentivos à exportação e praticando uma política salarial chamada por críticos de “frouxa”.
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O Plano de Estabilização Monetária de Lucas Lopes (1911 - 1994), o PEM, dessa forma, surgia como um empecilho à continuação da implementação de um modelo de progresso que depositava na tecnologia e no desenvolvimentismo as esperanças de tirar o país do atoleiro econômico em que sempre esteve metido. Juscelino, que investiu pesado na atração do capital estrangeiro para proceder à modernização do país, tomando medidas que privilegiavam a remuneração desse capital externo (via adoção de uma taxa cambial deveras atraente) e facilitando a remessa de lucros por parte dos capitalistas que estavam investindo no país, certamente sabia, já nesse ano de 1959, o alto preço que a nação estava pagando (e pagaria por muitos anos ainda) pela euforia causada pelos pesados investimentos na construção da capital e em sua infra-estrutura. Porém, também tinha convicção de que, com seu trabalho, o Brasil arcaico estava com seus dias contados. Algo teria que ser feito com relação ao PEM.
Acontece que, com a dívida externa aumentando perigosamente, a inflação muito elevada e um déficit da balança comercial que começava a preocupar os credores internacionais, a equipe econômica comandada por Lucas Lopes só via uma saída para a economia brasileira: acabar mesmo com a euforia do Plano de Metas, que seria, na realidade, acabar com os sonhos do presidente, aproveitando-se das pressões do FMI para que o governo detivesse o processo de industrialização e congelasse o Plano de Metas. Isso seria insuportável e, politicamente, desastroso para Juscelino, fazendo com que o programa de estabilização de Lucas Lopes fosse, assim, jogado para escanteio. Mas, uma pergunta continuava sem resposta: o que fazer diante dessa conjuntura econômica perigosa, agradar ao FMI (que ameaçava não liberar um empréstimo de 300 milhões de dólares para o país), abandonando a política desenvolvimentista, ou seguir em frente com os investimentos e aguardar o que o futuro reservava ao país?

Enquanto a política econômica se encontrava nesse dilema, o mês de maio foi intenso para a administração juscelinista, com várias armadilhas espalhadas pelo caminho. No Rio Grande do Sul, o novo governador Leonel Brizola (1922 - 2004), mostra a que veio, desapropriando a companhia elétrica do estado, a American & Foreign Power Co., integrante do poderoso grupo transnacional Bond and Share. Como, durante a campanha, Brizola prometera implantar um sistema de comunicações à altura das necessidades de seu estado, já que faltava energia para o seu potencial industrial e para considerável parcela da população, cabia à multinacional proceder à modernização de suas instalações para os desafios do futuro. Acontece que a Companhia Elétrica Riograndense (nome de fachada da empresa), além de estar com a concessão vencida, não estava disposta a investir milhões de dólares na companhia, sem que o governo do estado cumprisse algumas exigências, dentre as quais as mais importantes eram a liberação das tarifas elétricas e a extensão da concessão por mais 35 anos. O governador considerou tais exigências descabidas e resolveu reagir.
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Em 13 de maio desse ano, Brizola surpreende o país ao mandar publicar no Diário Oficial do Rio Grande do Sul o decreto de expropriação da filial da multinacional norte-americana, pelo preço simbólico CR$ 1,00. A grande imprensa aliada do capital internacional reagiu indignada contra a medida, as notícias da expropriação repercutindo com força nos Estados Unidos, que exigiram uma firme tomada de posição do governo Federal contra a medida. Juscelino, todavia, nada podia fazer. Limitou-se a telefonar ao governador Brizola, dando-lhe conta de que os ânimos no Congresso Nacional estavam exaltados, grande parte condenando a medida, principalmente o temido senador da República Assis Chateaubriand. Mas, o governador tinha um trunfo: análise da contabilidade da empresa revelou grande quantidade de fraudes, imediatamente alardeadas pelos aliados de Brizola, que se aproveitou do fato para granjear grande fama junto à população por sua corajosa atitude. Não haveria volta no processo de expropriação da poderosa multinacional.
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Também em maio, mês em que recebeu a visita de um jovem líder barbudo chamado Fidel Castro que, recentemente, comandara a derrubada de Fulgêncio Batista, o sanguinário ditador de Cuba, e que, logo também, implantaria a primeira república socialista das Américas, as relações entre Juscelino e seu vice, João Goulart, ficaram estremecidas devido aos ataques desse último aos lucros excessivos auferidos pelas corporações estrangeiras instaladas no país. Era um sinal de que Jango, cotado para ser o candidato do PTB à presidência, afiava suas garras para defender o legado nacionalista do getulismo, ainda com imensa força nos corações dos brasileiros, principalmente dos mais pobres.
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O FMI, enquanto isso, pressionava o governo para colocar em prática suas medidas restritivas na economia, medida impossível para Juscelino, que só viu uma saída: a demissão de Lucas Lopes, cuja ortodoxia mexia com os nervos de auxiliares desenvolvimentistas próximos do presidente. A oportunidade surgiu quando as negociações sobre o acordo "stand-by"com o citado órgão chegaram a um impasse, porque o governo se recusava a ceder às exigências do Fundo, as mesmas de sempre, que, sob a rubrica “ajustes internos”, simplesmente implodiria o Plano de Metas. Dessa forma, No dia 17 de junho, tornou-se público o rompimento de Juscelino com o órgão. Como desde o início de implantação do PEM a população se viu frente a uma constante elevação no custo de vida, a atitude de JK foi saudada com fogos de artifícios e manifestações pela população. Muita gente, inclusive diversas organizações de classe (com o Partido Comunista como destaque), foi ao Palácio do Catete demonstrar seu apoio e solidariedade à atitude do presidente, a maioria das faixas e cartazes que portava, exigindo que as relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética e com a China fossem reatadas.

Nos bastidores, a história do rompimento ganhava outros contornos. O FMI, na realidade, exigiu que Lucas Lopes alterasse, significativamente, o PEM, com o que concordou o ministro. Ele viajou para os Estados Unidos com a proposta de lançamento no câmbio livre de todas as importações brasileiras, ao mesmo tempo em que também propunha um novo esquema de exportação, com a fixação de preços para o café, o item mais importante das exportações brasileiras. Entretanto, o governo JK tinha a consciência de que a liberação das importações no câmbio livre teria, como conseqüência, reflexos ainda maiores no custo de vida; e mesmo concordando, a princípio, com o câmbio livre, ele não permitiria, segundo rumores, a suspensão do câmbio especial para dois itens fundamentais para o país, o trigo e a gasolina.

Pouco após sua volta dos Estados Unidos, Lucas Lopes sofre um infarte (de decepção com o FMI, comentou-se à época) e Juscelino, pessoalmente, toma a frente das negociações com o órgão, enquanto a imprensa de oposição centrava seu fogo contra os resultados da economia brasileira, tentando desacreditá-la. Como acima dito, as medidas impostas ao Brasil para a concessão do crédito stand-by (totalizando, como visto acima, trezentos milhões de dólares) simplesmente manietavam o governo por serem demasiadamente exacerbadas. Dividido, assim, entre duas difíceis opções – submeter o país às condições exigidas pelo FMI (câmbio livre para as importações, incentivos ao comércio exterior e extinção dos subsídios às aquisições de petróleo, trigo, papel e fertilizantes) – ou romper com ele, Juscelino houve por bem dar prosseguimento ao seu programa desenvolvimentista, optando – com o apoio dos militares, inclusive – pela ruptura com o FMI. Pouco depois, Lucas Lopes se exonera do Ministério da Fazenda (três de julho), tendo sido nomeado para aquela pasta Sebastião Pais de Almeida, até então presidente do Banco do Brasil, cargo esse que foi preenchido por Maurício Bicalho. Roberto Campos, aliado de Lucas Lopes no plano de estabilização, logo também é exonerado da presidência do BNDE, cargo que foi ocupado por Lúcio Meira.

O rompimento do acordo com o FMI desagradou sobremaneira a imprensa oposicionista, que considerou como demagógico (e político) o gesto do presidente. Para essa imprensa, o que o órgão queria era simplesmente o cumprimentos do ajuste fiscal e monetário embutido no PEM. Mas, para o povão, o gesto significava que Juscelino estava rompendo com quem o explorava, significando também a independência econômica do país. O que efetivamente acontecia era que Juscelino, comprometido até a alma com o Plano de Metas e com a construção de Brasília pelo que era considerado pela oposição a “via fácil (e altamente irresponsável) das emissões inflacionistas”, não mais podia voltar atrás em seus planos, já que ele teria que se submeter aos controles de gastos exigidos pelo FMI. O rompimento era sua única saída.
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Otávio Gouvêa de Bulhões (1906 - 1990), mais tarde, em depoimento ao CPDOC/FGV, diria sobre esse assunto:
“(...) As objeções de Juscelino eram em relação à interferência do Programa de Estabilização no Plano de Metas e em Brasília. Lucas Lopes e eu nos esforçamos para demonstrar que o disciplinamento orçamentário, o reajustamento de tarifas e a eliminação de subsídios, a rigor fariam com que os investimentos tivessem maior rendimento, porque contidos os preços seria possível se realizar mais obras com o mesmo investimento monetário, ao passo que a aceleração da inflação resultaria na diminuição inevitável do ritmo das obras. A expansão monetária não geraria recursos, apenas aumentaria os preços, podendo retardar os investimentos e, com isso, prejudicar o próprio Plano de Metas.
(...)
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O debate foi frustrante, e logo se
mobilizaram várias forças contra o Plano. O empresariado, por exemplo, se mostrava apreensivo perante o fato de se estabelecer limitações à expansão de créditos. Havia, em segundo lugar, as forças do café, porqu
e se postulava também uma redução no esquema de sustentação dos preços do café. Objeções ideológicas também surgiram, com o argumento de que seria uma submissão ao Fundo Monetário Internacional. Naquela ocasião a hostilidade ao Fundo era já bastante intensa E a quarta dificuldade era a postura de Juscelino de apoio relutante a um programa que durou pouco, como a maioria dos programas de estabilização do Brasil.
A oposição, por seu turno, continuava a fustigar o governo em seu ponto mais sensível, a corrupção. Em junho de 1959, Juscelino foi surpreendido por um novo pedido de CPI contra seu governo. Mais uma vez criada por iniciativa da UDN, a CPI se propunha a apurar atos de corrupção que estariam sendo praticados no Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), dirigido pelo general Amauri Kruel (1901 - 1996). A UDN, centralizando seus ataques em Kruel, mas objetivando atingir a imagem de JK, estava mais assanhada do que nunca. A imprensa de oposição reproduzia os ataques dos parlamentares udenistas, fazendo com que a crise desencadeada pela CPI se tornasse um escândalo político. Os ânimos chegaram a um estágio de tal exacerbação que Kruel, ao se considerar insultado pelo líder da UDN, deputado Geraldo de Meneses Cortes, investiu contra ele, agredindo-o fisicamente. Mais uma vez, o general Lott teve que intervir, solicitando a exoneração de Kruel, prontamente atendida, o que ocasionou a desativação dessa nova CPI.
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As sombras das eleições de 1960, contudo, não só ensejavam ataques por parte da oposição ao governo. Nos bastidores, as intrigas políticas proliferavam à esquerda e à direita. A Frente Parlamentar Nacionalista, com coloração de esquerda, mas não efetivamente dominada pelo Partido Comunista, lança, em julho, a dobradinha Teixeira Lott e Jango Goulart para concorrem à presidência da República pelo PSD, PTB e com o apoio de alguns partidos menores. O PSP – Partido Social Popular, com forte presença em São Paulo, também lança uma candidatura própria, seu cacique e líder populista, Adhemar de Barros (1901 - 1969). A UDN se encontrava dividida em duas posições: Uma defendia o lançamento de uma candidatura própria, encarnada no nome de Juracy Magalhães (1905 - 2001), sendo que fortes rumores davam conta de que Juscelino também chegou a ventilar seu nome para concorrer à presidência), da ala pacífica” da oposição; a outra, comandada por Carlos Lacerda, mais pragmática e agressiva, apostava no apoio do partido ao nome de Jânio Quadros, o único, em sua opinião, capaz de fazer frente à máquina que seria montada pelo governo para apoiar o candidato da situação. A dobradinha PSD/PTB, todavia, estava em frangalhos, a aliança para as eleições, por um fio.

Um dos problemas mais evidentes nessa aliança, que funcionara desde o início da gestão como um coeso bloco de apoio à política econômica de Juscelino, como visto, era o espectro Jânio Quadros, extremamente popular em todo o país devido ao sucesso de suas administrações, tanto na prefeitura municipal da cidade de São Paulo, quanto no governo do estado. O movimento sindical, por exemplo, amplamente dominado por trabalhistas e comunistas, de repente, se viu frente a uma nova corrente em seu seio, as correntes sindicais janistas, que, em pouco tempo de atuação, devido à irresistível força de atração de seu líder populista, começou a atuar com muita determinação por todo o país. Parte considerável dos trabalhadores urbanos, que odiava o que a figura de Lott representava, mesmo com intenção de sagrar nas urnas o nome de Jango, iniciou uma jornada irreversível rumo ao canto de sereia janista. Não demorou muito, e dezenas e dezenas de comitês chamados de “Movimento Jan-Jan” (lançado pelo Movimento de Renovação Sindical, dissidência paulista do trabalhismo liderada por Dante Pellacani, presidente da Federação Nacional dos Gráficos) começaram a brotar por todo o país. As massas viam com naturalidade a eleição de um vice da situação, ao lado de um presidente apoiado pelas forças inimigas. Não percebiam o perigo de tal movimento. No futuro, pagariam caro por isso.

Outro problema para a coligação PSD-PTB foi o surgimento de grupos interpartidários que passaram a ter atuação de destaque no cenário político nacional. Formadas por integrantes de partidos diversos, duas frentes ganharam destaque: a Frente Parlamentar Nacionalista (que já lançara a dobradinha Lott/Jango) e a Ação Democrática Parlamentar. A primeira, criado em 1956, identificada com os interesses nacionalistas, se opunha ao imperialismo e ao capitalismo, defendendo, por um lado a indústria petrolífera e atacando, por outro, a exploração predatória do país, com a exagerada remessa de lucros para o exterior. A segunda frente, a Ação Democrática Parlamentar, criado nesse ano de 1959, sempre foi vista com reservas e suspeição por parte dos nacionalistas. Segundo se sabia, esse grupo, que se compunha da nata do conservadorismo brasileiro, inclusive com denúncias de que era financiado por uma instituição de direita, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD, com suspeitas de ligações com a CIA (o que seria confirmado posteriormente) e que reunia, entre outros a ala “golpista” da UDN - leia-se Carlos Lacerda - (relembrado com saudades, durante o primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva, por Fernando Henrique Cardoso), estava unido na defesa do lançamento de um nome conservador e com fortes potenciais eleitorais, encarnada naquele momento no nome de Jânio Quadros.

Enquanto as revistas ilustradas (principalmente a Manchete, que apoiava a administração juscelinista) produziam dezenas de reportagens sobre o desenvolvimento das obras de Brasília e sobre a construção de hidrelétricas e abertura de estradas por todo o país, nos jornais diários, a partir do segundo semestre desse ano de 1959, o quadro eleitoral toma conta dos noticiários por completo. O nome de Lott, como visto, embora consagrado nas hostes pessedistas, não encontrava o mesmo entusiasmo pelos lados do PTB, hostil ao nome do ministro da Guerra, e que, a essa altura, já fechara posição sobre a candidatura de Jango à vice-presidência da República.

Acontece que Jango, ainda em meados de 1959, se viu diante de uma grave crise que envolvia as relações das duas agremiações situacionistas. Enquanto estava em Genebra como chefe da delegação brasileira à Conferência Internacional do Trabalho, seu cunhado, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, interino na presidência do PTB, foi acusado de tentar promover a desordem no país ao apoiar, junto com o PUI – Pacto de Unidade Intersindical, a deflagração de numerosas greves, paralelamente ao fato de tentar implodir o apoio de seu partido à candidatura Lott, propugnando que o PTB tinha a sagrada missão de lançar ao cargo de presidente do país um nome com história de lutas contra o imperialismo, popular e nacionalista. A imprensa imediatamente identificou o nome do candidato a ser lançado: o próprio Brizola.

Jango Goulart, o cacique maior do trabalhismo, consciente de que o PTB ficaria fragilizado caso levasse à frente uma candidatura do tipo propugnado por Brizola, tão logo regressa ao Brasil, parte para ao Rio Grande do Sul para convencer seu cunhado de que naquele momento, em que as forças conservadoras estavam na iminência de se aglutinar em torno da candidatura populista e perigosa de Jânio Quadros, o melhor para o PTB era ainda cerrar forças com o PSD.

Enquanto isso, muitas manifestações contra a carestia e o custo de vida começaram a ganhar força por todo o país, culminando com uma manifestação – o “Comício do Café” (ou "Comício do Feijão") – ocorrida na Praça da Sé, em São Paulo, encabeçada pelo Pacto de Unidade Intersindical e por diversas organizações de esquerda. O povo não estava mais agüentando tanto aumento nos preços dos produtos de primeira necessidade, criando um clima de contestação não esperado por Juscelino, o qual, como resposta às manifestações populares, divulga uma nota conclamando a população a não dar ouvidos aos agitadores que ameaçavam a democracia brasileira. A nota, saída após reunião ministerial, não identificava os cabeças do movimento “subversivo” que ameaçavam a ordem vigente. Mas a imprensa, imediatamente, daria nomes aos bois: quem subvertia a ordem, querendo implantar no país um clima de confrontos, eram Jango Goulart e seu cunhado, Leonel de Moura Brizola.

Jango, nome temido pela sua força no trabalhismo getulista, mas um político conciliador, quando volta do Rio Grande do Sul, enfrenta a conspiração em torno de seu nome e, para dirimir quaisquer dúvidas sobre o caminho que seu partido iria tomar com relação ao processo eleitoral, ao mesmo tempo em que exige uma nota oficial repudiando as intrigas relacionadas ao seu nome, anuncia espetacularmente que o PTB iria novamente repetir a dobradinha vitoriosa no pleito anterior, ou seja, apoiaria o candidato do PSD e de Juscelino Kubitschek, mostrando-se disposto a verbalizar a favor do processo democrático.

No segundo semestre do ano, os fatos relacionados com o processo eleitoral se tornam mais claro: se em junho o PSP indicara Adhemar de Barros como seu candidato oficial, em julho, o PSD (secundado pelo PTB, com as dissensões dos diretórios estaduais de Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Pará e Santa Catarina; pelo PR da velha raposa mineira Arthur Bernardes, e pela Frente Parlamentar Nacionalista) cerra fileira em torno do nome de Teixeira Lott como seu candidato à presidência da República, tendo Juscelino dado seu apoio público à candidatura já em outubro corrente, mês em que termina uma greve dos Marítimos no Rio de Janeiro que durara muito mais tempo do que o previsto, de dois de outubro a sete de novembro desse ano de 1959. E em novembro, como era esperado por todo o mundo, Jânio Quadros teve o seu nome consagrado como candidato da UDN, vencendo o nome de Juracy Magalhães por 205 votos contra 85. A candidatura do governador de São Paulo teria também o apoio de partidos menores, como o PTN de Romeu Campos Vidal, o PDC, de Antônio Cesarino Júnior e pelo PL – Partido Libertador –, agremiação fundada por Raul Pilla.
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O imprevisível Jânio Quadros, porém, para surpresa de seus apoiadores dentro da UDN, poucos dias após a homologação de seu nome, renuncia à sua candidatura, alegando falta de real apoio das forças oposicionistas, ensejando diversas especulações. Na realidade, as diferenças de opinião sobre a conjuntura política e econômica nacional entre o candidato e o partido eram enormes: sobre a política econômica, por exemplo, Jânio se comprometia a não dar tréguas ao processo inflacionário, ao mesmo tempo em que afirmava que se mostraria inflexível quanto ao saneamento das finanças públicas, teses caras ao udenismo; por outro lado, ele defendia algumas políticas nacionalistas, como lutar pelo fortalecimento da Petrobrás e criar um mecanismo de controle das remessas de lucros para o exterior, promessas mais próximas do programa defendido pelo PTB. Tal renúncia, porém, era jogo de cena e durou pouco; em dezembro, ele novamente era candidatíssimo ao mais elevado posto da República.

Esse fato, assim como a suspeita de uma conspiração de esquerda, a ser liderada por Brizola, desencadeou, em três de dezembro, nova revolta na Aeronáutica. O que acontecia é que o golpismo de setores das Forças Armadas se encontrava apenas em estado de hibernação, muitos não aceitando o governo democrático de Juscelino Kubitschek. A chamada “Revolta de Aragarças” (Goiás), cujas raízes se encontravam lá atrás, em 1957 (luta contra a corrupção e contra o “comunismo ateu” e internacional), contava entre seus líderes com diversos conspiradores da malfadada aventura de Jacareacanga, sobressaindo-se, dentre eles, o tenente-coronel (major) Haroldo Veloso, e de dezenas de outros militares e civis, com destaque também para o tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier (que, mais tarde, durante o regime militar, foi acusado de planejar um ato terrorista contra o gasômetro do Rio de Janeiro) considerado o principal líder da revolta.

Os rebeldes partiram para uma aventura sem a mínima possibilidade de êxito. Alguns partiram do Rio de Janeiro a bordo de apenas três aviões Douglas C-47, secundado por um avião comercial da Panair, o primeiro avião de carreira seqüestrado no país; outros, vindo de Belo Horizonte, contavam somente com um Beechcraft particular. Era impossível para eles qualquer vitória, mas, de qualquer forma, eles rumaram para a base de Aragarças, em Goiás, de onde partiriam para bombardear os palácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, além de ocupar também as bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, dentre outras. Tudo, como já era esperado, deu errado, os rebeldes não conseguindo nem apoio das armas, nem apoio popular. A rebelião ficou restrita à base de Aragarças. Sem apoio dos companheiros de arma, nem da imprensa golpista, os rebeldes não tiveram saída: após 36 horas de rebelião, toda a liderança fugiu para cidades vizinhas do Paraguai, Bolívia e Argentina, retornando ao país após a eleição de Jânio Quadros.

No apagar das luzes de seu penúltimo ano de governo, em dezembro, Juscelino toma duas medidas políticas de impacto: estabelece um acordo comercial direto com a União Soviética para exportar café e couro, paralelamente à criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene.

Criada pela Lei no 3.692, de 15 de dezembro de 1959, a Sudene surgiu como uma resposta do poder público à candente questão da seca nordestina, que assolara o país em 1958, objetivando a promoção e a coordenação do desenvolvimento de todo o Nordeste. Assim, seriam contemplados com ações visando ao desenvolvimento da região os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte de Minas Gerais. Sua criação, na realidade, foi a constatação de que o processo de industrialização levado a cabo por Juscelino beneficiava somente o Sul maravilha, deixando o Nordeste abandonado à sua própria sorte. A intervenção direta na região, através de ações planejadas, era entendida por muitos economistas e estudiosos da questão como a única maneira de tentar suprimir a pobreza reinante na região e para encaminhá-la rumo ao desenvolvimento. Sob a superintendência de Celso Furtado, e consoante a lei que a criou, seriam atribuições da Sudene:

a) estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste;

b) supervisionar, coordenar e controlar a elaboração e execução de projetos a cargo de órgãos federais na região e que se relacionem especificamente com o seu desenvolvimento;

c) executar, diretamente ou mediante convênio, acordo ou contrato, os projetos relativos ao desenvolvimento do Nordeste que lhe foram atribuídos nos termos da legislação em vigor;

d) coordenar programas de assistência técnica, nacional ou estrangeira, ao Nordeste.

O que a Sudene se propunha era dar uma resposta definitiva aos questionamentos da imprensa, que, constantemente, denunciava os escândalos ligados à “indústria da seca”, ou seja, desvios de dinheiro e apadrinhamento de correligionários políticos relacionados com a ajuda do governo Federal à região atingida, seja na criação de frentes de trabalho onde somente esses apadrinhados tinham vez, seja na contratação de trabalhadores fantasmas na construção de estradas vicinais, poços e açudes que somente beneficiavam os coronéis da região. Em síntese, os únicos beneficiados pelos programas assistenciais praticados pelo governo até então eram os grandes latifundiários que, com seu poder político, dominavam, até então, o inoperante Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS. Os pobres estavam abandonados à própria sorte.

Entrevista com Celso Furtado.



Assim, contra a criação da Sudene, uniram-se as forças do atraso, coronéis do sertão nordestino, políticos corruptos ligados aos interesses desses coronéis e os desinformados de sempre. Entretanto, a favor da criação do órgão, estavam unidos empresários industriais progressistas, políticos descompromissados com a indústria da seca, a igreja, principalmente Dom Hélder Câmara, e até mesmo representantes dos interesses do campesinato, sobressaindo-se a figura agora comentada em todo o país, Francisco Julião, o líder das Ligas Camponesas.

Documentário Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde.



 













A Sudene, porém, já nasceu com problemas que a acompanharia desde sempre; Juscelino, na realidade, tinha em mente introduzir na região um “miniprograma de metas”, com ênfase na industrialização e na agricultura irrigada. As palavras de ordem contidas no Primeiro Plano Diretor da Sudene eram siderurgia, políticas de apoio à diversificação das lavouras e à modernização da agricultura, energia elétrica, fortalecimento da indústria têxtil e similares. No entanto, o documento passa ao largo do maior problema da região, a concentração de muita terra nas mãos de poucos latifundiários. A reforma agrária nem é mencionada, o que já possibilitava aventar que o órgão não cumpriria a contento o que era primordial na região, atacar a questão do latifúndio improdutivo e possibilitar que os frutos do desenvolvimento fossem apropriados pelo conjunto da população mais desassistida. Seja como for, a Sudene estava criada; cumpria esperar que a efetivação de suas políticas alterasse para melhor o quadro de indigência que atingia a maior parte da população nordestina.

E assim se passou o ano de 1959. Juscelino terminava seu quarto período de governo um tanto quanto fragilizado; a partir do final de 1959, os setores oposicionistas ganharam mais fôlego. A revista oposicionista Maquis, ligada aos interesses mais conservadores da UDN, fustigava o governo sem dó nem piedade. Além do mais, ao mesmo tempo em que, externamente, JK era pressionado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no campo interno, era responsabilizado até por correligionários pela inflação crescente, decorrente, principalmente, dos gastos com Brasília, pela emissão desmedida de moedas e pela entrada em massa do capital estrangeiro no país. Também, além de enfrentar greves e manifestações populares, Juscelino via impotente que sua base de sustentação política estava em frangalhos, pelo menos com relação ao processo eleitoral que se avizinhava. Liderado por Leonel Brizola, o PTB assumia, cada vez mais, a luta pela melhoria nas condições de vida dos trabalhadores urbanos, propondo também, além da reforma agrária, a extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores rurais, medidas essas com que o PSD, agrário e conservador, absolutamente não concordava. Essa aliança, nesse final de ano, estava mesmo por um fio.

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