20.8.06

A NOVA RAINHA DO RÁDIO

O espetacular sucesso de Dalva de Oliveira em 1950 só poderia levá-la a um caminho: a Rádio Nacional; apesar de todos os problemas conjugais, os filhos internados em um colégio por ordens superiores e a constante boataria sobre sua vida pecaminosa, cheia de amores proibidos, a cantora, mesmo amedrontada com os poderosos fã-clubes de Emilinha e Marlene, que faziam da Rádio Nacional seu ponto de encontro, assina com a PRE 8, já cotada para ser a candidata oficial da emissora para o concurso que elegeria a Rainha do Rádio de 1951, após um intervalo de um ano. Segundo os organizadores, o concurso voltaria com tudo, e a Rádio Nacional iria lançar todo o seu poder de fogo para eleger Dalva de qualquer maneira.
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O medo de Dalva, na verdade, era totalmente infundado; dos fãs de Marlene, não havia necessidade de receios, porquanto a ainda Rainha do Rádio era sua amiga desde os tempos do Cassino da Urca na década de 40; segundo, o problema dos fãs de Emilinha era Marlene e seus seguidores, motivo pelo qual a nova contratada é recebida com festas e mimos por todos. Também, logo, ela própria teria seus fã-clubes, uma vez que sua popularidade crescia a olhos vistos e os fãs organizados não demorariam a aparecer.
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Nesse ínterim, sua carreira musical continua num crescendo; Errei Sim! continuava sua carreira que parecia inesgotável. E Dalva, assim que os lançamentos carnavalescos começaram a ser executados incessantemente pelas rádios como era de costume, foi um dos destaques do carnaval de 1951 com sua música Zum-Zum-Zum (Fernando Lobo/Paulo Soledade).

Dalva de Oliveira interpretando Errei Sim.

















Dalva de Oliveira, a essa altura, já podia viver como estrela; compra uma mansão espetacular em Jacarepaguá, com o quintal abarrotado de animais, alguns exóticos (araras, papagaios, macacos), onde ela recebe seus amigos mais chegados com suculentas macarronadas e apetitosas feijoadas, tudo saboreado à beira de sua piscina.

Tão logo termina o carnaval, as gravadoras começam a colocar no mercado seus lançamentos de meio de ano. Dalva gravara no início do ano duas músicas que, segundo os comentários da imprensa especializada, iriam diretamente para o topo das paradas: o samba-exaltação de Ary Barroso Rio de Janeiro, de um lado, e, de outro, Calúnia, dos mesmos Marino Pinto/Paulo Soledade, que pareciam gostar de por lenha na fogueira. A música logo foi considerada como parte da defesa de Dalva contra seu ex-marido, Herivelto Martins:

"Quiseste ofuscar minha fama
E até jogar-me na lama
Só porque vivo a brilhar.

Sim, mostraste ser invejoso
Viraste até mentiroso
Só para caluniar.

Deixa a calúnia de lado
Se de fato és poeta
Deixa a calúnia de lado
Que a mim não afeta.

Se me ofendes
Tu serás o ofendido
Pois quem com ferro fere
Com ferro será ferido."

Dalva de Oliveira interpretando Calúnia.













Obviamente, havia algo de intencional nessas pelejas, habilmente manipuladas pela indústria cultural, com o intuito de ganhar mais dinheiro. Assim, quando o Trio de Ouro (ainda sem Lourdinha Bitencourt, então mulher de Nelson Gonçalves) lançou Vingança (Lupicínio Rodrigues), grande sucesso de Linda Batista, que parecia (mas não era) feito de encomenda para responder à acusação de suposto caluniador, o público comprador de discos não manifestou maior interesse, demonstrando que já se cansara de tanta lavagem de roupa suja. O sucesso de ambas as músicas foi apenas razoável.

Por outro lado, como sempre acontece no show business, outros grupos e cantores obviamente aproveitaram para também tirarem proveito na famosa polêmica musical entre os dois artistas. Os quatro Ases e Um Coringa, por exemplo, conjunto musical passando por razoáveis índices de popularidade, havia gravado em 1949 no selo Odeon, com enorme êxito popular, a música de Herivelto Cabelos Brancos, tida hoje em dia como o pontapé inicial na famosa querela. Pois, só para aproveitar-se da popularidade da cantora, resolvem regravar nesse ano de 1951, agora pela RCA Victor, a mesma música, que, entretanto, como aconteceu com Calúnia, não repetiu o sucesso da gravação anterior. Mesmo assim, é uma das mais inspiradas músicas da dupla Herivelto Martins/Marino Pinto:


“Não falem dessa mulher perto de mim
Não falem pra não lembrar minha dor
Já fui moço, já gozei a mocidade
Se me lembro dela me dá saudade
Por ela vivo aos trancos e barrancos
Respeitem ao menos meus cabelos brancos.

Ninguém viveu a vida que eu vivi
Ninguém sofreu na vida o que eu sofri
As lágrimas sentidas, os meus sorrisos francos
Refletem-se hoje em dia em meus cabelos brancos
E agora em homenagem ao meu fim
Não falem dessa mulher perto de mim.”


Quatro Ases e Um Coringa interpretando Cabelos Brancos.
















Mas as coisas não pararam por aí; Herivelto também relança, na voz de Francisco Alves, uma de suas mais bonitas canções, Caminhemoscuja letra, na cabeça dos fãs, cabia direitinho na briga do famoso casal:



“Não, eu não posso lembrar que te amei
Não, eu preciso esquecer que sofri
Faça de conta que o tempo passou
E que tudo entre nós terminou
E que a vida não continuou pra nós dois
Caminhemos talvez nos vejamos depois.

Vida comprida, estrada alongada
Parto à procura de alguém, à procura de nada
Vou indo, caminhando sem saber onde chegar
Talvez que na volta, te encontre no mesmo lugar.”

Francisco Alves interpretando Caminhemos.















Dalva, que parecia gostar do jogo, logo lança pela Odeon a música de Vicente Paiva e Jayme Redondo Ave Maria, onde, além de pedir as bênçãos, de forma inusitada, para as “cascatas e as borboletas”, roga também “por nós, os pecadores”. Como ela já havia confessado, anteriormente, que tinha errado, (“Errei sim, manchei o seu nome...”), e nesta se considerava “pecadora”, a imaginação do público não deixava sombra para quaisquer dúvidas. Ela realmente era uma “despudorada”, a “dama do abajur lilás”. A mídia adorava expor essas facetas de Dalva, explorando, avidamente, todos os aspectos da vida particular da estrela.

E para piorar as coisas, problemas na vida particular da cantora continuaram sendo expostos pela imprensa. No mês de abril, por exemplo, aturdidos, seus fãs e o Brasil inteiro ficaram sabendo que ela fora presa dirigindo sem carteira e, mais grave ainda, que tentara subornar o guarda que a flagrou. Conforme reportagem da Revista do Rádio (nº 83, 04 de abril de 1951), a cantora do momento estava visivelmente embriagada, mas logo fora liberada. Casos como esse serviam para manchar sobremaneira a imagem de Dalva, mas, pelo visto, ela estava pouco se importando.


Ave Maria fez bastante sucesso e se tornou, a partir dessa data, um dos carros-chefe de Dalva de Oliveira:

“Ave Maria
Dos seus andores,
Rogai por nós
Os pecadores.

Abençoai estas terras morenas,
Seus rios, seus campos
E as noites serenas,
Abençoai as cascatas
E as borboletas que enfeitam as matas.

Ave Maria,
Cremos em vós,
Virgem Maria
Rogai por nós.

Ouvi as preces, murmúrios de luz
Que aos céus ascendem,
E o vento conduz, conduz a vós,
Virgem Maria
Rogai por nós”.

Dalva de Oliveira interpretando Ave Maria no Morro.

















Enquanto isso, as coisas entre Dalva e seu ex ainda continuavam fervendo; trabalhando com Walter Pinto no espetáculo Noites Cariocas, absoluto sucesso de público, Dalva se vê frente a frente com David Nasser que, naquela noite, fora assisti-la, juntamente com Herivelto Martins, não se sabendo por que motivo, e resolvera cumprimentá-la no camarim. Dalva desprezava o panfletário jornalista, que, algum tempo atrás, no auge da briga com Herivelto, escrevera que, apesar de admirar a cantora, sua vida particular seria um caso de polícia, “um atentado ao pudor”. A estrela não pensa duas vezes; enche de sopapos o temido jornalista e o expulsa de perto dela, acusando-o de se meter em sua vida particular. Após os empurrões e palavrões, Dalva se sente vingada e mais poderosa do que nunca.

E, realmente, Dalva estava em outra; logo no início do ano, garantido pela ABR o novo concurso para eleger, depois de um intervalo de um ano, a nova Rainha do Rádio, Dalva é lançada oficialmente candidata pela Rádio Nacional, conforme já esperado, depois da recusa de Emilinha Borba em concorrer novamente. Também saem candidatas a cantora Safira, da Rádio Tupi do Rio de Janeiro; Isaurinha Garcia, a única cantora paulista a fazer sucesso em níveis nacionais; Araci Costa, uma cantora estreante da Rádio Guanabara; Marilena Alves, da Rádio Globo; e, de novo, Carmélia Alves, a Rainha do Baião. Para o concurso deste ano, a ABR trouxe uma novidade: montou um quartel-general na rua Manoel de Carvalho (próximo da Avenida Rio Branco e do Teatro Municipal), onde as postulantes, os cabos eleitorais e os fãs pudessem se encontrar e adquirir votos para suas candidatas.

Marilena Alves (o quê terá acontecido com essa artista?), da Rádio Globo, amparada por poderoso patrocinador, era tida como a provável ganhadora do certame, saindo na frente e ali permanecendo até quase o final do concurso. Só que, como quase sempre acontece no "show business", faltando poucos minutos para o encerramento da votação, misterioso cheque de um também misterioso admirador da cantora surge de repente e coloca Dalva em primeiro lugar. Desta forma, com 311.553 votos, contra 232.553 dados a Marilena Alves, a Estrela Dalva termina por se eleger Rainha do Rádio, o ápice da glória para todas as cantoras do Brasil.

A festa de coroação de Dalva foi apoteótica, o teatro João Caetano apinhado de indóceis fãs para saudar a nova rainha. De repente, anunciou-se a apresentação do Trio de Ouro. A multidão não perdoa e não permite que o grupo cante, em uma uníssona vaia, somente terminada quando Nelson Gonçalves, passando por altos níveis de popularidade, se chega ao trio e começa a cantar com eles. A massa tinha tomado partido.

Após a coroação, depois que uma emocionada Marlene lhe passa a coroa, o manto e o cetro, Dalva desfila em carro aberto, em seu vestido bordado em ouro e prata, seguida por uma multidão delirante, até sua casa em Jacarepaguá, onde a esperam milhares de pessoas, escolas de samba e blocos carnavalescos.

Era o máximo. Depois disso, somente as estrelas.

Show em comemoração dos 100 anos de Dalva de Oliveira.


6 comentários:

Anônimo disse...

gente nessa época era bom demais meu deus eu acho que vivi nesse tempo porque é uma época que eu adoro pesquisar , ler,pôxa eu acho interessantíssimo essas atitudes delas , acredito eu que essas cantoras devíam ser tidas como mulheres defamadas pois tão novas já vivíam em bares , festas e rádios e pelo que vejo namoravam muito cedo pois casavam muito novas e esse tipo de atitulde era mau visto nessa época. A maioria das cantoras eram de classes baixas será ? Então acho eu que as familías ricas da época não apoiavam essas atitudes peço que o autor do site tire minha dúvida .

Unknown disse...

Boa noite amigos!
Gostaria de paranizar este blog incrivel.
Realmente resgata a história da musica brasileira.

MLopomo disse...

Meu caro anonimo. A coisa era assim mesmo. Havia muito preconceito nos inicio dos anos 1950. A alta sociedade não tolerava artistas e jogadores de futebol no sio de suas familias. Até que um dia uma moça filha de um fazendeiro, se enamorou do artista de cinema Helio Souto e com ele se casou. dai para frente nudou um pouco, mas a hipocrisia ainda continuou por um bom tempo.

Maria Guilhermina Costa Acioli disse...

Estou emocionada por ter descoberto este blog tão especial, afinal ouvi muitas vezes minha mãe (SAFIRA que na época foi a princesa do Rádio junto com DALVA DE OLIVAIRA)contar estas histórias maravilhosas... Que saudade!!!
Parabéns ao autor do blog!
Maria Guilhermina Costa Acioli.

Anônimo disse...

Achei fantástica a idéia deste blog, apesar de jovem curto muito esta época, os artistas, suas carreiras e o fato de terem se tornado inesquecíveis. Para Guilhermina, filha da cantora SAFIRA, deve ter sido um verdadeiro privilégio poder ter curtido essas histórias mais de perto. Parabéns ao blog, por proporcionar essas informações!

Susy Sousa disse...

Parabens! o blog é maravilhoso tem uma incrivel riqueza de detalhes, as fotos são lindas.Gosto muito da Dalva de Oliveira, me apaixonei pela sua historia é linda! Susy Sousa-Recife-pe.