4.12.07

FISSURAS NO TBC

Se, nesse ano de 1956, o TBC conseguisse repetir o sucesso do ano anterior, seria outra consagração para a companhia paulista. Com efeito, em 1955, o Teatro Brasileiro de Comédia ganhou, mais uma vez, os principais prêmios Saci do teatro: Melhor Espetáculo (Volpone, de Ben Johnson, direção de Ziembinski, contando no elenco com Ziembinski, Walmor Chagas, Cleyde Yáconis, Elisabeth Henreid e Waldemar Wey), Melhor Ator (Walmor Chagas, pelo conjunto de interpretações nos espetáculos Santa Marta Fabril S.A., de Abílio Pereira de Almeida, Volpone (Ben Johnson) e Maria Stuart, de Schiller (peça traduzida para o português pelo poeta Manuel Bandeira) e Melhor Atriz, Cleyde Yáconis, também pelo conjunto de interpretações nos mesmos espetáculos, Volpone, Santa Marta Fabril S.A. e Maria Stuart.

Trecho da montagem de Volpone (em inglês).

Acontece que o TBC passaria, nesse ano de 1956, por várias provações, a principal delas advinda da saída de seus quadros, no ano anterior, seguindo o exemplo de Sérgio Cardoso e Nydia Lícia, de três de suas principais estrelas: o encenador Adolfo Celi, Tônia Carrero e Paulo Autran, decididos a fundar uma nova companhia, a Companhia Tônia-Celi-Autran, fato que causou grande impacto e desilusão em Franco Zampari, que considerava o diretor italiano a cabeça mais brilhante para continuar seu trabalho à frente do TBC. Em depoimento à época, Celi comentou a respeito de sua defecção:
.
A razão fundamental que nos fez deixar o TBC foi pensar que, quanto maior número de elencos houver, tanto melhor será para o teatro brasileiro. Serve para o nosso caso, o conhecido ex emplo da ameba que, ao dilatar-se muito, acaba se dividindo em duas. O TBC existe independentemente das pessoas que o compõem. Daí a nossa saída não trazer prejuízos.

Pretendemos, também, lançar elementos novos, que dificilmente poderiam entrar no TBC a não ser para papéis secundários. É que o teatro da rua Major Diogo faz, naturalmente, pelas necessidades de sua organização, contratos fixos e longos.”
.
Para Tônia Carrero, o problema era a presença estelar d
e Cacilda Becker; desde que o romance entre ela e Adolfo Celi foi alardeado, o clima na companhia era tenso; além do mais, Tônia se sentia sem espaço no TBC, onde se ressentia de interpretar somente comédias, peças leves, o que a impedia de voar mais alto e mostrar seu real talento. Em entrevista à Simon Khoury, para a série Bastidores, Tônia deixa mais clara a situação àquela época:
.
“(...) Quem canalizava todas as atenções era mesmo Cacilda Becker. E que Repertório! Tennessee Williams, Pirandelo, Sófocles, Jules Renard; era fantástico. Eu só fazia papéis em peças de autores secundários. No TBC, era vista como mais uma estrela de cinema. As boas, as atrizes de categoria, eram Cacilda, sua irmã [Cleyde Yáconis] e Nathália Timberg. Eu era a vedete, aquela moça
linda que adorava mostrar as pernas, aquela loura simpática que se jogava no palco de qualquer maneira. Por isso, saí do TBC, em 1955, e arrastei comigo Paulo Autran, Adolfo Celi e Margarida Rey.

(...)

Vendo que eu jamais poderia fazer uma carreira digna no TBC, fui embora. O pessoal de lá insistia em me ver como uma artista de cinema, a linda vedete que sabe mostrar suas lindas pernas, e as atrizes conceituadas eram Cacilda, sua irmã Cleyde e mais tarde Nathália e Tereza Raquel. Só me restou pegar o meu boné e tentar minha companhia. Eu ganhava o mesmo que Cacilda, o que a deixava fula de raiva. O Celi disse que se eu fosse, ele iria comigo, e imediatamente o Paulo Autran endossou nossa atitude, assim como Margarida Rey.”
.
Com a saída de q
uatro de seus principais astros (Margarida Rey também se integrou ao grupo de Tônia), o TBC agora, só em São Paulo, contava com três companhias rivais de peso: A Companhia Sérgio Cardoso/Nydia Lícia, que agora ocupava uma boa casa, o Teatro Bela Vista; o Teatro de Arena, com José Renato (advindo da EAD) à frente; e o Teatro Popular de Arte – da atriz Maria Della Costa e seu marido, Sandro Polônio, que, em 1954, inaugurou seu próprio teatro, o Teatro Maria Della Costa, alcançando, já em 1955, enorme êxito de público e crítica com a encenação de A Moratória, de Jorge Andrade (prêmios Saci para Gianni Ratto como Melhor Diretor e para Jorge Andrade como Melhor Autor Nacional, saudado pela crítica especializada como o autor brasileiro mais importante a surgir no Brasil após Nelson Rodrigues. Foi nessa peça que despontou para o estrelato uma atriz que ainda daria muito que falar, Fernanda Montenegro.

A Moratória -1ºAto- (1-2) Colégio Santa Marcelina SP - 2ºC.



A Moratória -1ºAto- (2-2) Colégio Santa Marcelina SP - 2ºC.

O pessoal do TBC, entretanto, não queria e nem podia lamentar suas perdas; sob a direção de um jovem diretor belga, Maurice Vaneau, que fizera um espetáculo de impacto no ano anterior em São Paulo, quando, integrante do Teatro Nacional da Bélgica em excursão ao Brasil, dirigira Barrabás, de Ghelderode, e recebera um convite de Zampari para permanecer no Brasil, o TBC encena a peça de John Patrick, grande sucesso nos palcos e no cinema norte-americanos, Casa de Chá do Luar de Agosto (20.02.1956), com um elenco encabeçado por um jovem ator que, futuramente, seria um dos mais laureados do teatro brasileiro (um dos maiores vencedores do prêmio Moliére do Brasil), Ítalo Rossi, secundado por Fregolente, Aníbal Santos, Célia Biar, Fábio Sabag, um trio que iluminaria por décadas as artes cênicas brasileiras - Mauro Mendonça, Milton Moraes e Nathália Timberg e grande elenco -, contando a história de um oficial do exército norte-americano, comandante das tropas de ocupação no Japão, que chega a uma pequena aldeia de Okinawa, determinado a impor a cultura ocidental para os habitantes locais. O interventor militar, na intenção de levar esta tarefa adiante, tem a intenção de organizar um clube social feminino e construir uma escola em forma de pentágono. No entanto acontece uma aculturação às avessas, pois Sakini (Ítalo Rossi), o guia e intérprete do capitão, espertamente conduz a situação do seu modo, fazendo o oficial assimilar os hábitos orientais. Apesar de ser uma comédia de nítidos contornos justificativos da intervenção americana no Japão, a peça, aqui como em outros palcos mundo à fora, fez sucesso exatamente pelo grau de simpatia que consegue transmitir aos espectadores, sendo elogiada até por Miroel Silveira, que não caía exatamente de amores pelo TBC.
.
1956 foi o ano de confirmação da condição de estrela de Fernanda Montenegro no TBC; com ela no elenco, foram encenadas Eurídice (um fracasso retumbante), de Jean Anouilh, dirigida por Gianni Ratto (também vindo da Itália arrasada do pós-guerra a convite de Maria Della Costa), tradução do poeta modernista Guilherme de Almeida; Divórcio para Três, de Victorien Sardou (da qual também participou Cacilda), com direção de Ziembinski e Nossa Vida Com Papai, de Howard Lindsay, também dirigida por Gianni Ratto.

A montagem sensação do ano, porém, foi protagonizada, mais uma vez, por Cacilda Becker; com direção de Maurice Vaneau e contando no elenco com Walmor Chagas, Célia Biar, Dina Lisboa, Ziembinski, Leonardo Vilar e Sadi Cabral, a ousada peça de Tennessee Williams Gata em Teto de Zinco Quente, estreou em outubro de 1956, causando um escândalo digno das peças de Nelson Rodrigues: sua temática (homossexualismo) e um palavrão – filhos da puta –, o primeiro do teatro brasileiro. Com cenário de Mário Francini, ousadamente usando naylon esticado, a peça conta a história de Harvey Pollitt, o Paizão (Ziembinski), um patriarca e rico proprietário de terras; ele ignora que tem um câncer inoperável, pois seu médico lhe disse que tinha se recuperado. Cooper (Leonardo Vilar), um dos filhos, e sua esposa (Célia Biar) tiveram algumas crianças e cobiçam poder herdar os milhões do velho milionário. Por outro lado Brick (Walmor Chagas), homossexual reprimido, seu filho favorito, alcoólatra e ex-astro de futebol americano, atormentado pela morte de um amigo por quem nutria uma irresistível paixão, vive um casamento infeliz com Maggie (Cacilda Becker), sua esposa, absolutamente frustrada, pois ama o marido apesar de ser desprezada por ele.
.

Cacilda, à época muito nervosa, com problemas particulares, fruto de sua disputa com o ex-marido, Tito Fleury, sobre a guarda do filho, ainda tinha outro problema para protagonizar Maggie, a Gata: seu físico. A personagem exigia uma atriz voluptuosa, cheia de carnes; para se ter a ideia, a personagem foi vivida por Elizabeth Taylor no 
cinema, no auge de seu vigor físico. Mas, nada era impossível para ela; mesmo muito magra, quase o tempo inteiro vestindo uma reveladora combinação decotada, a atriz conseguiu convencer brilhantemente o público como a gata no cio do título, a peça se tornando um dos maiores sucessos do ano em São Paulo.


A crítica também não deixou de aplaudir a peça: Décio de Almeida Prado, no Estadão, disse que

“o espetáculo se impõe e subjuga o público, da primeira à última linha. O talento de Tennessee Williams encontrou em Vaneau um intérprete à altura. (...) Cacilda Becker, a princípio, surpreende pela elocução nervosa e artificial, até percebermos que é exatamente o tom que convém ao papel de Maggie, a gata”.

Também Clóvis Garcia, em O Cruzeiro, elogia o desempenho da atriz, considerando que ela estava voltando “em grande forma, dando-nos uma Maggie tensa, nervosa, com características neuróticas bem marcadas”. Miroel Silveira, no Diário de Notícias, considerou a peça como “uma das mais perfeitamente encenadas da história do TBC”.

Como para provar que, apesar das pesadas defecções, o TBC continuava firme e forte como grupo teatral de qualidade e prestígio, a companhia foi novamente agraciada com dois dos mais importantes prêmios Saci: um para a peça Casa de Chá do Luar de Agosto (Melhor Espetáculo), outro para Maurice Vaneau (Diretor do Ano).

***

No final de 1955, Maria Della Costa foi surpreendida pela decisão de Gianni Rato (1916 - 2005)) de deixar o TMDC em direção ao TBC. Em entrevista ao Estadão (08.10.55), Ratto explicou o motivo de seu gesto:
“Vim da Europa com um certo sonho. Ao receber em Milão convite de Maria Della Costa e Sandro Polloni para dirigir a nova companhia que ia inaugurar o teatro da rua Paim, imaginei que poderia realizar um bom teatro de equipe, funcionando em determinadas bases. Por diversas razões, entretanto, entre as quais a financeira e a de sistema de trabalho, verifiquei ser essa missão irrealizável.

Quando senti, na Itália, que as condições de trabalho do Piccolo Teatro e do Scala não satisfaziam ao que eu desejava artisticamente, preferi deixá-los, embora abandonasse uma excelente situação financeira. No caso de TMDC, não quero que as minhas realizações, exigindo um mínimo padrão artístico, prejudiquem a situação econômica da companhia. Dou-me conta do extraordinário esforço do empresário Sandro Polloni que, infelizmente, não é correspondido pelo público e, como não me é possível mudar a linha do repertório, prefiro deixar o elenco (...) As peças que encenamos já não pertencem a um repertório válido, num critério absoluto. Porém, em função das possibilidades da companhia, já constituem um excesso, quer econômico, quer profissionalmente. Para sobrevivência do elenco, é necessário tentar um repertório mais comercial e, nesse ponto, considero cumprida a minha missão.”

Para Maria Della Costa, a saída de Ratto se dera em virtude, na verdade, de seu sucesso: “Ele quis extrapolar, quis arranjar e fazer superproduções que não tínhamos condições de lhe proporcionar”, disse ela a Simon Khoury. E para provar que o repertório do TMDC era inegavelmente de qualidade, o grupo montou três espetáculos de peso nesse ano de 1956, A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca, A Rosa Tatuada, de Tennessee Williams, e Moral em Concordata, de Abílio Pereira de Almeida, esta última já no apagar das luzes do ano corrente.

A escolha de A Casa de Bernarda Alba (elenco contando com Beyla Genauer, Odete Lara, Ilema de Castro, Maria Della Costa e outras – uma parábola sobre a Espanha franquista em que uma mulher, a Bernarda do título (esplendidamente vivida por Jurema Magalhães), após a morte do marido, assume, de forma autoritária e sem piedade, o comando de sua casa e da vida de todos os filhos, enquanto cria um tipo de liderança em que os valores individuais não são respeitados e o comportamento de todos são regidos por rígidas leis morais, tudo caminhando para um fim trágico, que a todos traga como um turbilhão, inclusive a própria matriarca – segundo Maria, teve uma causa prática; perdendo uma porção de gente com talento nos últimos tempos (Fernanda Montenegro, Sérgio Brito, Ítalo Rossi), o TMDC estava momentaneamente sem atores de peso, capazes de sustentar uma temporada inteira. Por isso, Sandro Polloni resolveu montar uma peça só com mulheres. O resultado foi um sucesso de crítica e público, que rendeu pontos para Flaminio Bollini, o encenador e cineasta (Na Senda do Crime) que, há pouco, abandonara o TBC para ingressar no grupo de Della Costa, como que para compensar a defecção de Ratto.


Montagem de A casa de Bernarda Alba pelo grupo atordoados do Teatro Escola Macunaíma.






Rosa Tatuada, do maldito Tennessee Williams, outra peça escolhida para a temporada de 56, estreara na Broadway a três de Setembro de 1951. Quatro anos mais tarde, dirigida por Daniel Mann, seria levada ao cinema com Anna Magnani, cuja interpretação seminal lhe valeu o Oscar de Melhor Atriz do ano, o primeiro a ser atribuído a uma atriz de origem latina. Segundo Maria Della Costa, encontrar o tom certo para a papel título era um desafio, especialmente para ela, pois a personagem de Williams era uma siciliana forte, bunduda e, obviamente, grosseira. A atriz teve que providenciar uma mudança radical em seu visual, mandando fazer enchimentos de borracha no corpo que pesava cerca de 30 quilos. E para encontrar o tom certo de deboche que a atuação exigia, ela se valeu dos ensinamentos de Dercy Gonçalves, com quem teve aulas de como se comportar em cena. Com Jardel Filho na pele de um sensual caminhoneiro (vivido no cinema por Burt Lancaster), a peça foi outro sucesso da temporada e outro tento para Maria Della Costa
.Cena do filme A Rosa Tatuada (em inglês).





Cena do filme A Rosa Tatuada (em inglês).



Encenada no teatro Carlos Gomes, dirigida por Flaminio Bollini, e tendo no elenco atores de peso como Odete Lara (na montagem carioca, Glauce Rocha substituiu Odete), a própria Maria Della Costa, Jardel Filho, Armando Bogus, Luiz Tito, Felipe Carone, Benjamim Cattan e o futuramente famoso novelista Manoel Carlos, Moral em Concordata, outra montagem dessa temporada, um texto polêmico sobre violência, machismo e prostituição, conta a história de duas irmãs (protagonizadas por Odete Lara e Maria Della Costa), a primeira casada com Raul (Jardel Filho), por quem é desprezada e maltratada, e a segunda, solteira e mal falada, mas que leva uma vida glamourosa e razoavelmente luxuosa, “uma vigarista que troca a noite pelo dia”. Na realidade, uma prostituta de luxo, cuja vida servirá de exemplo para a irmã, quando seu casamento entrar em parafuso.


O mais interessante da peça anterior - A Rosa Tatuada - é que ela, inicialmente, fora oferecida por Abílio para o TBC que, mesmo sendo de Tennessee Williams e ter sido encenada na Broadway com Burt Lancaster e Anna Magnani, não a considerou digna de ser montada. O teatrólogo, então, a ofereceu para Maria Della Costa que, imediatamente, viu seu potencial e a encenou. O resultado foi um estupendo sucesso de público, que, segundo Della Costa, rendeu tanto que permitiu que ela e Sandro Polloni fossem para a Europa em viagem de férias.
.
***


Tão logo Tônia, Celi e Paulo Autran saem do TBC e montam sua própria companhia – a Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA) –, o repertório para a temporada de 1956 foi escolhido; o grupo se fixou em quatro peças, duas comédias – A Viúva Astuciosa (Goldoni) e Negócios de Estado (Louis Verneuil) – e dois dramas – Entre Quatro Paredes (Jean Paul Sartre) e Otelo (Shakespeare).
.
A Viúva Astuciosa, uma peça satírica neoclássica de Goldoni, foi somente um veículo para Tônia Carrero, que sempre brilhava em comédias desse tipo; Negócios de Estado, uma peça ambientada em Washington, nos meandros da política americana, foi escrita por Verneuil quando este morou nos Estados Unidos, uma crítica ao modo de vida norte-americano. Uma boa montagem do grupo e também um sucesso médio. Tônia, mais tarde, chegou a dizer que a peça era uma bobagem, muito fácil de fazer. Segundo ela, a peça fora feita “com os pés nas costas, como faria qualquer uma outra do gênero.

Escrita em 1944, já nos estertores do regime nazista, Entre Quatro Paredes (montada anteriormente pelo TBC em 1950) é uma peça sem concessões, que tenta responder à afirmação segundo a qual “o inferno são os outros”. São três personagens em cena, desconhecidos entre si, que se encontram, após a morte, no inferno, um inferno diferente, sem fornalhas, demônios ou sessões de tortura; ou seja, um inferno civilizado; o ambiente é decorado com estilo sóbrio e bastante elegante. Nesse ambiente, as luzes jamais se apagam porque não existem dias nem noites. Como estão condenados a conviver por toda a eternidade, logo percebem sua função no local: cada um será o carrasco dos demais.


Tônia, que ganhou o prêmio Saci de Melhor Atriz do ano por sua performance nessa peça, percebeu que a crítica, após esse espetáculo, passou a considerá-la com mais respeito, não obstante o preconceito ainda presente. Em suas próprias palavras:
“Depois dessa peça, a crítica começou a se mancar (...) o Henrique Oscar e a Bárbara Heliodora mudaram de atitude comigo e tiveram que entregar a rapadura. Mas, mesmo perdendo a desconfiança de que eu não podia fazer dramas, eles falavam mal de mim de outras maneiras e ainda ressaltavam minha beleza que meus dotes de atriz.”

Exercício sobre Entre Quatro Paredes - Parte 1.


Exercício sobre Entre Quatro Paredes - parte 2.



Exercício sobre Entre Quatro paredes - Parte 3.



Otelo (de fato, a primeira montagem do grupo) se constituiu em um “tour de force” para Paulo Autran. Foi seu primeiro Shakespeare, a despeito de não ser sua primeira incursão nas tragédias, porquanto já atuara na peça Antígona (Sófocles/Anouilh), que, inclusive, lhe proporcionara seu primeiro prêmio Saci de Melhor Ator do ano em 1952.


Aos 34 anos em 1956, Paulo Autran, com apenas sete anos de carreira, já era um dos atores mais admirados e respeitados do país. Nascido no Rio de Janeiro, ainda garoto, sua família se muda para São Paulo, formando-se, no ano de 1945, em Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, exercendo a profissão até 1949.


Suas primeiras incursões teatrais se dão no Centro Cultural Brasil-Rússia (levado por Tatiana Belinky), onde tem suas primeiras aulas de interpretação. Em 1947, começa seu efetivo relacionamento com o teatro, participando, como amador, de um grupo formado por ele e pela futura diva do TBC, Madalena Nicol. Sob a direção da atriz, conseguem montar a peça Esquina Perigosa, de JB Priestley, no Teatro Municipal de São Paulo. No ano seguinte, em montagem dirigida pelo encenador inglês H. Eagling, ocupa com seu grupo o teatro do TBC com a peça A Noite de 16 de Janeiro, da escritora anticomunista Ayan Rand, ficando pouco tempo em cartaz.


Integrando o Grupo Experimental de Teatro, o GTE (grupo criado por Alfredo Mesquita), a convite de Abílio Pereira de Almeida, Paulo vai em excursão para o Rio de Janeiro, em 1949, onde participa da montagem de duas peças do teatrólogo, A Mulher do Próximo e Pif-Paf, além de também participar da encenação de À Margem da Vida, de Tennessee Williams, peça em que faz o papel principal, Tom. Nesse mesmo ano, a convite de Tônia Carrero, que montara sua própria companhia, integra o elenco de Um Deus Dormiu lá em Casa, de Guilherme de Figueiredo, grande sucesso de público e de crítica. Era o início da carreira profissional do ator.


Monólogo da personagem Amanda Wingfield da peça A Margem da Vida,interpretado por Thalita Vaz.



Leitura dramatizada da peça Um Deus Dormiu Lá em Casa pelo grupo Giz en Scène.
Parte 1.




Parte 2.



Parte 3.



Parte 4.



Parte 5.



Parte 6.



Parte 7 (final).




Em 1950, ainda pela companhia de Tônia Carrero, Paulo participa das montagens de Amanhã Não Vai Chover (de Henrique Pongetti, direção de Ziembinski), Helena Fechou a Porta (de Accioly Netto, também dirigida por Ziembinski) e Dom Juan, de Guilherme de Figueiredo, dirigida por Armando Costa. Aí acontece uma reviravolta na carreira de todos os integrantes do grupo: no final do ano, apresentando-se no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, a companhia é surpreendida com a presença de Franco Zampari em uma de suas apresentações, que resultou em um convite para que a troupe se integrasse ao TBC, sonho de todos os artistas brasileiros. Tônia, ao contrário, vai para a Vera Cruz, onde receberia honras de artista de primeira linha.


Sua estréia no TBC se deu em 1951 com a peça Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello, integrando um elenco que também contava com Cacilda Becker e Sérgio Cardoso. Dirigida por Adolfo Celi, a peça fez um tremendo sucesso, passando, a partir dessa data, a fazer parte do repertório de Paulo Autran, tendo ele participado de mais duas montagens desse espetáculo. Em seguida, Autran é escalado para Arsênico e Alfazema (Joseph Kesselring), com direção de Celi; Ralé (Maxin Gorki), dirigida por Flaminio Bollini; e A Dama das Camélias (Alexandre Dumas Filho), com (segundo a crítica) "primorosa direção" de Luciano Salce, que faria sucesso, mais tarde, na Itália, como diretor de cinema (Pato com Laranja, vermelho).

1952 foi o ano de estouro de Paulo Autran; participa das montagens de diálogo de Surdos (Clô Prado) sob a direção de Bollini; Para Onde a Terra Cresce (Edgard da Rocha Miranda), dirigida por Adolfo Celi; e Antígona, um espetáculo que fazia a junção de dois textos homônimos, um de Sófocles, a tragédia grega, e o drama francês de Jean Anouilh; Essa última montagem teria causado um impacto profundo em Paulo Autran; além de lhe permitir entrar com sucesso no universo das tragédias gregas, um pântano para muitos, a peça lhe proporcionou seu primeiro Saci
 como Melhor Ator de 1952. Foi também nesse ano que Paulo participa, em papéis coadjuvantes que nada acrescentaram à sua carreira, de três filmes na Cia Cinematográfica Vera Cruz: Veneno, Appassionata e Uma Pulga na Balança.


Veneno, um drama psicológico-policial, conta a história de Hugo, funcionário de uma indústria de vidros, que ama apaixonadamente sua esposa Gina. Ela, ao contrário, demonstra completa indiferença por ele, que vai ficando obcecado pela idéia de que sua esposa o odeia. Tem horríveis pesadelos durante os quais se vê matando Gina. Cada sonho termina sempre com um implacável delegado de polícia que o interroga. Hugo passa a confundir sonho e realidade depois que é procurado pelo mesmo delegado de polícia do sonho, que vem indagar se sua casa não foi assaltada. Envolve-se progressivamente neste vórtice que o leva a envenenar Gina, cometendo um crime quase perfeito. O filme contou com a direção e argumento de Gianni Pons; fotografia de Edgar Brasil (premiada com um Saci); elenco integrado pela voluptuosa atriz Leonora Amar, Anselmo Duarte, Ziembinski, Paulo Autran, Jackson de Souza e outros.

Com um elenco quase todo vindo do TBC, Waldemar Wey (Dorival), Gilda Nery (Dora), Luiz Calderaro (Carlos), Ermínio Spalla, Paulo Autran (Antenor), Ruy Afonso, John Herbert (Alberto), Mário Sérgio (Juvenal), Lola Brah (Bibi), Maurício Barroso, Armando Couto, Jaime Barcellos e uma lindíssima Eva Wilma (prima de Alberto), em início de carreira, Com a Pulga na Balança, com direção de Luciano Salce, é baseado em um argumento e roteiro de Fábio Carpi sobre um ladrão que se deixa prender voluntariamente e que, uma vez instalado na prisão, procura nos jornais, diariamente, os nomes mais ilustres falecidos e envia às famílias dos mortos uma carta extremamente comprometedora onde fica explícito que o falecido era seu parceiro num grande golpe. Essa maneira engenhosa de chantagem deixa consternada a família do morto que se apressa em pagar-lhe para manter o seu silêncio. A estória se desenrola em um ambiente no qual a hipocrisia dos herdeiros contrasta com a vida alegre e feliz de Dorival em sua cela, onde recebe suas vítimas em alto estilo. Um tema mais do que atual, nestes dias de chantagens por telefone por parte de presos do PCC e do Comando Vermelho.


Trecho do filme Uma Pulga na Balança.


.
Appassionata, o terceiro filme do qual Paulo Autran participa nesse ano de 56, conta a história de uma grande pianista, Silvia Nogalis, que faz todos os sacrifícios pela sua arte, até que se vê acusada, pela governanta, da morte de seu marido, o famoso Maestro Hauser. O corpo é encontrado no mesmo dia em que ela obtém um grande triunfo artístico interpretando a ‘Appassionata’ de Beethoven. Silvia, uma vez comprovada sua inocência, retira-se para um lugar junto ao mar, onde conhece Pedro, o diretor de um reformatório de jovens delinqüentes, que por ela se apaixona, reconhecendo sua verdadeira identidade. Pedro tenta dissuadi-la de fazer uma turnê, mas ela prefere a carreira ao amor e volta a dar concertos. Em Estocolmo conhece um pintor brasileiro que faz o seu retrato e se apaixona por ela. Voltam ao Brasil e ela é assaltada por obsessões ligadas à memória do falecido marido. A governanta faz esforços, juntamente com o antigo motorista do casal, para reavivar o processo contra Silvia. O pintor, assediado pela dúvida, vai perdendo a confiança em sua esposa. Tudo se precipita numa noite em que Luís pensa que surpreenderá Sílvia em flagrante adultério, mas recebem uma carta na qual Hauser declara que pretendia se suicidar. É muito tarde. Luís atira, mata Sílvia, a película terminando com um crescendo do motivo musical da Appassionata de Beethoven

Sonata 23 "Appassionata", com Daniel Baremboim.

















O filme foi dirigido por Fernando de Barros e contou no elenco com (além de Autran, em papel secundário) Tônia Carreiro, Anselmo Duarte, Alberto Ruschel, Ziembinski, Abílio Pereira de Almeida, Salvador Daki, Edith Helou, Lima Neto, Jaime Barcelos, Vera Sampaio, Francisco de Sá, Xandó Batista e outros.


De 1953 a 1955 foram dezenas e dezenas de montagens no TBC: Na Terra Como no Céu, de Fritz Hochwalder, dirigida por Luciano Salce; Treze à Mesa, de Marc-Gilbert Sauvajon com direção de Ruggero Jaccobbi; Assim é Se lhe Parece, de Luigi Pirandello, direção de Adolfo Celi; Mortos Sem Sepultura, de Jean Paul Sartre, dirigida por Flaminio Bollini; Uma Mulher do Outro Mundo, de Noel Coward, dirigida por Adolfo Celi; Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, direção de Adolfo Celi; Santa Marta Fabril S.A., 
de Abílio Pereira de Almeida, direção de Adolfo Celi; Profundo Mar Azul, de Terence Rattigan, com direção de Adolfo Celi e diversas outras. Em 1955, acontece sua saída do TBC, juntamente com Tônia Carrero e Adolfo Celi, para formar a CTCA. A montagem de Otelo, com todas as dificuldades que um espetáculo de tal monta traria, seria a prova de fogo junto ao grande público e à critica para a iniciante companhia teatral.

Escrita por William Shakespeare (1564 - 1916) em 1604, Otelo, uma peça sobre inveja e traição, conta a historia de Otelo, general mouro que serve ao reino de Veneza. A peça inicia com Iago, alferes de Otelo, tramando com outro personagem, Rodrigo, uma forma de contar a um rico senador de Veneza, Brabâncio, que sua filha, Desdêmona, tinha se casado com Otelo. Iago queria se vingar do general pelo fato desse ter concedido uma promoção a tenente a um jovem, Cássio, que servira de intermediário entre ele, Otelo, e a amada, Desdêmona. Iago tinha a convicção de que amizade não era motivo de promoção. Assim que sabe da fuga da filha para se casar com o mouro, Brabâncio sai à caça de Otelo intentando matá-lo. Quando se encontram, um chamado do Doge de Veneza convocando-os à sua presença evita o confronto entre eles.


Quando da reunião, Brabâncio acusa Otelo de ter induzido sua filha a casar-se com ele, à custa de bruxarias. O acusado refuta a acusação, relata sua história de amor e, após a confirmação de tudo por Desdêmona, é inocentado e parte para Chipre para lutar contra os turcos que assediavam a ilha. Desdêmona também vai para lá, só que em outro navio, chegando primeiro devido a fortes ventos e tempestades que ocorreram durante a viagem, que, inclusive, destroçaram a frota inimiga.


Em Chipre, Iago continua com seus planos de vingança. Despertar o ciúme de Otelo com relação a Cássio seria seu objetivo. Pretextando lealdade ao general, Iago induz Cássio – responsável pela manutenção da ordem na cidade – a se embriagar durante uma festa oferecida pelos habitantes da ilha ao mouro. A bebedeira termina em briga entre Cássio e Rodrigo, amigo de Iago, fazendo com que Otelo destitua seu homem de confiança do cargo.

Iago, nessa mesma noite, inicia seu plano de jogar Cássio contra Otelo. Aconselha o rapaz a pedir que Desdêmona interceda por ele junto ao marido, o que ele faz. Paralelamente, inicia um jogo de insinuações sobre o relacionamento de Desdêmona e Cássio, despertando o ciúme do mouro. A oportunidade de avançar no plano surge quando a moça perde um lenço de linho, que pertencera à mãe do general, presente de Otelo, que acreditava que o lenço possuía propriedades mágicas, sendo o guardião da felicidade dos dois. Iago acha o lenço e o esconde dentro do quarto de Cássio, após o qual se chega ao general com a acusação de que o lenço fora presenteado a Cássio por Desdêmona.

Enciumado, Otelo pergunta à sua mulher sobre o lenço. Ela não soube responder o que teria acontecido com ele. Pouco tempo depois, Iago faz com que Otelo escute uma conversa sua com Cássio; embora falassem sobre uma amante desse último, Otelo entende que a mulher em referência é Desdêmona. Fica enlouquecido de ciúmes, passando a crer que a mulher o traía. Então as coisas se precipitam.

Jurando lealdade e fidelidade a Otelo, Iago se oferece para matar Cássio, com a intenção, na verdade, de matar também Rodrigo, que sabia de toda a tramóia. Só que as coisas dão erradas, e somente Rodrigo morre, Cássio ficando somente ferido. Ao mesmo tempo, sem acreditar na esposa, Otelo a mata dentro do quarto.

Ao saber que Desdêmona fora assassinada pelo marido, Emília, mulher de Iago, revela a Otelo o plano engendrado pelo marido para acabar com seu casamento, jurando que Desdêmona era inocente e lhe era fiel. Iago mata Emília e foge, logo sendo capturado. Desesperado pela injustiça, Otelo se apunhala, caindo morto sobre o corpo da mulher amada. Cássio passa a ocupar o lugar de Otelo.A peça, que contava no elenco com Tônia Carrero (Desdêmona), Felipe Wagner (Iago), Margarida Rey e Benedito Corsi, estreou no Teatro Dulcina em março de 1956, constituindo-se em um dos maiores sucessos de Paulo Autran, permitindo-lhe, além do mais, ganhar seu segundo prêmio Saci como o Melhor Ator do ano. A partir daí ele se tornou uma lenda no teatro brasileiro, o verdadeiro “Senhor dos Palcos".

Um comentário:

Unknown disse...

oie, muito bom o seu trabalho!!
estou pesquisando sobre Tennessee Williams, e acabei parando no seu blog...
gostaria de entrar em contato, para conhecer mais sobre as peças do Williams que foram encenadas pelo TBC...
meu e-mail é robertaphoenix@yahoo.com.br
Parabéns e obrigada!!