4.8.06

"EU VOLTAREI"

A histórica entrevista de Getúlio Vargas, concedida ao jornalista dos Diários Associados Samuel Wainer, em pleno carnaval de 1949, já nasceu controvertível. Existem contradições entre as várias versões do famoso encontro entre os dois, encontro esse em que Getúlio Vargas se disse disposto a voltar ao poder, entrevista que proporcionou fama eterna ao atrevido jornalista.

Segundo a versão de Samuel, Assis Chateaubriand, o magnata da imprensa e dono dos Diários Associados, o grupo de comunicação mais poderoso do Brasil, lhe incumbira de realizar no Rio Grande do Sul algumas matérias de interesse para O Cruzeiro, a revista mais lida no país, principalmente, sobre a impossibilidade de se plantar trigo no Brasil. Realizado o trabalho (com resultado oposto ao esperado por Chatô), estava ele em Bagé já se preparando para voltar para Porto Alegre, quando o piloto que o levara a seu destino lhe confidenciou que ia freqüentemente à fazenda de Vargas em São Borja. Naquele momento, Wainer teria vislumbrado a possibilidade de realizar uma entrevista com Getúlio Vargas; a volta do antigo ditador era solicitada por milhares de brasileiros, e o repórter via ali sua grande chance de conseguir, no mínimo, algumas palavras do “Velho”, um formidável furo de reportagem. Getúlio estava em sua fazenda desde 1947 – depois de ser eleito, nas eleições de 1945, senador por dois estados e deputado federal por outros sete –, convencido de que o Congresso Nacional armava uma campanha para desmoralizá-lo. Mas, sua volta ao poder nessa jovem democracia era considerada por amigos e inimigos irreversível, e uma entrevista com ele poderia se constituir no máximo para qualquer jornalista.
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Antes, porém, de continuarmos essa história, e para melhor compreendermos esse momento fundamental e crucial da vida política brasileira, deveríamos voltar um pouco no tempo: veríamos então um país politicamente oposto deste Brasil de 49, um país que sofrera, ao longo do período, transformações profundas e perturbadoras.

Poderíamos, por exemplo, retroceder para o início da década de 40. Getúlio Vargas, homem forte do país desde a revolução de 1930, após se consolidar no poder através de um golpe (ou como querem alguns um “autogolpe”), desfechado três anos antes (em novembro de 1937), golpe esse que instalaria a ditadura do Estado Novo, está firmemente instalado no Palácio do Catete, mais forte do que nunca, sólido como uma rocha.

Vídeo em homenagem a Getúlio Vargas.



A implantação
do Estado Novo foi a culminância de uma série de fatos e fatores, verdadeiros ou não, que permitiu a Getúlio exercer seus poderes de forma plena e absoluta. E que fatos e fatores foram esses, que, à revelia do povo, permitiram que surgisse no cenário político brasileiro uma ditadura de cunho autoritário, que deixou, desde então, marcas profundas na história do Brasil?

Na verdade, 1937 já começara quente. Como estavam previstas eleições para janeiro de 1938, as movimentações e intrigas políticas tomaram conta do país. Armando Sales Oliveira é lançado candidato à presidência pelos paulistas, representados pelo Partido Constitucionalista de São Paulo. O Partido Integralista - de extrema direita, criado à imagem e semelhança do fascismo italiano - lança seu líder supremo, Plínio Salgado, pensador católico conservador e partícipe do movimento modernista. O grupo que gravita em torno de Getúlio articula o lançamento do cearense José Américo de Almeida, político e escritor famoso, célebre pela autoria de A Bagaceira, um dos romances fundamentais da literatura brasileira.

Plínio Salgado, líder do Partido Integralista, o fascismo a la brasileira.

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Em surdina, contudo, forças do getulismo, com o óbvio beneplácito do chefe, conspiram contra as eleições. Não bastasse a formação da União Democrática Brasileira por políticos de cunho liberal (Artur Bernardes, Otávio Mangabeira, Flores da Cunha e outros), inimigos mortais do getulismo, e partidos políticos, tais como o Partido Constitucionalista, ainda havia os integralistas com quem Getúlio mantinha uma relação ambígua, e que, em junho de 37, dão uma demonstração de força, promovendo um gigantesco desfile de seus simpatizantes - cerca de 30.000 pessoas - ao longo da Avenida Rio Branco.

Marcha integralista no Rio de Janeiro.



O pior, porém, ainda estava por vir; forjado no Estado Maior do Exército pelo então capitão, Olímpio Mourão Filho, integralista convicto (e que se tornaria célebre 27 anos depois, ao ser um expoente do golpe militar de 1964, que derrubou o governo democrático de João Goulart), o “Plano Cohen” foi a oportunidade que Getúlio esperava para dar o bote. E em que consistia esse famoso “Plano Cohen”?

O Integralismo Brasileiro.



Chamado de “Documento Cohen”, o plano terrorista, supostamente elaborado pelos comunistas, consistia em uma mudança de rumo nas lutas populares, abolindo a violência (devido, principalmente, ao fracasso da tentativa de golpe efetuado pelo Partido Comunista em 1935 - a famosa “Intentona Comunista” - e que ocasionara uma furiosa reação militar, com muitas torturas, mortes, deportações e exílios), que deveria ser utilizada somente se estritamente necessário. No plano, recomendava-se aos comunistas se infiltrarem nas correntes políticas apoiadoras de José Américo e de Armando Sales. Além do mais, o plano discorria sobre um “putsch”, visando a paralisar totalmente a cidade do Rio de Janeiro, que, incendiada e entregue ao caos e à ba
derna, ficaria à mercê dos revolucionários comunistas. Era a oportunidade que a direita assanhada esperava; assim que a “Hora do Brasil” noticiou a nova tentativa de os comunistas sovietizarem o Brasil, a grande maioria das forças reacionárias tupiniquins se uniu em torno de Getúlio, principalmente o clero, o empresariado, os setores agrícolas e intelectuais. Plínio Salgado não perde tempo; organiza seus milhares de adeptos e, a 1.º de novembro desse ano, promove um grande desfile de apoio a Getúlio no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que retira sua candidatura à presidência. Getúlio, assim que descoberto o suposto plano subversivo, apoiado (e forçado) por Eurico Gaspar Dutra, simpatizante do nazismo, e pelo General Góis Monteiro, obriga o congresso a decretar o Estado de Guerra, suspendendo, assim, todas as garantias constitucionais.

Aprendendo com a História do Brasil.



Dessa forma, a 10 de novembro, a pretexto de coibir a violência desencadeada pelo processo eleitoral, aproveitando-se também do ensejo para dar um basta ao movimento integralista, que se tornava perigoso com o passar do tempo e, principalmente, para esconjurar o “perigo comunista”, que continuava a assombrar os militares desde 1935, as tropas getulistas cercam o Congres
so que é imediatamente dissolvido. Getúlio, então, anuncia a implantação do Estado Novo, essencialmente um governo autoritário e centralizador. Era a ditadura.

Apesar de tornar ilegal a Partido Integralista, a quem havia facilitado o proselitismo, Getúlio, praticamente, adota boa parte de sua ideologia e programa. Assim, autorga uma nova constituição - a “Polaca” -, de inspiração fascista, que possibilita ao novo regime governar com poderes totalitários, tornando-o apto a por um freio nos anseios da direita e da esquerda, mais desta última, obviamente.

Por essa nova Carta, o getulismo abocanha poderes legislativos e executivos, permitindo-lhe demitir funcionários, reformar e afastar militares suspeitos, ordenar prisões e exílios e instituir a censura dos meios de comunicação, tudo isso, à revelia do poder judiciário, uma vez que tais atos seriam realizados em nome dos famosos “interesses nacionais”. Isso tudo até o fim da segunda guerra mundial.

Estado Novo - Cremação das Bandeiras Estaduais.



Com a v
itória dos aliados em 1945, contando com a ativa participação de tropas brasileiras, único país latino-americano a declarar guerra ao eixo e a enviar tropas para lutar ao lado dos aliados, a situação de Getúlio Vargas fica insustentável, porquanto sua base de apoio desaparecera com o fim da guerra. Um pouco antes, em 1943, fora divulgado o famoso “Manifesto aos Mineiros” (ficando mais conhecido como "Manifesto dos Mineiros") que pedia a redemocratização do país, fato que, segundo Getúlio, somente aconteceria com o fim da guerra. Todavia, mesmo antes de a guerra terminar, com a vitória dos aliados dos quais o Brasil fizera parte, Getúlio já se antecipava aos anseios da elite intelectual, política e financeira, introduzindo diversas modificações na política brasileira. Assim, foi permitida a reforma da Constituição, que marcaria eleições diretas em todos os níveis, o que possibilitaria a criação de diversos partidos políticos, além da decretação da anistia para todos os presos políticos (11 de abril de 1945). Getúlio, porém, procurava manter as estruturas básicas do Estado Novo. Em maio de 1945 (quatro meses antes do término da guerra, portanto), decreta o novo Código Eleitoral Brasileiro, a famosa “Lei Agamenon”.


Por essa lei, foi dada a permissão para a formação de partidos políticos e se regulamentava o processo eleitoral, cujas novidades seriam as eleições diretas e o voto secreto. Só que esse novo código fora concebido, segundo as oposições, para legitimar as forças situacionistas, pois dificultava, sobremaneira, a sobrevivência dos partidos de oposição, garantindo, ao mesmo tempo, a eleição dos candidatos oficiais. Apesar dos choros e gritarias, baseado, então, no novo código, Getúlio é a eminência parda da criação de dois partidos políticos situacionistas, o PSD e o PTB, o primeiro dominado por antigos interventores advindos do Estado Novo e poderoso nos grotões do país, e o segundo, por lideranças forjadas no movimento sindical e totalmente identificadas e dominadas pelo getulismo. As forças de oposição, representadas pela pequena burguesia das grandes cidades, por importantes parcelas da população do interior, ligadas, basicamente, à burguesia agrária, associadas ao grande capital, também criam, em abril de 1945, seu partido, a União Democrática Nacional – UDN, que ficaria famosa na história da política brasileira como a eterna golpista, por sempre almejar o poder nem que fosse através de golpes militares.

Getúlio, porém, tinha a pretensão de permanecer no poder, mesmo tendo lançado para sucedê-lo, em uma eventual eleição, seu ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Luís Carlos Prestes, o mítico líder do Partido Comunista, preso desde a tentativa de golpe de 1935, que fora beneficiado pela anistia, mesmo tendo ficado preso por anos, e ter sua mulher, Olga Benário, deportada para a Alemanha pela polícia getulista (morrendo, pouco depois em um campo de concentração), lança, segundo ele por interesses nacionais muito maiores do que sua história particular, uma campanha de massas para a permanência de Getúlio no poder, cujo slogan era “Constituinte com Getúlio”, ou seja, o que os comunistas brasileiros queriam, nesse momento histórico, eram “(…) a ordem… a tranqüilidade.


Também, o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro -, reforçado por líderes sindicais e pela força do Ministério do Trabalho, lança o movimento “queremista”, que também significava a permanência de Getúlio no poder. As forças oposicionistas logo percebem que Vargas não planejava deixar o Palácio do Catete, assim, sem mais, nem menos. E logo também começam a
preparar um golpe de Estado.

Aproveitando a nomeação de Benjamim Vargas para a chefatura da polícia do Rio de Janeiro, os militares, agora “paladinos da democracia”, que haviam lutado contra as forças da opressão na Europa, não estando dispostos a avalizar mais uma “aventura getulista”, em rápida ação, depõem o ditador no dia 29 de outubro de 1945. As forças do capitalismo internacional estariam, segundo Getúlio, por detrás do golpe, aliás, como sempre. Em um comício do PTB em Porto Alegre, em novembro de 1946, ele deu sua versão do golpe:

“Fui vítima dos agentes da finança internacional, que pretendem manter o nosso País na situação de simples colônia, exportadora de matérias-primas e compradora de mercadorias industrializadas no exterior. Os empreiteiros desses agentes colonizadores, os advogados administrativos e representantes de tais empresas, por elas estipendiadas, blasonando independência e clamando por liberdade, adulteraram sistematicamente a verdade, criando um falso ambiente que contaminou certas classes ou setores sociais.

(…)

Não podem perdoar-me os usufrutuários e defensores de trustes e monopólios que meu governo houvesse arrancado das mãos de um sindicato estrangeiro, para restituí-lo, sem ônus, ao patrimônio nacional, a Vale do Rio Doce, com o pico de Itabira, contendo uma das maiores jazidas de ferro do mundo. Tampouco me perdoariam os agentes de finanças estrangeiras a nacionalização das outras jazidas minerais do nosso rico subsolo e das quedas d’águas geradoras de força, o uso obrigatório do carvão nacional, as fábricas de alumínio e de celulose e a construção de Volta Redonda. Era contra os interesses da finança internacional a industrialização progressiva e rápida do Brasil.”

Estava aberto, assim, o caminho para a experiência democrática, com as eleições garantidas para dois de dezembro desse mesmo ano.

Dos 12 partidos criados para participar do processo eleitoral, somente 4 conseguem visibilidade perante o eleitor: o PTB, a UDN, o PSD e o PCB – Partido Comunista do Brasil. O PTB e o PSD se unem em torno de Eurico Gaspar Dutra, candidato apoiado por Getúlio e pelas forças oriundas do Estado Novo. A UDN lança o Brigadeiro Eduardo Gomes, cujo nome para essa disputa fora lançado muito tempo antes (fevereiro de 1945), antes mesmo da criação da própria UDN, em famosa entrevista concedida ao jornal O Globo, pelo escritor e político José Américo de Almeida. O PCB lança Yedo Fiúza, concentrando forças, porém, na candidatura de Luís Carlos Prestes para o senado.

Encerrada a eleição, Dutra se elege presidente da República, com os 2.528.169 votos do PSD (elegendo 151 deputados federais e 26 senadores), somados aos 603.500 votos (22 deputados federais e 2 senadores) obtidos pelo PTB. O PCB, a grande surpresa da eleição, obtém 511.112 votos, elegendo 14 deputados federais e 1 senador, exatamente Prestes, que, logo também, estaria apoiando Dutra, o que não impediu que todos tivessem seus mandatos extintos em maio de 1947, jogando o partido, mais uma vez, para a clandestinidade. A UDN, com seus 1.574.241 votos (87 parlamentares) foi a grande perdedora, não deixando, porém, de eleger vozes poderosas, muitas delas simples marionetes dos interesses dos grandes grupos financeiros nacionais (obviamente em conluio com o capital estrangeiro), tais como Magalhães Pinto, Pedro Aleixo, Clemente Mariani e representantes da grande imprensa, Herbert Moses, Paulo Bittencourt etc.

Em síntese, da deposição de Getúlio até 1949, o Brasil entra numa roda viva: primeiramente aconteceu a convocação e instalação da Assembléia Nacional Constituinte por José Linhares, presidente postiço nesse período após a derrubada de Vargas, tendo este sido eleito, de forma espetacular, senador por dois estados: Rio Grande do Sul, na legenda do Partido Social Democrático (PSD), e São Paulo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Como na época era permitido, por esta última legenda, o antigo caudilho foi também eleito representante na Câmara dos Deputados por sete estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Paraná, assumindo, contudo, seu mandato no Senado como representante do Rio Grande do Sul, sua mais importante base política.

Depois vieram a proibição dos jogos, com o consequente fechamento dos cassinos (1946), uma violenta campanha dos meios de comunicação conservadores, exigindo punição para quem chamavam de “os criminosos políticos do Estado Novo” (1946), greves pipocando por todos os lados, com grande quebra de ônibus em São Paulo (com o beneplácito de Adhemar de Barros), promulgação da Constituinte (set./46), radicalização à esquerda do Partido Comunista (1947), cassação do registro do PCB no rastro da guerra fria e, após uma série de reportagens anticomunistas na imprensa brasileira (1947), o rompimento de relações com a União Soviética, com a posterior cassação dos deputados comunistas (o projeto de cassação foi aprovado por 179 votos a favor e 74 contra, em 10.01.1948) e o fortalecimento da UDN nas eleições de 47, quando esta então elege sete governadores.



O fortalecimento da UDN redireciona as forças políticas em conflito.



De certa forma, com algum relacionamento com a cassação do registro do PCB, a UDN se aproxima cada vez mais do governo Dutra, em detrimento do PTB. Desta forma, a base de apoio de Dutra agora está formada pela dobradinha PSD/UDN e contando ainda com a colaboração de partidos menores como o PR. 

Como consequência imediata dessa aliança, o governo Dutra, até então, aos trancos e barrancos, governando, de certa forma, sob a orientação do getulismo, restabelece uma política de cunho liberal, objetivando a retirada do Estado da economia (além de se tornar cada vez mais um governo autoritário, cujo resultado mais aparente foi o que se cognominou de "Chacina de Tupã", em São Paulo, onde membros do PCB foram massacrados). É o alinhamento irrestrito com os EUA, o que é admirável, face às inclinações germanófilas do antigo ministro da Guerra de Getúlio Vargas. Entretanto, ao tentar se livrar de um Estado intervencionista e poderoso, Dutra adota uma política de livre importação de bens manufaturados, usando, para isso, as reservas acumuladas durante a guerra. Além do mais, não concede qualquer reajuste do salário mínimo, apesar da constante elevação dos preços de gêneros de primeira necessidade. O desastre é total.

Igualmente, ao invés de adquirir máquinas e equipamentos modernos para tornar o parque industrial brasileiro competitivo no mercado internacional, o governo importa produtos de consumo supérfluo e de luxo. Adquire, isso sim, empresas ferroviárias da Inglaterra aqui instaladas, cujo material é antigo e desgastado. E só com a importação de carros no biênio 47/48, foram gastos cerca de 250 milhões de dólares. As reservas de ouro baixam violentamente. Em três anos, elas diminuem de 322.505.472.144 quilos para 281.569.564.200. Como resultado de toda essa política liberal, de abertura aos interesses dos grandes grupos internacionais, o país entra em um período de estagnação econômica e desemprego, não obstante uma inflação razoavelmente baixa, fazendo com que a oposição se aglutinasse contra essa abertura despudorada da nação, que propiciava a dissipação das reservas nacionais.

O governo Dutra tenta reagir ao desastre que se avizinhava; atravessando uma grave crise no balanço de pagamentos, déficit orçamentário de vulto e com alguns setores, principalmente energia e transporte, em vias de estrangulamento, mormente no caso de um crescimento mais significativo nos próximos anos, o governo tem a esperança de também ser contemplado com uma ajuda econômica por parte dos Estados Unidos, que, àquela altura, havia implementado o Plano Marshall, de ajuda aos países europeus devastados pela guerra. Obviamente, o Brasil também esperava ajuda semelhante, já que, além de escancarar as portas do país para o capital norte-americano, fora um aliado incondicional dos ianques durante o conflito mundial.

Nesse contexto, o governo Dutra propõe aos Estados Unidos que se formasse uma equipe mista de alto nível técnico para preparar um diagnóstico sobre a economia brasileira. Logo um plano, objetivando coordenar todos os planos federais e regionais até então elaborados, sem sucesso, diga-se de passagem, para alterar a caótica situação em que se encontravam os setores da Saúde, Alimentação, Transporte e Energia (SALTE), é elaborado pelo DASP e serve de subsídio para que o presidente Dutra envie ao Congresso uma mensagem, que, em síntese, propunha mais um plano para o desenvolvimento nacional, cujos recursos deveriam advir do orçamento federal e de empréstimos de organismos nacionais e internacionais. Tal proposta, a partir daí, conhecida como Plano SALTE – “um programa governamental de despesas e investimentos para os exercícios de 1949 a 1953” -, após ser analisada por uma comissão interpartidária é aprovada no apagar das luzes do governo Dutra, em maio de 1950.

Tanto a esquerda quanto a direita, entretanto, criticam o plano; os liberais, atrelados aos Estados Unidos, viam no plano mais uma porta que se abria para que o Estado avançasse sobre as áreas de atuação da iniciativa privada. Por outro lado, o setor tido como de esquerda, os planejadores, percebiam um plano incoerente e descoordenado, que nunca resolveria os problemas que impediam o real desenvolvimento do país. O plano, obviamente, fracassou.

Em paralelo, em junho de 1949, foi divulgado o relatório da famosa Missão Abbink, uma das várias missões formadas pelos Estados Unidos para acompanhar o estado das finanças públicas brasileiras, em nome de seus (deles) interesses. A missão aportou no Brasil em 1948, composta por empresários e técnicos ianques, que, juntamente com seus pares brasileiros (Rômulo de Almeida, Otávio Gouveia de Bulhões, Euvaldo Lodi e outros), formam a Comissão Técnica Brasil - Estados Unidos e começam a analisar o estado da economia brasileira para traçar um plano para, como sempre, salvá-la da bancarrota, aliás, como sempre também, elaborado sob as bênçãos dos mesmos interesses, e com os mesmos resultados de sempre.

O relatório foi curto e grosso: o Estado brasileiro estava agonizante, passando por extremas dificuldades; recomendava a adoção de medidas ortodoxas (semelhantes àquelas que seriam, bem mais tarde, postas em prática pelo sociólogo-presidente Fernando Henrique Cardoso) para equacioná-las, coerente com o pensamento de Otávio Gouveia de Bulhões, do grupo denominado “americanófilo” e “entreguista”. Os remédios propostos foram tão amargos (sendo a limitação da intervenção do Estado na economia brasileira, uma dos principais), que até entidades representativas dos empresários brasileiros criticam a possibilidade de sua adoção. Contudo, apesar dos pesares, além de abrir o debate sobre que política desenvolvimentista seria mais factível de ser implementada no país, o relatório foi considerado por alguns economistas razoavelmente inovador por ser a primeira real tentativa de formulação de uma política macroeconômica para o Brasil, não obstante, ideologicamente, ser um plano de submissão total aos interesses dos Estados Unidos.

Sob esse pano de fundo, é que, nesse ano de 1949, Samuel Wainer está pronto para realizar a entrevista de sua vida. Segundo ele, Vargas o recebera cordialmente, tiraram fotos e conversaram por cerca de 45 minutos. Na entrevista, um petardo que nem em seus sonhos ele ousaria pensar em receber, e que se transformaria no fato político mais comentado do ano, com repercussão até no exterior. Perguntado pelo repórter se planejava voltar à cena política nas próximas eleições, Vargas lhe responde mansamente. Sua resposta apareceria em letras garrafais nas primeiras páginas de O Jornal e dos demais jornais dos Diários Associados: “Sim, eu voltarei. Não como líder político, mas como líder de massas”.

Rivadávia de Souza, assessor de imprensa do segundo governo Vargas, discorda desta versão de Samuel Wainer, tachando-a de fantasiosa. Conforme ele, a entrevista de Wainer nada significou para Getúlio em termos de sua volta ao poder. A entrevista teria sido uma de tantas matérias sobre o assunto, várias vezes ventiladas na imprensa, especialmente no Diário do Povo, de Porto Alegre. A verdade seria outra. Quem teria rompido a resistência de Getúlio em candidatar-se à sucessão de Dutra foi um grupo do PTB de São Paulo, à frente, o deputado petebista Frota Moreira. Este, como porta-voz de seus companheiros trabalhistas presentes no reduto de Getúlio, ter-lhe-ia comunicado que, pouco antes, os companheiros de São Paulo haviam-no lançado como candidato do partido à presidência da República. Apesar dos protestos de Getúlio, os políticos paulistas retornaram da visita convictos de que ele acabaria por aceitar a indicação. Samuel, assim, teria, na realidade, divulgado um segredo de polichinelo.

Uma terceira versão, a do próprio patrão, Assis Chateaubriand, põe mais lenha na fogueira das vaidades, e desmente o fogoso jornalista. Em artigo assinado no O Cruzeiro – e publicado com o título “Uma História Mal Contada” -, ele relata que fora ele mesmo quem havia designado o repórter, não para a reportagem sobre o trigo, mas, sim, com a missão precisa de entrevistar o antigo ditador, seu afeto e desafeto por tantos anos. A história do trigo seria só para despistar. Na verdade, segundo o artigo, Getúlio relutava em receber o jornalista por considerá-lo comunista desde os tempos do Estado Novo. Salgado Filho, a pedido de Chatô, tê-lo-ia convencido da oportunidade de receber o repórter das Associadas. Desta forma, nada teria feito Samuel Wainer a não ser seguir as ordens de seus patrões e realizar a bombástica entrevista, que pavimentaria a triunfal volta de Getúlio ao poder.

Agora, como líder de massas.

7 comentários:

Unknown disse...

Parabéns
Muito bom
felicidades zé
Você merece
um abração
precisando to aqui
meu email é joaoluizsad@yahoo.com.br
meu msn e jlpsad@hotmail.com
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valeu
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Arauto disse...

Nossa Senhora, que Blog incrível! Meus parabéns, Mestre Zé, vc é fantástico; que trabalho bonito! Vou espalhar esta incrível página na Internet, sem parar. Meu nome é Henry Marinho,eu.hm@hotmail.com e estou embasbacado com tanto brilho. No meio deste forno que se tornou o mundo, vc refrigera nossa alma, muito obrigado.

Adriana Gomes disse...

olá
seu blog caiu do céu cibernético!
estudarei com meus alunos a música da decada de 50 e seu trabaslho vai me ajudar com a pesquisa historica e videografica. parabéns!

William Martins Ribeiro disse...

Otimo blog...
um arquivo digital, muito bem cuidado...
Parabéns...

Jalul disse...

ISSO É HISTÓRIA!
PARABÉNS PELO BLOG. JÁ ESTÁ NOS FAVORITOS.
JESUS, ACENDA A LUZ!!!!

Papai Urso do Interior disse...

Excelente restrospectiva, ótimo resgate histórico num país que usualmente não preza pela memória e só vive o imediatismo do hoje.

Incansável matador sanguinário disse...

bom. O plano cohen foi forjado. Nunca realmente existiu.Foi só uma desculpa.