29.1.07

COPA DE 1954: CANSAÇO FATAL

Não obstante o fraco desempenho da seleção brasileira de futebol no Campeonato Sul-Americano de 1953, realizado na capital do Peru, Lima, em que fica em segundo lugar, perdendo para o time do Paraguai, e o ainda não superado trauma da derrota para os uruguaios em 1950, a participação do Brasil na Copa do Mundo de 1954 era esperada com certa ansiedade pelos torcedores brasileiros, acreditando que a renovação implementada pelo novo técnico, Zezé Moreira, em nosso escrete, era o caminho mais curto para a obtenção do almejado título de campeão mundial de futebol, o maior sonho de toda a população. Para ser justo, craques é que não faltavam: Na defesa, Djalma Santos, Pinheiro e Nilton Santos eram jogadores de alta categoria, talvez melhores do que seus similares na malfadada Copa de 50; o time ainda tinha o espetacular Bauer, o príncipe do meio-de-campo, Didi, em grande forma e também Rodrigues. Pode-se dizer que era uma seleção de respeito.


Mais otimistas ainda ficam os patrícios, quando, nos meses de fevereiro e março, iniciando a campanha para a guerra futebolística, o Brasil, nas eliminatórias, se classifica invicto, não sem certa dificuldade, é verdade, derrotando as seleções do Chile (2 x 0, em Santiago, ambos os gols de Baltazar, e 1 x 0, no Maracanã, também gol de Baltazar) e do mesmo Paraguai (1 x 0, em Assunção, gol de Baltazar, e 4 x 1, no Maracanã, gols do selecionado brasileiro de Julinho - 2 -. Baltazar e Maurinho). A vitória sobre o Paraguai em Assunção foi tão dramática, o goleiro Veludo se constituindo na melhor figura do selecionado brasileiro, que, quando do jogo de volta no Brasil, uma compacta multidão (176.000 torcedores), a maior desde o fatídico dia 16 de julho de 1950, lotou o Maracanã para incentivar o escrete nacional, saboreando a goleada de quatro a um sobre os paraguaios e tendo, a partir daí, a convicção de que a conquista do título mundial não era um sonho tão distante assim.


A imprensa como um todo exigia vitória a qualquer custo para compensar o fracasso de 50. Exigia-se que a seleção brasileira fosse para a copa como soldados para a guerra. Como símbolo dessa exigência, todos os jogadores tiveram de decorar o Hino Nacional, a Bandeira Nacional seria desfraldada em todos os jogos e os discursos eivados de patriotismo eram inflamados.

Em 1.º de abril desse ano, os vinte e cinco jogadores definitivamente convocados se apresentam para dar início à etapa de treinamentos. Novos talentos, aliados a alguns sobrevivente do fracasso da copa anterior (como Bauer, Baltazar e Eli) são saudados pela imprensa especializada como capazes de, dessa vez, trazer para o país do futebol a mais do que cobiçada taça Jules Rimet. O Vasco da Gama (Alfredo, Eli, Paulinho e o recém-contratado e artilheiro da Portuguesa de Desportos, Pinga) e o Fluminense (Didi, Castilho, Veludo e Pinheiro)), ambos com quatro atletas convocados, são os times que mais jogadores cedem para a seleção, seguidos pelo Flamengo (Dequinha, Índio e Rubens), São Paulo (Bauer, Marinho e Mauro), Botafogo (Osvaldo Baliza, Nilton Santos e Gerson dos Santos), Portuguesa de Desportos (Brandãozinho, Djalma Santos e Julinho), Corínthians (Baltazar e Cabeção), Palmeiras (Humberto e Rodrigues), e Internacional de Porto Alegre, que cede um único player, o beque Salvador.


Pela segunda vez (a primeira foi em 1938), a cidade mineira de Caxambu é escolhida como local de preparação; Zezé Moreira, famoso pela disciplina que requeria de seus comandados (exigia, por exemplo, ser chamado de "seu" Zezé), impõe rígido calendário de treinamento, controlando horários e impedindo as fuzarcas e o entra-e-sai dentro do local de concentração, coisa comum nesse tempo de disputa de um título mundial. E dentro da fase de treinamento, a seleção enfrenta por duas vezes a fraca seleção da Colômbia, ganhando a primeira, no Pacaembu, por 4 x 0, e a segunda, no Maracanã, pelo placar de 2 x 0, após as quais a seleção se dirige para a cidade serrana de Friburgo, onde os treinamentos seriam complementados.


Aos 25 de maio de 1954, após as dispensas dos jogadores Osvaldo Baliza, Salvador e Gerson dos Santos, a seleção embarca para a Suiça, onde inicia a fase decisiva de treinamentos, jogando, ocasionalmente, com times locais amadores. Era o retorno da Copa do Mundo a um país europeu, após 16 anos, intervalo em que o certame fora realizado somente em 1950 devido aos ecos da segunda guerra mundial. Após o sorteio, o Brasil ficara no Grupo 1, ao lado das seleções do México, França e Iugoslávia e, como não era um grupo muito forte (México e Iugoslávia haviam sido derrotadas pelo Brasil em 1950), a classificação era tida como certa. A seleção base seria composta por Veludo, Paulinho e Brandãozinho. Alfredo, Mauro e Bauer. No ataque, Julinho Baltazar, Humberto, Maurinho e Pinga.
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A estréia do Brasil foi contra a seleção mexicana. Com novo uniforme, a cor branca sendo substituída pelo amarelo, recebendo do radialista Geraldo José de Almeida o desde então famoso apelido de "seleção canarinho", o Brasil entra em campo com Castilho substituindo o maravilhoso Veludo, titular absoluto do Brasil nas eliminatórias, Djalma Santos e Pinheiro; Brandãozinho, Bauer e Nilton Santos; Julinho, Didi, Baltazar, Pinga e Rodrigues. E para alegria dos torcedores brasileiros, a seleção canarinho mete uma goleada de cinco a zero, gols de Pinga (dois), Baltazar, Didi e Julinho. Melhor estréia, impossível.

Brasil 5  X 0 México.



Aí veio o segundo jogo (19.06.1954), agora contra a seleção da Iugoslávia (que ganhara seu primeiro jogo contra a França por um a zero), uma das seleções mais admiradas da Europa nesse momento. Ambos os times precisavam somente de um empate para passar para as quartas-de-final, só que, por incrível que pareça, ninguém da delegação brasileira sabia que novo regulamento tinha sido introduzido nessa copa pela FIFA, regulamento esse que permitia a passagem para a segunda etapa da seleção brasileira, em caso de uma vitória e um empate. Era a ignorância crassa dos cartolas tupiniquins, preocupados somente em posar para fotos e dar entrevistas para a imprensa em busca de futuros dividendos políticos.

O jogo foi dramático: terminado o primeiro tempo, o Brasil perdia por um a zero, além de praticar um futebol muito abaixo das expectativas do torcedor brasileiro, o goleiro Castilho se constituindo na melhor figura em campo. Após o intervalo, a seleção brasileira volta mais bem estruturada, jogando um futebol mais coeso e harmônico. Até que, aos 23 minutos do segundo tempo, o meia Didi empata, levando a peleja para a prorrogação. Não sabendo, então, que o empate era um resultado favorável, o que se via em campo era uma equipe desesperada, correndo como louca e desperdiçando energia. Em vão. O jogo terminou mesmo em 1 x 1, a seleção canarinho saindo cabisbaixa para o vestiário. Somente quando a delegação brasileira já se preparava para a melancólica volta para o Brasil é que, para alívio geral, ela foi informada de que estava classificada para a próxima etapa.

Brasil 1 X 0 Iugoslávia.



O próximo adversário do Brasil era a poderosa seleção húngara, campeã olímpica de 1952, jogando em estilo militarizado, invicta há mais de um ano, e com um sistema de jogo considerado então inédito e revolucionário, os jogadores entrando em campo sem posição fixa. Apesar de muitos repórteres e entendidos alertarem para o poderio da assim chamada " máquina húngara", uma das melhores seleções futebolísticas de todos os tempos, com jogadores do nível de Puskas, Kocsis e Boszik, e já assombrando todo o mundo, ninguém, na verdade, a levava muito a sério, principalmente porque, até então, ela nunca havia vencido o Brasil, fato que, em retrospectiva, não poderia ter sido levado em consideração, principalmente pelas estrondosas vitórias dessa seleção na primeira fase, derrotando a seleção da Coréia do Sul pelo placar de 9 x 0 e a poderosa seleção alemã pela esmagadora vitória de 8 x 3, numa impressionante demonstração de força e vigor.

O craque da seleção húngara Puskas.












Ou porque estava preocupado pela energia despendida pelo selecionado brasileiro no jogo anterior contra a Iugoslávia, ou mesmo porque confiava em seus reservas, Zezé Moreira, poupando diversos jogadores, muda quase todo seu ataque, somente mantendo  o ponta direita do Palmeiras, Julinho. Assim, o Brasil entra em campo com Castilho, Pinheiro e Nilton Santos. Djalma Santos, Brandãozinho e Bauer. Julinho, Didi, Índio, Humberto e Marinho. A seleção húngara não contaria com seu super craque e melhor jogador, Puskas, machucado no jogo anterior contra a Alemanha, o que animou sobremaneira os jogadores brasileiros, agora convictos de que a vitória era coisa certa. Pagariam caro por isso.


Enquanto isso, um acontecimento mais do que inusitado pegava os brasileiros de surpresa: quando o Brasil inteiro se preparava para acompanhar a irradiação do jogo, acontecia um defeito nas transmissões exatamente quando iniciava a partida. Após 10 minutos, quando do reinício da transmissão, uma nação assombrada é informada de que o Brasil já perdia por dois a zero, gols de Hidegkuti e Kocsis (este cognominado de "canhão húngaro", que faria 11 gols nessa copa), enquanto os locutores patrícios, a essa altura absolutamente histéricos, gritando e esbravejando pelos microfones, pareciam não entender direito o que estava acontecendo.


Assim, sofrendo dois gols em apenas sete minutos, a seleção brasileira, se já entrara em campo cansada e nervosa, mais nervosa fica com os inesperados gols já no início da peleja, ficando atordoada com a velocidade implementada pelos húngaros na partida, mostrando-se completamente desestruturada dentro das quatro linhas e demorando a encontrar seu melhor futebol, o que somente aconteceria já no final do primeiro tempo, quando, Djalma Santos, de pênalti, faz o primeiro gol do Brasil, animando a galera e deixando esperançosa a torcida brasileira.

O Brasil volta com tudo para o segundo tempo, imprimindo mais velocidade em seu jogo, passando de dominado para dominador. O pior é que, desesperados, os jogadores brasileiros queriam entrar com bola e tudo, no peito e na raça. E quando tudo levava a crer que o gol brasileiro não demoraria a sair, o juiz inglês, mister Arthur Ellis, que no primeiro tempo marcara um pênalti a favor do Brasil, apita uma toque do beque Pinheiro dentro da área brasileira, deixando os jogadores inconformados. Era outro pênalti, agora a favor dos húngaros, convertido em gol pelo jogador Lantos, parecendo colocar uma pá de cal na esperança do selecionado brasileiro.

Correndo agora contra o tempo, o time de Zezé Moreira parte em desespero para o ataque, até que Julinho, driblando todo o time adversário, marca o segundo gol do Brasil, reacendendo as esperanças dos jogadores e da imensa torcida brasileira, nesse momento com os ouvidos colados nos rádios à espera de um milagre. Porém, quando o Brasil precisava de todas as suas forças, Nilton Santos, fora de si, troca pontapés com o melhor jogador da Hungria, Boszik, ambos sendo expulsos aos 26 minutos, obviamente com maiores prejuízos para o Brasil. E aos 42 minutos, enterrando de vez as chances do Brasil, a Hungria faz outro gol, tornando o placar - 4 x 2 - impossível de ser alterado, principalmente depois da expulsão de outro jogador brasileiro, Humberto, por jogo violento, sem bola, contra o húngaro Lorant. Era a desclassificação.


Quartas de final: Hungria 4 X 2 Brasil.




Quando o juiz inglês deu por encerrada a partida, começa a confusão. Pinheiro, descontrolado, dá uma garrafada na cabeça do craque Puskas que estava no banco dos reservas, levando, em compensação, outra no supercílio direito. Aí, foi um festival de cusparadas, socos e pontapés, todo mundo brigando com todo mundo. A caminho do vestiário, o técnico Zezé Moreira acerta
 com uma chuteira o rosto do maior cartola dos adversários, o vice-ministro dos esportes, Gustavo Sebes, enquanto Mário Viana, o juiz brasileiro, aquele com dois enes, forte como um touro, também entra na confusão, chamando mister Ellis de ladrão, sendo por isso, mais tarde, desligado da FIFA.


Para a posteridade ficou a cena mais engraçada da copa: o jornalista Paulo Planet aplica em um guarda da Suiça um rabo de arraia daqueles, derrubando-o ao chão. Antes de ele cair, um fotógrafo de uma revista francesa dá o flagrante fotográfico, publicando a foto, com o guarda no ar, em página inteira.


Depois, houve as desculpas de sempre: Alguns dos integrantes da delegação brasileira, insatisfeitos, começaram a declarar que o juiz da partida, o inglês Ellis, favoreceu a seleção da Hungria, como parte de um “complô comunista”; outros disseram que mister Ellis teria prejudicado o Brasil para vingar-se da derrota da Inglaterra perante o Uruguai, nação sul-americana como o Brasil. Ninguém assumia que a seleção simplesmente se mostrara incompetente para um torneio de tal envergadura.


A poderosa Hungria daria ainda outra goleada de 4 x 2 no Uruguai quando das semifinais, entrando favorita para a final contra a Alemanha, a quem tinha batido por 8 x 3 na primeira fase. Debaixo de muita chuva, logo no início da partida, os húngaros já ganhavam de   dois a zero, tudo levando a crer que a história se repetiria contra os alemães.





Que nada. Sentindo a barra de tantos jogos e ocampo pesado, o time húngaro, após os dois tentos iniciais, recua em campo, permitindo a reação da seleção alemã, que, após empatar, vira espetacularmente o placar, marcando seu terceiro gol já quase no final da partida. A história se repetia. Como em 1950, a equipe favorita perdia o título mundial, deixando, porém, para a posteridade, a imagem de uma das mais impressionantes seleções de futebol que o mundo esportivo já conheceu.

jogo final da Copa de 1954: Alemanha 3 X 2 Hungria.


7 comentários:

Anônimo disse...

Didi era atleta do FLUMINENSE FC.

Didi foi revelado pelo FLU em 1946, permanecendo no clube até o final da temporada de 1956, quando foi vendido para o Botafogo.

Acerta isso ai. Abraços

Anônimo disse...

Obrigado, anônimo, pela informação sobro mestre Didi. Na realidade, eu já fora alertado sobre isso, mas, acabei esquecendo do fato e agora fui direto para corrigir o texto.
É de leitores como você que vive o blog, que ele tem uma vida dinâmica.

Um abraço e até a próxima.

Zé Fialho.

Jader Elias disse...

Ótimo texto. Entretanto 4x2 não é goleada, assim como 2x0 e 3x1 também não o são. Note-se que, na Libertadores, um time que vence em casa por 2x0 (sem goleada) e perde fora por 4x2 (goleada?) se classifica. O jogo Hungria x Uruguai foi duríssimo. O Uruguai perdia de 2x0 até os 30 minutos do segundo tempo, mas buscou o empate e só perdeu na prorrogação, jogando com vários machucados (na época não se permitiam substituições)

Jorge Bellati Ribeiro disse...

Se o jogador Boszik já havia sido expulso juntamente com Nilton Santos por troca de pontapés, como é que ele seria agredido pelo jogador Humberto ?
Não entendi. !

Década de 50 disse...

Caro Jorge Bellati, bela observação, a expulsão de Humberto se deu por causa de uma entrada em Lorant, prova de que você é um leitor atento. Colabore com o blog, quaisquer outras observações ou reparos serão sempre apreciados. Um abraço do Zé Fialho.

COUNTERTOPS GRANITE disse...

ja fazem muitos anos, que com clase os brasileiros tocavam a bola.

Anônimo disse...

Pinheiro e Djalma Santos foram os únicos culpados.no primeiro gol Pinheiro sai driblando de frente na pequena área ao invés d chutar para fora!!!!!! E Djalma Santos falha lamentavelmente no gol de kocsis, nem saltando para cabeçear. E afirmo: os húngaros usavam substâncias estimulantes, provavelmente anfetaminas, pois a disposição incrivelmente constante nos noventa minutos não era normal.