19.8.06

"ÚLTIMA HORA"; GETÚLIO ENCONTRA SEU ESCUDO

Para fugir do calor escaldante que, como hoje, sempre assolava o Rio de Janeiro no verão, era costume dos presidentes brasileiros passarem suas férias nesse período no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Getúlio não foge à regra e, logo após sua triunfal posse, carregado pelas massas, sobe a serra para descansar da campanha longa, nervosa e dramática. Lá, no dia 2 de fevereiro, Getúlio convoca todo seu ministério para a primeira reunião de trabalho desde a posse, e Samuel Wainer também vai para a cidade serrana para cobrir o evento para os Diários Associados. As primeiras diretrizes do governo Vargas seriam anunciadas após a reunião, razão de sua importância. Só que, além de Wainer, somente a Agência Nacional mandara um repórter, ou seja, o povo, ao ler a maioria dos jornais brasileiros dos dias posteriores, jamais saberia que diversas medidas governamentais, que poderiam alterar sua vida para melhor ou para pior, foram tomadas naquele encontro. Wainer contaria mais tarde que, convidado para jantar com o presidente, não só permaneceu em Petrópolis como, a pedido de Getúlio, o acompanhou, após o jantar, à Sala dos Despachos, onde o presidente costumava ter suas reuniões reservadas.

Getúlio Vargas - Breve documentário.












Em retrospectiva, durante a campanha presidencial, à exceção do jornalista associado, ninguém cobrira a agenda de Getúlio a contento, enquanto Eduardo Gomes, o candidato udenista apoiado pela grande imprensa, era acompanhado por multidões de fotógrafos e repórteres. Nesse dia, Wainer chamara a atenção de Getúlio sobre tal descaso e, na conversa reservada, relembrou-o de que a imprensa brasileira tinha um violento poder de manipular a opinião pública e que enfrentá-la não seria nada fácil. Nada dizer ou nada informar significava para as massas que nada acontecia. Perguntado por Getúlio se tinha reparado na ausência da imprensa, Wainer o preveniu de que, para a imprensa antigetulista, somente as notícias ruins e negativas encontrariam eco em seus jornais, tática comum do monopólio conservador.

Getúlio, ainda segundo Wainer, andando de um lado para o outro, virou-se então para o jornalista, perguntando-lhe de supetão por que ele não fazia um jornal, possuísse seu próprio periódico. Wainer lhe responde que este era seu grande sonho, e montar uma publicação para defender um presidente com perfil de autêntico líder popular não seria tarefa muito difícil. Getúlio, então, o instara a fazê-lo, ao mesmo tempo em que lhe pede para procurar Alzira Vargas, sua filha e confidente, para tratar dos detalhes. Alzira, obviamente, aprova a idéia, deixando claro, entretanto, que os recursos teriam que ser obtidos pelo próprio jornalista.


Em março, Wainer, "casualmente", se encontra com o diplomata José Jobim, contando-lhe sobre seu projeto, sua obsessão de longa data. Jobim o enche de esperanças, quando lhe informa que o Diário Carioca, ferozmente antigetulista, mas um jornal de prestígio, que contribuíra enormemente para a renovação da imprensa brasileira, estava com as finanças abaladas, devendo ao Banco do Brasil e com suas máquinas hipotecadas à Caixa Econômica Federal. Imediatamente, Wainer procura Horácio de Carvalho, o homem forte do jornal naquele momento, que se mostra disposto a vender não o jornal, mas sua parte gráfica. Era, na verdade, o que Samuel queria. Para tal, teria que assumir as dívidas do jornal com as duas instituições bancárias, pagar uma determinada quantia em dinheiro, além de ter que imprimir por dois anos o referido jornal. A transação total alcançaria o montante de 64.000 contos; e deste total, 22.000 deveriam ser pagos em 15 anos.

Para assumir o controle da "Érica" - nome da empresa controladora da gráfica -, Wainer, de cara, precisaria de 30.000 cruzeiros, quantia razoável para a época, além de ter que contornar a firme oposição ao projeto de Amaral Peixoto, genro de Getúlio. Mas a grana é obtida com alguns milionários próximos a Getúlio, o banqueiro Walter Moreira Salles (pai do futuro cineasta Walter Salles, de Central do Brasil) Euvaldo Lodi, poderoso industrial paulista e Ricardo Jafet, do Banco do Brasil.

Fechado o negócio com o Diário Carioca, faltava o dinheiro para a elaboração do jornal propriamente dito. Porém, Samuel tinha o faro do dinheiro. Os recursos foram obtidos com um jovem e ambicioso político mineiro, que crescia na cena política brasileira, Juscelino Kubitschek. Já Governador de Minas Gerais, Juscelino considerou factível o projeto de Wainer, mostrando-se disposto a ajudá-lo. A quantia pedida, 3.000 contos de réis, logo lhe foram disponibilizados por três bancos ligados ao governo mineiro. O caráter político da transação era evidente, porquanto, nem Wainer, nem seu avalista (Medeiros Lima), tinham condições para honrar compromisso tão elevado.

Juntando a importância conseguida em Minas com mais 8.000 contos (12.000, segundo o historiador Hélio Silva), referentes a contratos de publicidade fechados com a Antarctica e com o SESI, Wainer já possui a quantia suficiente para a sobrevivência do jornal por alguns meses.

Assim que se desliga dos Diários Associados, em março de 51, num processo doloroso que deixou sequelas por um longo período, Wainer começa a tramar a melhor maneira de se cercar e cercar seu jornal contra os poderosos interesses que se uniriam contra seu intento, visando, com isso, a neutralizar as prováveis hostilidades de parte da burguesia, por princípios contrária a Getúlio. A saída, com o beneplácito do presidente, seria convidar pessoas da aristocracia financeira e social para integrarem a direção da empresa.

Com efeito, logo nomes famosos nas altas rodas sociais são convidados, aceitando, para ocuparem vários cargos no UH S.A, denominação comercial do novo empreendimento jornalístico. Wainer cria então várias vice-presidências que logo seriam ocupadas por nomes de peso, Luís Fernando Bocaiúva Cunha, o Baby Bocaiúva, Carlos Holanda Moreira, Armando Dault de Oliveira e o Padre Antônio Dutra, que militava na política mineira. O cinturão social estava formado.

O núcleo central da equipe fica constituído em fins de março; Otávio Malta seria o homem forte do jornal, voz e ouvido de Samuel Wainer; também fariam parte desse núcleo João Etcheverry, Nabor Caires de Brito, Edmar Morel, Augusto Rodrigues, considerado por Wainer o melhor chargista do Brasil e o diagramador paraguaio Andrés Guevara, que revolucionara anos antes a imprensa argentina. Com esses cobras, Wainer estava pronto para colocar seu time no campo.

O nome do jornal - Última Hora - já estava resolvido na cabeça de Wainer. Só que o título, depois de rodar de mãos em mãos, fora registrado pelo Embaixador Abelardo Rojas em seu nome. Tomando conhecimento desse fato, Wainer envia Baby Bocaiúva e sua cara de estudante secundário até o Embaixador, com a missão de conseguir o título de qualquer maneira. Usando o subterfúgio de que o título seria usado para uma publicação estudantil, Baby então o consegue, e por um preço quase simbólico. Tal ato rendeu, posteriormente, alguns problemas para Wainer, mas nada que impedisse que seu projeto prosperasse.

Daí pra frente seria a batalha para dar forma ao jornal. Guevara logo desenha o logotipo, decidindo que as letras seriam azuis, uma novidade na imprensa brasileira. O célebre slogan "Um jornal vibrante, uma arma do povo" foi sugerido por Etcheverry; Augusto Rodrigues propôs o título "Na Hora H" para uma determinada seção do jornal, ganhando, com isso, um prêmio instituído por Wainer. Assim, aos poucos, o jornal vai ganhando forma.

Um problema inesperado foi a recusa de vários jornalistas pesos pesados de trabalharem para o jornal, devido à sua linha editorial que, fatalmente, seria favorável a Getúlio. Tal recusa, porém, propiciou a contratação de jovens jornalistas e nomes conhecidos, pontuando Pinheiro Júnior, Adalgiza Néri, Paulo Francis, Sérgio Porto e outros. Assim, em junho/51, a equipe está completa: Nabor Caires de Brito, comunista histórico, ficou com a secretaria da redação; para a chefia da redação (ou quase isso), contratou-se Paulo Silveira, irmão do lendário Joel Silveira; Toda a família Rodrigues também é contratada. Inclusive Nelson Rodrigues.

Faltava definir a linha editorial do novo jornal, facilmente resolvido por Wainer. Como seria de esperar, seria um periódico político totalmente favorável a Getúlio, não abrindo mão, porém, de críticas pontuais a membros do governo. Todos sabiam que vários parentes do presidente eram acionistas da empresa, sendo que o Embaixador brasileiro em Washington, Carlos Martins Pereira de Souza, era o presidente da "Érica".

João Etcheverry, com o pomposo cargo de superintendente do jornal, fica encarregado de chefiar a campanha de divulgação do lançamento do novo jornal: faz de tudo para tornar o nome "Ultima Hora" conhecido no grosso da população. Dentre suas proezas, consegue colocar no topo de um dos edifícios mais altos do Flamengo uma faixa, vista por toda a população do Rio de Janeiro, com os dizeres: Última Hora. Consegue também, junto à classe artística, que, em todos os espetáculos em cartaz, se anunciasse o surgimento do novo jornal. Com tudo isso, o jornal já era comentado por todo o Rio de Janeiro bem antes de seu lançamento.

A 12 de junho de 1951, o jornal, com uma carta de Getúlio Vargas estampada na primeira página, evidenciando desde o primeiro número que ali o presidente teria uma trincheira contra seus inimigos, estava finalmente nas mãos da população. Apesar de ter que distribuir o primeiro número do jornal gratuitamente na saída do Maracanã, conquanto a equipe nãoconseguira imprimir o jornal a tempo e hora para chegar às bancas (a edição fora fechada às 20 h), o sonho se tornava realidade. A partir daí, Getúlio teria sua tribuna.

Só que esta versão da criação do jornal não seria aceita por muita gente, principalmente da oposição, fato que ainda traria muitos problemas para Samuel Wainer. Muitos problemas mesmo.

Um comentário:

Leonardo Britto disse...
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