19.8.06

DE COMO SE ELEGER SENADOR DA REPÚBLICA

Em 1951, já dono de dezenas de jornais, inúmeras estações de rádio, duas estações televisivas (com a inauguração da TV Tupi do Rio de Janeiro), editoras de livros e, mais importante, da revista O Cruzeiro, no auge de seu prestígio popular, Assis Chateaubriand (1891 - 1968), pode-se dizer, é o homem mais poderoso da República. É o nosso Cidadão Kane, fazendo e desfazendo carreiras e reputações a seu bel prazer e influindo nos destinos da nação da maneira que lhe conviesse. Era temido e odiado, comprazendo-se com isso.
Pois, foi nesse ano que Chatô resolve ser senador da República. E pelo seu Estado, a Paraíba.
Acontece que, para atrapalhar seus planos, somente em 1954, conforme previsto na Constituição Brasileira, haveria eleições para a renovação de um terço da casa, três anos à frente, portanto. O obstáculo parecia intransponível, como Chatô bem o sabia; mas, obstáculos nunca foram problemas, sendo mesmo apreciados pelo magnata das comunicações, e ele estava disposto a ultrapassá-los de qualquer maneira.
Consultado por Chatô, Drault Ernanny (que, anos mais tarde, escreveria um livro de memórias - Meninos eu vi ... e agora posso contar -), político milionário, dono de empresa petrolífera e, ultimamente, muito próximo a Getúlio, não consegue ver saída fora do que rezava a Constituição. Não consegue, mas vê. Para que tal acontecesse, primeiro, o atual ocupante da cadeira deveria renunciar; depois, seu suplente teria que fazer o mesmo. Além do mais, Chatô teria que conseguir legenda, sair candidato e, obviamente, ganhar as eleições. A coisa parecia tão complicada que desistir de plano tão mirabolante seria a melhor solução para todos.
Contudo, conseguir as renúncias de um senador e de seu suplente, respectivamente, não seriam, na visão do magnata, um problema tão sério, e ele trabalharia, a partir de então, para conseguir seu intento. O primeiro passo seria informar Getúlio sobre sua pretensão.
Procurado por Ernanny, o presidente Getúlio Vargas se mostra esquivo; por outro lado, não poderia afrontar aquele homem tão poderoso, que, mesmo aos trancos e barrancos, o estava apoiando nesse primeiro ano de seu governo (“Todo Poder a Lafer”), o que era capital para seu sucesso. O problema cai então no colo de Amaral Peixoto, casado com Alzira Vargas e presidente nacional do PSD. Este queria tudo, menos problemas com Assis Chateaubriand; assim, logo a questão estaria equacionada. E conforme previsto por Chatô, a renúncia foi a coisa mais fácil do mundo.
Primeiramente, o senador Vergniaud Wanderley, do PSD da Paraíba, renuncia para assumir cargo no Tribunal de Contas da União; seu suplente, Antônio Pereira Diniz, também a troco de sinecuras, renuncia espetacularmente, fazendo com que o Tribunal Superior Eleitoral, considerasse vago o cargo, convocasse eleições suplementares para o ano seguinte.
A notícia corre célere por todo o Brasil, deixando atônita a população por ambição tão despropositada, além de colocar os políticos do PSD paraibanos absolutamente pasmados frente a gestos tão excêntricos, que nada trariam de bom para a política brasileira. Também a imprensa, principalmente a de esquerda, critica acidamente o fato, vendo nele a contaminação precoce de um governo que mal havia começado.
As pretensões de Chatô, porém, tinha seus defensores; seus jornais, revistas e emissoras o apoiam, é claro, não obstante, ao longo do ano de 1951, a revista O Cruzeiro, a mais importante do país, com edição de mais de 300.000 números, não revelar as pretensões do patrão, praticamente não tocando no assunto. Com a aproximação das eleições, entretanto, os pruridos são deixados de lado, e Franklin de Oliveira, um dos colunistas mais importantes da publicação, não teve o menor pudor de puxar o saco do patrão. Sob o título Paraíba, sim senhor!, deixou ele escrito na revista (coluna Sete Dias – O Cruzeiro de 16.02.1952):


“Num país como o nosso, de cultura política ainda primária, em que a vida política está mais franqueada aos que se improvisam no serviço público do que àqueles que constroem um autêntico apostolado cívico, a escolha do nome do Sr. Assis Chateubriand indica evidentemente uma sensível e saudável evolução na técnica partidária de seleção de valores.

Fazendo de conta que o processo eleitoral era o mais normal possível, continua o impoluto articulista:
“Os votos que o sagrarem e consagrarem não serão apenas votos da Paraíba. No gesto de cada paraibano, à boca da urna, se estará realizando, ao votar, um processo de simbolização que transforma a cédula regional, a cédula paraibana, um voto nacional (...) A Paraíba estará, sim senhor, presente ao pleito elegendo senador Assis Chateaubriand, mas o prélio é de todo o Brasil. Sua demarcação geográfica é apenas episódica: culturalmente o pleito se derrama como verdadeira avalanche cívica sobre todo o país.”

E de forma apoteótica, assim ele termina o artigo:

"A candidatura do Sr. Assis Chateaubriand à senatoria pela Paraíba está imantada de poder cívico. Cristaliza-se nessa candidatura uma consagração: a da inteligência. E nela fulgura, como frêmito de esperança, o nobre sentido de uma advertência ao Brasil."

Um pouco sobre a revista O Cruzero.



O mesmo fez Carlos Lacerda, antipessedista radical, mas que, em seu jornal Tribuna da Imprensa se mostra bastante pragmático na questão. Até antigos desafetos, Vítor do Espírito Santo, por exemplo, que havia abandonado os Diários Associados exatamente por não suportar os desmandos do chefe, também o apóia, através de sua coluna no Diário de Notícias.
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Assim, apoiado pela máquina pessedista e por parte significativa da imprensa, Chatô vai à luta; primeiramente, convence o próprio Drault Hernanny (e seus milhões, naturalmente), seu conterrâneo, a ser o seu suplente. Depois, aumenta a potência da sua Rádio Borborema para que ela alcançasse rincões mais distantes. Além disso, transfere o jornalista Nertan Macedo de Pernambuco para a Paraíba para cobrir o pleito para o Diário de Pernambuco, o mais lido no Estado. Enquanto Chatô permanecia no sul maravilha, Ernanny muda-se de mala e cuia para a Paraíba, colocando a campanha nas ruas.
No entanto, apesar de candidato, o jornalista não participa de qualquer evento, nem daqueles previamente marcados, o que começa a irritar seu companheiro de chapa, preocupado com a ausência de Chatô e com a proximidade das eleições. Por incrível que possa parecer, a candidatura acaba por ser lançada no Clube 21, em São Paulo, a cópia do discurso proferido por Chateaubriand enviado para Pernambuco e Paraíba para ser retransmitido pelo complexo jornalístico associado.
Não só a ausência do candidato, porém, era motivo de preocupação para a equipe do jornalista-patrão-candidato; sentindo-se afrontado com o toma-lá-dá-cá da candidatura pessedista, o PTB da Paraíba, partido oficial de Getúlio, resolve encarar a briga e lança João Lélis para disputar o mesmo cargo. E com muito dinheiro, gerando comentários sobre sua origem. Sabendo disso, e pressionado pelos companheiros, Chatô, nos últimos dias da campanha, vai diversas vezes a seu Estado a fim de manter aceso o moral de seus correligionários.
Além de tudo, Chatô, que poderia ser chamado de tudo, menos de ingênuo, tinha um ás escondido nas mangas, mostrado à população de João Pessoa somente no último comício de sua campanha. Mandando espalhar cinco televisores em pontos estratégicos da cidade, e instalando uma câmera diante do palanque em que conclamaria seus conterrâneos a escolhê-lo como a melhor opção para o senado, Chatô faz seu discurso de despedida de campanha, deixando a patuléia perplexa e extasiada diante daqueles aparelhos milagrosos. Esse fato faz com que João Pessoa fosse a terceira cidade do Brasil a ver uma televisão em plena função, causando, como era de se esperar, o maior reboliço na cidade. As urnas certamente dariam uma resposta apropriada à ousadia do "Rei do Brasil".
E deram. Abertas as urnas, nenhuma surpresa: Assis Chateaubriand, o Cidadão Kane tupiniquim, foi realmente eleito senador da República com 70% dos votos válidos.
A revista Manchete, principal concorrente de O Cruzeiro, não poderia deixar tudo passar em branco, porém; em uma matéria intitulada Brasileiros Discutidos (maio/1953), com uma dualidade que termina por ser cômica, assim ela descreve nosso discutido personagem:

“O jornalista e senador Assis Chateaubriand tem sofrido graduações do péssimo ao extraordinário. Para uns é o grande pioneiro, o homem que abre novos horizontes para o país no campo da técnica e da cultura e movimenta a nacionalidade em favor de causas altamente meritórias. Muita gente, porém, repudia todos os aspectos positivos da obra de Chateaubriand, para classificá-lo, apenas, como um indivíduo pernicioso à sociedade e ao país.
(...)

É o homem que inaugura uma imprensa “falada e escrita” em moldes revolucionários, dando-lhe força e prestígio (...) E é, ao mesmo tempo, o jornalista que encampa e estimula um jornalismo de baixa classe. É o político oportunista que não tem princípios firmados e quer sempre estar bem com o governo; é o homem de negócios vinculados a interesses financeiros nacionais e internacionais que lhe viciam a ação jornalística e política.
(...)
Ora tido como uma potência financeira, também há quem fale da precariedade dos seus negócios, principalmente de sua empresa jornalística. O que não se pode negar é o extraordinário poder desse homem com o qual quase todos procuram estar bem (...) Há sempre uns que não perdoam o pernicioso “Chatô” e lhe fazem tremendas campanhas.
Conquistando o seu lugar de senador por vias travessas, Chateaubriand levou para o Monroe mais vida e mais confusão. Com um assombroso ritmo de trabalho e uma incorrigível mania de viajar, há os que sempre estão à espera de seu desaparecimento do reino dos vivos. E daí nova interrogação: será um bem ou será um mal?




Um comentário:

Unknown disse...


realmente chatô era o "cão chupando manga"
ele foi e sempre será lembrado como o maior e mais importante homem da comunicação
coitado do roberto marinho,bloch,entre outros para chegarem aos pés
um cordial abraço
inté
jl-viramundo da capital das gerais 05/06/2010