16.8.06

COPA DE 50: O DESASTRE

As perspectivas eram as melhores possíveis. Respirava-se um clima de otimismo raramente visto no Brasil, relacionado não só com a possibilidade real de se ganhar, pela primeira vez, a Copa do Mundo, como também pela atmosfera geral do país. A iminente volta de Getúlio ao poder deixava metade dos brasileiros esperançados, e a construção do Maracanã (e do Estádio Independência, em Minas Gerais), uma obra de envergadura, era motivo de orgulho para todos os brasileiros, pois ele se constituía, nada mais, nada menos, no maior estádio de futebol do mundo. Também, a conquista no ano anterior do Campeonato Sul-Americano de Seleções, depois de um jejum de 27 anos, apontava para possibilidades reais, e a safra de grandes jogadores confirmava que aquele fatalmente seria o ano do Brasil. Nada, nem a conhecida obtusidade dos dirigentes esportivos, retirava a esperança da nação de ver conquistada, pela primeira vez, a taça Jules Rimet.
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Aliás, a taça Jules Rimet já vinha cercada de lendas e mistérios. Dizia-se que o presidente da Federação Italiana de Futebol, Ottorino Barassi, a escondera em uma cisterna por seis anos, durante a Segunda Guerra Mundial, receoso de que ela caísse em mãos dos alemães e derretida para se aproveitar seu ouro. Da mesma forma, se comentava que o Brasil não mais seria a sede da competição por tê-la perdido ao não se realizar a disputa em 1942, ano em que o Brasil seria o anfitrião, exatamente em virtude da conflagração mundial iniciada em 1939. Porém, Jules Rimet confirmou a realização da copa no Brasil e assim toda a infra-estrutura fora montada, objetivando a conquista do maior e mais famoso torneio de futebol do mundo.
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Flávio Costa foi o técnico escolhido para dirigir a seleção brasileira. Mesmo já sendo o nome mais falado para tal, tornara-se mais forte ainda com a conquista do Sul-Americano de 49 frente ao Paraguai. O receio dos paulistas era de que, sendo carioca, ele formasse a base do time com jogadores do Rio de Janeiro, receio que se tornou realidade, assim que saiu a lista de convocados.


O Vasco da Gama, campeão carioca invicto de 1949, tendo vencido o Botafogo em São Januário por 2 X 0, contando no time com Barbosa, Augusto, Heleno de Freitas, Danilo, Wilson, Alfredo, Ipojucan, Ademir, Maneca e Chico,
base da seleção vitoriosa no Sul-Americano do ano findo e, neste momento, o melhor tim e do Brasil, teve convocados nove jogadores: Barbosa, Augusto, Eli, Danilo (o “Príncipe Danilo”), Friaça, Alfredo, Maneca, Ademir e Chico. Os vascainos ainda ficaram de cara feia pela não convocação de Ipojucan, ídolo do time. O Flamengo cedeu Juvenal, Bigode e Zizinho. O Fluminense, Castilho e Rodrigues. Do Botafogo, somente Nilton Santos fora lembrado. Total de cariocas convocados: 15.

Homenagem ao Vasco da Gama, então denominado o "Expresso da Vitória"



Dos cinco jogadores paulistas convocados, três eram do São Paulo, o inesquecível trio Bauer, Rui e Noronha, de gloriosas lembranças; um era do Palmeiras (Jair da Rosa Pinto) e o últim o, do Corínthians, o famoso “Cabecinha de Ouro”, Baltazar. Para completar o time, mais dois jogadores foram chamados, Nena e Adãozinho, ambos do Rio Grande do Sul.



Algumas ausências e presenças causaram irritação nos torcedores e na imprensa, duelando em defesa de seus estados a imprensa especializada do Rio e de São Paulo. A mais lamentada foi a de Heleno de Freitas, um craque, com um nível intelectual bem acima da média, e outro queridinho dos cronistas cariocas. Bonito como os galãs de cinema, seu apelido pelas torcidas rivais era “Gilda”, alusão a uma personagem interpretada por Rita Hayworth, a deusa de Hollywood, que causara comoção mundial, pouco tempo atrás, com o filme homônimo. O jornal A Noite, um dos maiores defensores da convocação do craque, inicia, no início do ano, uma campanha cerrada a favor de sua convocação, inutilmente como se viu. Outra ausência muito sentida foi a do corintiano Cláudio, o melhor ponta-direita do Brasil e o terror das defesas dos times paulistas. Por outro lado, criticavam-se os convocados do Rio Grande do Sul, os jogadores cariocas Bigode, Juvenal, Alfredo e Friaça (pela imprensa paulista) e Baltazar (pela imprensa carioca), acusado de somente saber cabecear, chamado pela imprensa paulistana, a propósito, de "Cabecinha de Ouro". Mas, no geral, os torcedores gostaram da convocação.

A famosa estância hidromineral, Araxá, em Minas Gerais, é escolhida para ser o local de concentração e treinos do selecionado brasileiro. Porém, por pouco tempo; alegando distância e isolamento, logo, logo, os cartolas dão um jeito de voltarem para o Rio de Janeiro, levando o escrete brasileiro a se concentrar em uma mansão no então distante e paradisíaco Joá, que, apesar do assédio de cartolas, imprensa e populares, permite uma razoável preparação.



Os grupos ficaram assim formados: Grupo 1 – Brasil, México, Suíça e Iugoslávia. Grupo 2 – Inglaterra, Chile, Espanha e Estados Unidos. Grupo 3 – Suécia, Itália e Paraguai. Grupo 4 – Uruguai e Bolívia. Das 34 seleções inscritas para as eliminatórias, 6 desistem antes do início do torneio. Outras, pouco antes de se iniciar o campeonato. Assim, somente 13 seleções participam da disputa. As ausências mais sentidas foram as das seleções da Argentina, Áustria e Rússia, então com grandes seleções, cuja compensação foram as presenças da Inglaterra, chegando favoritíssima com o craque Stanley matthews no auge, participando pela primeira vez da copa, e da seleção espanhola, chamada de “A Fúria” por razões óbvias.

Copa do Mundo de 1950.
















Começam as eliminatórias em 24 de junho de 1950. Nosso primeiro adversário é a seleção mexicana e o time, assim como todas as 100.000 pessoas que estavam no Maracanã no dia da abertura oficial do torneio, se mostra seguro e confiante. O Brasil entra em campo com a seguinte defesa: Barbosa, Augusto e Juvenal; Eli, Danilo e Bigode. Nosso ataque formava com Maneca, Ademir, Baltazar, Jair da Rosa Pinto e Friaça. Anunciado o time com nove jogadores cariocas, o Maracanã, mesmo assim, fica apreensivo com a não escalação de Zizinho e Chico, considerados titulares.

Iniciado o jogo, o Brasil parte p’ra cima do México, que logo recua, permitindo uma série de boas jogadas por parte do selecionado brasileiro, especialmente de Jair, que fazia a ligação entre a defesa e o ataque. O gol, apesar da demora e da impaciência da torcida amadurecia a cada momento. Até que, aos trinta e dois minutos do primeiro tempo, depois de duas bolas na trave dos adversários (Jair e Ademir), Ademir, aproveitando um rebote do goleiro mexicano Carvallal, fuzila o gol adversário, marcando o primeiro gol do Brasil e da Copa do Mundo. Estava aberto o caminho para a goleada.
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Aos 11 minutos do segundo tempo, Jair aumenta para 2 x 0, após receber um centro de Maneca, enganando os dois zagueiros mexicanos. Aproveitando o cansaço do México, Baltazar, aos 17 minutos, faz 3 x 0, depois de receber um passe de Friaça, aumentando mais ainda a confiança da torcida presente ao Maracanã. E aos 35 minutos, após sensacional jogada de Jair indo até a linha de fundo e cruzando rasteiro para a área, Ademir encerra o placar, aproveitando a bela jogada do jogador palmeirense para fazer 4 x 0. Foi um início de copa p’ra deixar todo o Brasil confiante.

Para o segundo compromisso contra a Suíça (28.06.50), como o jogo seria em São Paulo, no estádio do Pacaembu, o Brasil volta modificado: para agradar a torcida paulista, Eli, Danilo e Bigode cedem seus lugares para Bauer, Rui e Noronha, o afiado e raçudo trio da zaga são-paulina. E no ataque, Jair da Rosa Pinto, por seu turno, é substituído por Alfredo. O resultado é desastroso. O escrete brasileiro não consegue encontrar seu melhor futebol, acabando por empatar a partida em 2 x 2, com gols brasileiros de Alfredo (aos 2 minutos do primeiro tempo) e Baltazar, aos 31 minutos também do primeiro tempo. O Brasil inteiro teme por um desastre jamais esperado.
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Contra a Iugoslávia, que chegara com bastante fama, Flávio Costa prefere a fórmula simples de escalar quem ele conhece melhor, quer seja, o combinado Vasco/Flamengo, mais alguns gatos pingados. Assim, a seleção entra em campo com Barbosa, Augusto e Juvenal. Bauer, Danilo e Bigode. Maneca, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Um time de respeito, com responsabilidade de ganhar, já que uma derrota, àquela altura, seria um desastre nacional. Porém, o Brasil se posiciona melhor em campo, todo mundo jogando um futebol de raça e beleza. O resultado de 2 x 0, gols de Ademir (3 minutos do primeiro tempo) e Zizinho (aos 24 minutos do segundo tempo) premia o melhor futebol do Brasil, classificando-o para a etapa seguinte.

A Suécia, a próxima adversária, vinha embalada para jogar contra o Brasil, depois de sua histórica vitória sobre a Itália no Pacaembu por 3 x 2, emudecendo todo o estádio, lotado pela colônia italiana, e depois do empate com o Paraguai por 2 x 2, jogo realizado em Curitiba. Mas, no dia do jogo – 9 de Julho de 1950 – a euforia popular estava elevada. Flávio Costa, pela primeira vez, não mexe no time, mantendo a mesma equipe que destruíra a Iugoslávia. A imprensa depois comentaria que aquele sim era o time do Brasil, inegavelmente o campeão do mundo na opinião de todos.


O que teria acontecido durante a partida para que o otimismo brasileiro chegasse àquela altura, seduzindo toda a torcida e a imprensa, maravilhadas com futebol tão brilhante? Simplesmente metera uma goleada histórica de 7 x 1 nos suecos, os gols saindo um por um nos pés de Ademir (aos 17 e 36 minutos do primeiro tempo, e aos 7 e 13, do segundo tempo), do ponteiro esquerdo Chico (39 minutos do primeiro tempo e aos 43 minutos do segundo tempo) e Maneca (aos 40 minutos do segundo tempo).


O jogo contra a Espanha (em 13.07.50) entrou para a história. Contra a “Fúria”, a massa estava indócil, impossível mesmo. O Maracanã tremia sob as vozes de 200.000 pessoas cantando Touradas em Madrid, a famosa marcha de carnaval de Braguinha, impedida de ganhar o carnaval de 1938 e que ali, naquele jogo, alcançava sua definitiva consagração. O time, mais uma vez, não fora modificado.


O “Scratch” brasileiro, com uma única alteração, Friaça em substituição a Maneca, retribuiu a vibração popular com outra goleada histórica: 6 x 1 na Espanha, com um gol contra a favor do Brasil aos 15 minutos do primeiro tempo, outro de Jair aos 21 minutos do primeiro tempo e o terceiro de Chico, também no primeiro tempo, aos 30 minutos. O Brasil volta envenenado para o segundo tempo e os gols continuam: Chico, um gigante em campo, volta a marcar mais dois gols, aos 10 e 11 minutos, e Zizinho fecha o placar aos 22 minutos. O campeonato estava no papo, era a certeza de todo o Brasil. A disputa final seria contra o Uruguai, que chegara às finais, arrasando a Bolívia por 8 x 0, chegando às finais, empatando com a Espanha por 2 x 2 e vencendo a Suécia pelo placar de 3 x 2 .


Nesse ínterim, nos bastidores, as coisas ferviam e a fogueira das vaidades ardia em febril certeza. A concentração saíra do Joá para São Januário, sede do Vasco da Gama, por pressões políticas, o que facilitava ainda mais o contacto entre os jogadores, seus familiares, políticos, imprensa etc. Além do mais, a imprensa estava comentando a boca pequena que um problema, este político, estaria embaraçando os membros da seleção brasileira. Tal "problema", acabaria por e ntrar no anedotário político e futebolístico nacionais. Acontece que, na ânsia de agradar a todos, os jogadores estariam dando autógrafos a torto e a direito, acabando por autografar um papel em branco. Segundo os comentários, não demorou nada, e um "Manifesto Comunista", com assinaturas dos jogadores, saiu em um jornal de esquerda, distribuído por todo o Rio de Janeiro.


E a farra continuava: Afinal, tudo é permitido aos campeões do mundo, e os autógrafos e discursos se tornaram constantes. Um famoso jornal chegou a soltar uma edição extra, apontando, em manchete, o Brasil como o Campeão Mundial de Futebol.


16 de Julho de 1950: mais de 200.000 pessoas (173.830 segundo dados da FIFA) se espremem no Maracanã, todos absolutamente convencidos de uma grande exibição brasileira, muitos com a festa já preparada. Em todo o Brasil, onde hou vesse rádio ligado, o jogo estava sendo acompanhado, além dos serviços de alto-falantes instalados em muitas cidades do interior, onde os rádios eram escassos. Quando o time entra completo, muitos choram de felicidade, balançando suas bandeirinhas. O título tão esperado estava a caminho, pois, afinal de contas, um empate, um simples empate, traria para o Brasil o tão sonhado título de Campeão do Mundo. Não tinha como não dar certo.


No primeiro tempo nada acontece e a peleja termina empatada. A cautela de todos, os passes curtos e laterais por parte dos brasileiros começam a irritar a torcida, que queria um time ofensivo e guerreiro. Mas os uruguaios fazem uma marcação cerrada, além de contar com uma ótima atuação do goleiro Máspoli. Quando o juiz apita o fim do primeiro tempo, a massa se olha em clima de desconforto. Com desconforto, mas, ainda, confiando plenamente no timaço do Brasil.



Vem o segundo tempo; e quando, logo no início da partida (aos 2 minutos), Jair da Rosa Pinto dá um passe sob medida para o craque Friaça, que balança a rede adversária sem apelação, o Maracanã treme. Era a vitória.

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O povão, radiante, já se dirige para as ruas para a festança de comemoração do inédito título. Vai daí que, então, se agiganta em campo o uruguaio Obdúlio Varela, gritando o tempo todo, ameaçando os jogadores e entrando duro em todas as jogadas. O time brasileiro começa a ficar nervoso, principalmente a zaga. E quando os perplexos jogadores brasileiros viram-no esbofetear o ponteiro Gigghia, por ter pipocado diante de Bigode, mais nervosos ainda ficam.

Repentinamente, começa o desastre: aos 21 minutos, enredando Bigode na linha de fundo, Gigghia cruza, e o meio-esquerda uruguaio Schiaffino toca de leve par
a as redes. É o empate tão temido. O Maracanã emudece; cessam os ruídos e as risadas. Na verdade, muitos nem viram o gol de empate do Uruguai, já comemorando a conquista brasileira. Porém, de qualquer maneira, o empate ainda era bom para o Brasil, apesar de a torcida verificar que o descontrole e nervosismo de seu time eram visíveis.

Final da Copa do Mundo de 1950 - Uruguay 2 X 1 Brasil.




Final da Copa do Mundo de 1950 - Uruguay 2 X 1 Brasil.















Depois, tentaram culpar o goleiro Barbosa, que carregaria por toda sua vida o peso do pesadelo. Disseram até que tudo acontecera por ele ser negro. Mas a defesa toda estava como que enfeitiçada diante dos berros de Obdúlio e pela performance de Gigghia. Aos 32 minutos do segundo tempo, em uma jogada pela lateral, Bigode, descontrolado, não consegue desarmar o impetuoso ponteiro uruguaio, que corre para a área e se prepara para o cruzamento. Juvenal sai para a cobertura de Bigode, enquanto Barbosa se precipita para interceptar a bola. Neste momento, aparece aos olhos de Gigghia um espaço entre Barbosa e a trave. O uruguaio, então, ao invés de cruzar, chuta em direção àquele buraco, pegando Barbosa no contrapé. Mais tarde, também se disse que o goleiro brasileiro ainda tocara na bola, pensando mesmo que houvera um escanteio. Porém, antes mesmo de se levantar, nota as comemorações da equipe adversária e o pesado silêncio que se abate sobre o Maracanã.


O silêncio no Maracanã repercute no Brasil inteiro. Ninguém acredita no que está acontecendo. Um misto de surpresa e incredulidade se estampa nos mais de 400.000 olhos presentes no estádio. O choro já começara em muitos rostos, apesar de a partida ainda não estar perdida. Mas estava. Daí p’ra frente, mais nada acontece. O Brasil atacava, e Máspoli, que acabou sendo escolhido o melhor goleiro da copa de 50, defendia. A tão decantada bravura uruguaia estava plena e absoluta perante a massa emudecida.

Quando do apito final, um choro coletivo ecoa por todo o Brasil, no Maracanã, e no vestiário brasileiro. Choro de tristeza dos brasileiros; de alegria, dos uruguaios. Foi o fim de uma geração de craques, e para a copa de 1954 somente foram lembrados Bauer e Baltazar.

O sonho de tão almejada conquista ainda teria de esperar por mais longos oito anos.

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