22.3.07

"COLÉGIO DE BROTOS": UM SUCESSO ESPETACULAR


1956 foi um ano esplendoroso para Carlos Manga, um diretor ainda novato, mas que já deixara sua marca em, pelo menos, um clássico das chanchadas, o badalado filme Nem Sansão, Nem Dalila, realizado em 1954. Ele dirigiu nesse ano todos os três filmes produzidos pela Atlântida, Vamos com Calma, Papai Fanfarrão e Colégio de Brotos (alguns historiadores colocam o filme Garotas e Samba - elenco encabeçado por Renata Fronzi, Sônia Mamede, Adelaide Chiozzo, Francisco Carlos, Zezé Macedo e Zé Trindade - como também realizado por Manga nesse ano).

José Carlos Aranha Manga, nascido no Rio de Janeiro em 1928, em fins da década de 40, estudava Direito, além de trabalhar no Banco Boa Vista e na companhia aérea Cruzeiro do Sul; mas, com a recente ascensão a astro de um grande amigo seu, Cyll Farney, irmão do astro da música, Dick Farney, inspirador de um fã-clube freqüentado por ele e por diversos jovens de classe média que adoravam músicas norte-americanas – o Sinatra/Farney Fã-Clube –, ele começou a ter aspirações cinematográficas, acalentando o sonho de trabalhar nos estúdios Atlântida, então, em sua cabeça, uma espécie de Hollywood brasileira.]


Seu primeiro contato na companhia, levado, exatamente, por seu amigo Cyll Farney, foi, para dizer o menos, decepcionante; esperava uma coisa suntuosa, grandiosa, mas, o que viu foi um grande e decadente galpão tomado por palcos para as filmagens, que terminava na carpintaria onde se fabricavam os cenários. A pobreza, em termos, era evidente, mas, para quem queria começar uma nova carreira, era entrar em um mundo de sonhos e fantasia. Por outro lado, estar ao lado das grandes estrelas do cinema nacional – Eliana, Anselmo Duarte, Oscarito, Grande Otelo e outros – era o máximo, principalmente para ele que tinha a convicção que ali estava a grande oportunidade de sua vida, que ele não poderia desperdiçar.


Como todo iniciante, teve que suportar serviços pesados e insignificantes, trabalhando, inicialmente, na carpintaria, passando, paulatinamente, para outros departamentos até chegar ao almoxarifado, cuja localização lhe permitia ter uma vista privilegiada dos palcos de filmagem, de onde ele observava cuidadosamente os trabalhos de diversos diretores, Watson Macedo, J. B. Tanko e José Carlos Burle, ao mesmo tempo em que, em seus horários de folga, ia aprendendo com algumas pessoas da equipe técnica o significado das diversas lentes, como trabalhar com o maquinário, a importância da iluminação durante o processo das filmagens e assim por diante.

Com o passar do tempo, já razoavelmente dominando as técnicas cinematográficas, começou a trabalhar como assistente dos diretores consagrados da companhia, principalmente, José Carlos Burle, que terminou por lhe proporcionar sua primeira chance real: dirigir duas sequências musicais, uma com Dick Farney cantando o sucesso Alguém Como tu, e outra, com Nora Ney interpretando seu arrasador sucesso Ninguém me Ama; ambos os números foram aproveitados no filme arrasa-quarteirão Carnaval Atlântida (1952), um dos maiores sucessos da companhia. Para sorte de Manga, Burle, com problemas na equipe (principalmente com Oscarito, astro maior da Atlântida), foi demitido antes dos términos das filmagens, possibilitando que o jovem iniciante dirigisse a última cena do filme.

Sua participação em Carnaval Atlântida foi fundamental para sua carreira; no ano seguinte, 1953, teve a sua grande oportunidade, quando foi escalado para dirigir o filme A Dupla do Barulho, que conta os percalços de uma dupla de artistas itinerantes que procuram a fama e a fortuna, Tonico (Oscarito) e Tião (Grande Otelo), que foi bastante bem nas bilheterias por todo o Brasil, o que de nada lhe adiantou, pois que logo foi demitido da companhia por ter namorado a atriz principal, Edith Morel (que não fez carreira), quebrando um dos tabus dos estúdios Atlântida.

Isso por pouco tempo; logo no ano seguinte, novamente contratado, dirigiria dois dos maiores sucessos da companhia, duas sátiras memoráveis, Matar ou Correr e Nem Sansão, Nem Dalila, o que tornou o diretor uma celebridade nos meios cinematográficos da cidade.


O jovem “faz tudo” dos estúdios era agora adulado por todo o mundo, principalmente por aspirantes a atores e atrizes, o sucesso lhe abrindo até as portas da alta sociedade do Rio de Janeiro.


Chanchada carnavalesca, Vamos Com Calma, um dos três filmes que ele dirigiu nesse ano de 1956 pela Atlântida, foi roteirizado pelo próprio Manga, secundado por José Cajado Filho, a partir da peça Cabeça de Porco, de Luiz Iglésias e Miguel Santos. Ele conta a história de dois vigaristas, Buscapé (Oscarito) e Sandra (Eliana Macedo) flagrados roubando a casa da grã-fina Madame Pixoxó (Margot Louro, mulher de Oscarito na vida real); ambos são orientados a se passarem por outras pessoas por Luís Carlos (Cyll Farney), interessado na filha da milionária. Buscapé se faz passar por um nobre inglês, Lorde Street Flash, por quem a ricaça se apaixona. Outro falso aristocrata, o príncipe Nico (Ivon Cury), aparece na história, outro vigarista de olho nas jóias da madame, que, supostamente, tinham pertencido a Catarina da Rússia, mas que, na realidade, não passavam de falsas pedras pertencentes à empregada da casa.


O filme ainda contava com diversos números musicais, interpretados por Emilinha Borba, Ataulfo Alves, Bill Farr, Ester de Abreu (uma cantora portuguesa que chegou a ser razoavelmente famosa na década de 50), Blecaute, Heleninha Costa, César de Alencar, Isaurinha Garcia, Francisco Carlos, Jorge Goulart, Nora Ney, Ruy Rey e outros. Fez grande sucesso, mas foi arrasado pela crítica. José Amádio, crítico de O Cruzeiro (18.02.56), assim resumiu o filme:

“Título genial, porque, em verdade, é preciso muita calma, algum sangue frio e exacerbada dose de nacionalismo puro para aceitar, sem azeite nem vinagre, a referida apoteose ao carnaval.”

Baseado na peça teatral de José Wanderley e Mário Lago com o mesmo nome, o segundo filme dirigido por Carlos Manga nesse ano – Papai Fanfarrão –, que, em síntese, conta a história de um casamento arranjado pelos pais para seus filhos ainda pequenos, contando no elenco com Oscarito, Margot Louro, Cyll Farney, Miriam Tereza, Sara Nobre e outros, já não foi tão bem nas bilheterias, talvez pela ausência de números musicais, já que foi feito fora do período de carnaval. De qualquer forma, Margot Louro ganhou o prêmio Governador do Estado de São Paulo como melhor atriz coadjuvante do ano por sua participação nesse filme.


Mas o estouro nas bilheterias para Carlos Manga viria mesmo é de seu terceiro filme, Colégio de Brotos, também uma comédia de meio de ano, roteiro de Alinor Azevedo a partir de um argumento de Dermival C. Lima. Contando no elenco com Oscarito, Inalda de Carvalho, Cyll Farney, Miriam Teresa, Francisco Carlos, Margot Louro, Renato Restier e grande elenco, o filme narra a história de Agapito (Oscarito), um faxineiro de um colégio interno que, sem querer, presencia um roubo de um tesouro, um lote de moedas incas guardadas pelo diretor do colégio, sendo acusado, injustamente, pelo roubo, ninguém acreditando nele, em virtude de ele ter como sonho ser novelista de rádio, bastante chegado a um exagero. O enredo do filme gira em torno da descoberta de quem roubou as moedas.

Segundo Sérgio Augusto, o argumento do filme, na realidade, nasceu de uma conversa entre o então ídolo das mocinhas brasileiras, o cantor Francisco Carlos, o “El Broto”, e o próprio Manga, o primeiro propondo ao diretor filmarem uma história passada num colégio interno, que, após roteirizado, se tornou um filme com todos os ingredientes das chanchadas: um ingênuo faxineiro (Oscarito), um diretor disciplinador (Afonso Stuart), o aluno exemplar(Edair Badaró), o mau aluno (Augusto César Vanucci), o professor-galã (Cyll Farney), o disciplinador (Renato Restier), que se revela ser o ladrão das moedas, o aluno que foge para cantar nas rádios (Francisco Carlos), as alunas do internato (Inalda de Carvalho, Miriam Teresa, Avani Maura), a secretária do diretor (Margot Louro) e assim por diante.

Algumas curiosidades cercam o filme: Inalda de Carvalho, eleita Miss Cinelândia” em 1953, ganhara como prêmio um contrato com a Atlântida, participando até então de três filmes: Matar ou Correr (1954), do próprio Carlos Manga; A Outra Face do Homem (1954), dirigido por J. B. Tanko; e Chico Viola Não Morreu (1955), filme dirigido pelo argentino Roman Viñoly Barreto, biografia romanceada do falecido cantor Francisco Alves, em que contracena com Cyll Farney e com uma lindíssima Eva Wilma. Após filmar Colégio de Brotos, a jovem atriz casa-se com o próprio diretor e abandona definitivamente o cinema.


Uma outra curiosidade é que o filme marcou a estreia como ator de Daniel Filho, que, mais tarde, se tornaria famoso como diretor de novelas na Rede Globo de televisão (e poderoso, por detrás dos bastidores, um garanhão pra ninguém botar defeito) após participar de diversos clássicos do cinema brasileiro, tais como Os Cafajestes (1962, direção de Ruy Guerra), Boca de Ouro (também de 1962, direção de Nelson Pereira dos Santos), Os Herdeiros (1971, direção de Cacá Diegues), Chuvas de Verão (1978, também de Cacá Diegues) e outros mais.


A terceira curiosidade, a mais importante na carreira de Carlos Manga: O filme se tornou um dos maiores êxitos de todos os tempos do cinema brasileiro, sendo visto, somente em sua primeira semana de exibição, por 250.000 pessoas em todo o país. A carreira de Manga como diretor, a partir desse filme, estaria para sempre consolidada.
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Assim que assume a direção da Vera Cruz, em março de 1955, por indicação do Banco do Estado de São Paulo, Abílio Pereira de Almeida tenta emplacar uma nova filosofia na combalida companhia, seguindo o exemplo da Maristela e da Multifilmes: produções de baixo orçamento e com boa qualidade, investimento em jovens diretores, além de criar uma outra companhia cinematográfica paralela à Vera Cruz – a Brasil Filmes –, que, além de se utilizar da equipe técnica, do maquinário e dos estúdios da co-irmã, tinha também o objetivo de servir de disfarce para que a nova empresa escapasse do contrato de distribuição, anteriormente firmado com a Columbia Pictures. Foi exatamente dentro desse espírito de sobrevivência que a Brasil filmes produziu em 1956 dois filmes de baixo orçamento: O Sobrado e Gato de Madame.

Apesar de contar com uma excelente equipe técnica e ter no elenco atores de qualidades, com destaque para Fernando Baleroni, Bárbara Fazio, Dionísio Azevedo, Lia de Aguiar, David neto, Lima Duarte, Zulmira Aguiar, José Parisi, Márcia Real, Rosalina Granja e outros, O Sobrado, mesmo tendo sido pago com o resultado da primeira semana de exibição em São Paulo, ficou aquém do desejado, um filme descosturado e, ao contrário do que pensavam seus realizadores, quase amador, constrangedor mesmo. Virou uma relíquia histórica sem reais qualidades. O crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva chegou a escrever que


Os dois traquejados profissionais [Cassiano Gabus Mendes e Walter George Durst] não evitaram que O Sobrado se tornasse tedioso e pouco expressivo”.


Gato de Madame atingiu seu objetivo; saiu-se muito bem nas bilheterias e fez o público dar boas gargalhadas. Dirigido por Agostinho Martins Pereira (que já dirigira Mazzaropi em A Carrocinha), baseado em argumento e roteiro do próprio Abílio Pereira da Almeida e contando no elenco com a magnífica Odete Lara (em sua estréia no cinema), Carlos Cotrim, Léo de Avelar, Gilberto Chagas, Aída Mar, Roberto Duval, Beyla Genauer (que se tornaria, mais tarde, um diva do teatro brasileiro), Inaijá Viana e grande elenco, o filme narra a história do engraxate Arlindo, um caipira com espírito de criança, constantemente xingado pela esposa lavadeira por sua inapetência com relação a dinheiro. Um dia, dirige-se à casa de uma grã-fina, madame Ivone, para entregar uma trouxa de roupas lavada, terminando por encontrar um gato ao procurar um jornal no lixo. Não sabia ele que o gato pertencia à grã-fina, disposta a pagar uma boa gratificação para quem lhe devolver o gato.


Afeiçoando-se ao gato, Arlindo o carrega consigo para uma feira livre, ocasião em que é visto com o animal procurado por madame por dois meliantes que o seguem até um botequim, após o qual tentam lhe comprar o gato. Avisado por um engraxate, a quem ajudara pouco antes a pagar uma conta, sobre a gratificação oferecida pela ricaça, Arlindo se desvencilha rapidamente, mas os dois bandidos não desistem e conseguem seqüestrá-lo, colocando-o em um carro e saindo em disparada.


Assim que chegam ao esconderijo dos bandidos, o gato foge, sendo, porém, logo capturado por Arlindo com a ajuda dos meliantes. Tentando cair nas graças dos bandidos, o engraxate procede a uma série de imitações de gângsteres norte-americanos, divertindo-os, sendo, inclusive, aceito no bando como um novo elemento. O que se passava, no entanto, é que o chefe da quadrilha o queria morto, fazendo com que Arlindo fugisse do esconderijo através de um buraco no forro, acabando por se encontrar em um centro espírita, em plena sessão; o líder do centro, faz com que ele, Arlindo, se fingisse de espírito, inclusive respondendo perguntas dos fiéis, fugindo, assim que percebe a chegada dos bandidos pelo mesmo forro, chegada essa que provoca a maior confusão no centro espírita. Após a fuga, e percebendo a presença de seus algozes, Arlindo se integra a um grupo de estudantes em excursão ao Museu do Ipiranga.

Enquanto o professor explica aos seus estudantes a importância de algumas personalidades históricas, Arlindo percebendo que os bandidos o cercam, ameaça-os com um canhão do museu, após o qual volta a se esconder junto aos alunos e ao professor, que, nesse momento, lhes mostra os retratos de Dom Pedro I e da Marquesa de Santos. Logo tem que fugir de novo, escondendo-se atrás de um canhão e dentro de uma liteira, após o qual, com as roupas de um guarda imperial, tenta enganar os bandidos. Não demora, ele se encontra sozinho nos vastos salões do museu, acabando por se recostar na cama de D. Pedro II, adormecendo.


Nesse meio tempo, ao passo que os amigos de Arlindo planejam como salva-lo, D. Pedro II sai da moldura e entabula conversa com o engraxate, oferece-lhe ajuda e sai com ele pelo museu até chegarem ao quarto de D. Pedro I, que, nesse momento, dança um minueto com a marquesa de Santos. Numa cena hilariante, Arlindo tenta ensinar à marquesa um outro tipo de dança, o quadradinho, despertando um inesperado ciúme no imperador, que o ameaça de morte, golpeando-o na cabeça. Arlindo acorda do sonho, continuando sua peregrinação pelo museu.
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Arlindo chega à casa da grã-fina, casa essa cercada por populares, que, em fila imensa, trazem os mais variados animais em busca da recompensa. Após ser encontrado pelos amigos engraxates e furar a fila, com os bandidos olhando-o sem poderem fazer nada, Arlindo consegue entrar no palacete da ricaça, vendo os convidados da madame se deleitarem à beira da piscina. Feliz com o retorno de seu gato, madame tenta pagar a recompensa com cheque; Arlindo recusa, preferindo dinheiro em espécie.

Durante um concurso de miss, para o qual Arlindo foi convidado para ser jurado, ele é apresentado pela ricaça a um amigo, Cícero, que é reconhecido por ele como o chefe da quadrilha. Enquanto discute com o fiscal do Imposto de Renda e com o agente da Companhia de Seguros sobre a montante que lhe caberá após os descontos – quase nada, na verdade –, a empregada chega com a notícia de que as jóias da grã-fina foram roubadas, Arlindo logo sendo preso, após revistado, com as jóias no bolso, obra do bandidão, claro, que lhe colocara as jóias no bolso sem que ele houvesse percebido.


No final do filme, os engraxates conseguem conduzir a polícia até o esconderijo dos bandidos que fogem pelo mesmo buraco do forro, dando no mesmo centro espírita, onde uma sessão estava em pleno andamento. Logo são capturados pelos policiais que haviam se disfarçado de "fiéis" do centro espírita. Arlindo é libertado e os bandidos trancafiados. Os engraxates e a esposa e a filha de Arlindo o cumprimentam. O prêmio recebido pela captura dos meliantes é repartido com os companheiros engraxates. Na última cena, um gato mia aos pés de Arlindo, mas ele o deixa de lado.


A estratégia de Abílio deu certo; a Brasil Filmes daria uma sobrevida razoável aos agonizantes estúdios da Vera Cruz, a outrora decantada "Hollywood brasileira."



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Com tudo de ruim acontecendo com os estúdios paulistas, Mazzaropi poderia, a exemplo de vários colegas, ter sua carreira interrompida de forma melancólica.


Poderia.


Só que, àquela altura, seu nome era sinônimo de chamariz de público e logo ele estava contratado pelos irmãos Eurides e Eudes Ramos, da Cinelândia Filmes, do Rio de Janeiro, e Oswaldo Massaini, da Cinedistri, de São Paulo, para protagonizar duas películas: O Fuzileiro do Amor e Chico Fumaça.


Sob a direção de Vítor Lima (também creditado a Eurides Ramos), contando no elenco com Nancy Montez (uma vedete daquelas boazudas que vivia na lista das certinhas do Lalau, interpretando a personagem com o curioso nome de Verinha Vogue), Carlos Tovar, o chanchadeiro Wilson Grey, Celeneh Costa (a mocinha, revelada no acima citado Colégio de Brotos), Roberto Duval, suzy Kirbi e outros, e recheado de números musicais a cargo de Cauby Peixoto (Onde ela Mora, de Getúlio Macedo e Lourival Faissal), Zezé Gonzaga (Linda Flor, de de H. Vogeler, L. Peixoto e M. Porto), Neuza Maria (Nova Ilusão, de Lana Bittencourt e J. Menezes), Trio Nagô (Saudade da Bahia, de Dorival Caymi), Mara Abrantes (Agora é Cinza, de Bide e Marçal), Chico Fumaça narra, em tons políticos levemente satíricos, a história de um ingênuo caipira, cuja vida, em uma cidadezinha pequena e pacata, é passar as tardes vendo os trens que por lá passavam até que um dia ele evita, por mero acaso, um grave acidente, terminando por salvar os passageiros da morte certa. Por seu gesto, vira um herói nacional e, como tal, enbarca para a capital federal, o Rio de Janeiro, envolve-se com mulheres fatais (do tipo de Verinha Vogue) e malandros que, na realidade, desejam roubá-lo. É também talvez o único filme em que um personagem de Mazzaropi se envolve com álcool, ocasião em que fica valente e agressivo). Além de ser um dos melhores filmes de Mazzaropi, Chico Fumaça foi muito bem nas bilheterias até no Rio de Janeiro, onde o público estava mais acostumado às chanchadas urbanas da Atlântida.
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Zézé Gonzaga interpretando "Linda Flor":















Neusa Maria interpretando Nova Ilusão.







Trio Nagô interpretando Saudades da Bahia.









Cena de Chico Fumaça.






Cena de Chico Fumaça.






Fuzileiros do Amor também não foge à regra de todos os filmes de Mazzaropi: um sujeito simples que ultrapassa as adversidades da vida com vivacidade e esperteza, saindo sempre vencedor, seja em questões monetárias, seja no amor. Neste filme ele é o sapateiro José Ambrósio, um sujeito modesto e caipira, que, para agradar o pai da namorada (Theresa Amayo), entra para o Corpo de Fuzileiros Navais para agradar ao pai da namorada, um sargento reformado. Só que, por suas inabilidades em sua nova ocupação, ele começa a ter problemas com o sargento-instrutor. E para piorar ainda mais as coisas,aparece em cena seu irmão, Ambrósio José, a essa altura já sargento do Corpo de Fuzileiros Navais. Confundido com seu irmão gêmeo, José Ambrósio transforma o quartel numa bagunça total.
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Com direção de Eurides Ramos, baseado no argumento/roteiro da dupla Victor Lima e Eurides Ramos, o filme traz ainda no elenco Margot Morel, Gilberto Martinho (que faria carreira na TV Globo quase sempre no papel de vilão), Roberto Duval, Pedro Dias, Wilson Grey e muitos outros, dentre eles alguns que fariam longas carreiras, tanto no teatro como no cinema e na televisão, como Agildo Ribeiro, Daniel Filho, Nick Nicola e Moacir Deriken. Os números musicais ficam a cargo de Ângela Maria (Adeus, Querido, de Eduardo Patané e Lourival Faissal), Margot Morel (Mambo Havaiano, de Generoso), Mazzaropi (Isto é Casamento, de Zé do Rancho e Dona do Salão, de Conde e Elpídio dos Santos) e Os Cangaceiros (Trabalha Mané, de José Luiz e João da Silva.

Ângela Maria em cena do filme Fuzileiros do Amor interpretando Adeus, Querido.



Pelos lados dos estúdios Maristela, Marinho Audrá parte resolutamente para as filmagens de Quem Matou Anabela?, mesmo sem a ajuda financeira de qualquer outro produtor; metera na cabeça que o argumento desenvolvido por Orígenes Lessa, posteriormente roteirizado por Miroel Silveira, era o veículo apropriado para lançar no Brasil a lindíssima atriz espanhola Ana Esmeralda, sua atual esposa, que conhecera durante o I Festival Internacional de Cinema do Brasil (realizado de 12 a 26 de julho de 1954 em São Paulo) e já com uma carreira cinematográfica na Espanha.

A atriz espanhola, desde sua infância, demonstrou seus pendores artísticos, inicialmente como bailarina; aos 13 anos de idade, resolvida a seguir a carreira com mais profissionalismo, se entrega de vez à dança, não demorando a ser chamada para participar, como profissional, do balé Rapsódia Espanhola, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoa na profissão com mestres da dança espanhola, com destaque para Luisa Pericet, que lhe serviu de mestra para o seu aperfeiçoamento no balé clássico espanhol, e La Kika, que lhe ensinou como escapar das armadilhas da dança flamenga.

Ana Esmeralda logo se torna conhecida na Espanha e, devido ao seu precoce sucesso, não demora a partir em tournée pela Europa, apresentando-se na Holanda, Bélgica, Noruega, Suíça, França e Inglaterra, país em que, ao atuar na BBC de Londres e no Savoy Theatre, recebe o convite para estrelar o filme El Amor Brujo (1949), sob a direção de Antonio Román, em que atua ao lado dos astros Manuel Aguilera e Elena Barrios. Essa, na realidade, fora sua segunda experiência cinematográfica, porquanto, sua estréia na sétima arte se dera no ano anterior, em um pequeno papel, no filme La Casa de las Sonrisas, direção de Alejandro Ulloa, em que contracena com Guillermina Grin, Isabel de Pomés e Alicia Palácios.


Com o sucesso de seu segundo filme, a carreira de Ana Esmeralda deslancha, participando, em seu país, de outros quatro filmes, Lola, la Piconera (direção de Luis Lucia, 1952), Bronce y Luna (direção de Javier Setó, 1953), Maria Dolores (direção de José María Elorrieta, 1953) e Siempre Carmen (1954), filme de Giuseppe Maria Scotese, em que contracena com Fausto Tozzi e ganha seu primeiro papel principal e se torna um sucesso internacional, inclusive no Brasil.

O sucesso do filme fez com que ela viesse representar a Espanha no aludido I Festival Internacional de Cinema do Brasil, ocasião em que Marinho Audrá a conhece, se apaixona e se casa com ela. Quem Matou Anabela? foi o veículo que Marinho escolheu para que a estrela espanhola lançasse sua carreira no cinema nacional.

Além de uma estrela internacional, o filme tem outra particularidade: seu diretor, o cineasta húngaro Ákos D. Hamza (1903 – 1993), que, após trabalhar no cinema com René Clair e se destacar como cenógrafo, produtor e assistente de direção, estréia na direção, em 1941, com o filme Büños Vagyok!, início de uma série de filmes que ele dirigiria em seu país, a maioria comédias de costume, o que não o impedia de abordar temas de cunho progressistas em suas obras, com destaque para a questão social, a condição feminina, a vida na periferia, a ficção científica, a resistência ao nazismo e outros mais.

Depois da segunda guerra mundial, Hamza abandona a Hungria com destino à França; nesse novo país, dirige um filme sobre o holocausto, Nous Marchons e faz um roteiro em parceria com Jean Paul Sartre intitulado Les Mains Sales (sem crédito, 1951), filme dirigido por Fernand Rivers, após o qual se muda para a Itália onde filma Strano Appuntamento (1950), baseado em um romance de Vittorio Calvino, filme que marca a estréia de uma das estrelas italianas da década de 50, Rossana Podestá. Após ficar alguns anos sem filmar, o veterano cineasta aceita o convite de um insinuante produtor brasileiro – obviamente Marinho Audrá – para filmar no Brasil, prontamente se encarregando de dar vida a Quem Matou Anabela?


Contando também no elenco com Procópio Ferreira, Jaime Costa, Olga Navarro, Carlos Cotrin, a estrela do teatro paulista Nídia Lícia, Aurélio Teixeira, Carlos Zara e a estrela negra Ruth de Souza, o filme da Maristela, co-produzida pela Columbia Pictures, em clima de filme noir, com bela fotografia de Ferenc Fekete, conta a história do assassinato da bailarina Anabela (Ana Esmeralda), cujo corpo foi encontrado à beira de uma represa em São Paulo. O comissário de polícia encarregado do caso (Procópio Ferreira), ao interrogar os moradores da pensão em que a bailarina morava, se vê confrontado com histórias diversas sobre a personalidade da vítima, muitos entrando em contradição, fazendo com que a investigação se tornasse mais complicada com o passar dos dias. O final é surpreendente.

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Parecendo antever o que aconteceria com seu projeto, a Maristela, em junho do ano anterior, tentara, junto aos órgãos competentes, que os preços dos ingressos para os filmes nacionais fossem liberados e, caso fosse impossível, que a liberação se desse ao menos no caso de Quem Matou Anabela? O argumento dos estúdios era que, para produzir a película, eles tinham contratado o maior elenco de artistas já reunidos para um filme nacional, além de terem montado “o maior cenário já construído por uma produtora brasileira, abrangendo dois estúdios de 800 metros quadrados”. Alegavam também que, para realizar o filme, eles tiveram que importar máquinas e equipamentos cinematográficos da Itália, o que o tornaria ainda mais dispendioso. Obviamente não conseguiram o que queriam, porém Marinho não desanimou, tocando o projeto assim mesmo.

Custando a respeitável quantia de CR$ 4.000.000,00, a maior parte do dinheiro vinda da própria Maristela (o produtor Alfredo Palácios financiou parte da produção), o filme, não obstante suas qualidades, foi um grande fracasso nas bilheterias, o que tornou a situação da companhia ainda mais complicada. Com o fracasso de outra co-produção realizada com a Columbia, também de 1956, o documentário de longa-metragem dirigido pelo próprio Alfredo Palácios, Getúlio, Glória e Drama de Um Povo (após violenta campanha do jornal O Estado de São Paulo, jornal antigetulista até a medula), com o relativo fracasso de outra produção da companhia, A Pensão de D. Stela (também direção de Alfredo Palácios, com Jaime Costa, Maria Vidal, Randal Juliano, Liana Duval, Adoniran Barbosa e Lola Brah), de nada adiantou o razoável sucesso de Leonora dos Sete Mares (direção de Carlos Hugo Christensen, também realizado nesse ano de 1956, baseado em peça de Pedro Bloch, contando no elenco com Arturo de Cordova, Suzana Freire, Heloísa Helena, Rodofo Mayer, Henriete Morineau, Jardel Filho, Bibi Ferreira, Modesto de Souza, Anilza Leoni, Osvaldo Louzada, Sara Nobre e Afonso Stuart); a Maristela se vê em um beco quase sem saída. O que fazer no próximo ano para que a companhia não fechasse definitivamente suas portas?

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Ainda antes da estréia de Rio 40 Graus, que aconteceria em março de 1956, a celeuma com relação ao filme ainda continuava pela imprensa. Em 14.01.56, Pedro Lima, em sua crítica publicada em O Cruzeiro, escreveu a respeito do filme:



“Conforme previmos, o filme Rio 40 Graus foi prejudicado, não entrando em julgamento por um ato arbitrário do ex-chefe de polícia, e porque a comissão encarregada de premiar os melhores de 1955 fez vista grossa sobre o Artigo 7º do Regulamento, que manda julgar o ‘filme de longa-metragem que tenha sido aprovado e classificado como de boa qualidade pela censura do DFSP’. Ora, o filme em questão foi aprovado e julgado de boa qualidade e só, posteriormente, proibida a sua exibição, o que, em absoluto, não invalida o julgamento anterior."
Pedro Lima voltaria à carga no número seguinte da revista (21.01.56):

“Como fizeram os juízes com assento na Câmara Civil também assisti à película e nada deparei que objetivamente caiba na proibição de ‘propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou classe, a que se refere o parágrafo 5º do Artigo 141 da Constituição, que é o limite que deve ter tido em conta para obstaculizar a divulgação da criação e inteligência, a par do genérico da moralidade pública que é inerente ou implícito a qualquer forma de vida em sociedade’ (...)”
O filme, na realidade, foi liberado no apagar das luzes do ano anterior, exatamente no dia 31.12.1955. O juiz que liberou o filme salientou em sua sentença que “as imputações formuladas à película pecam por seu desarrazoado e algumas são até falsas”. Disse o juiz ainda mais:
“Talvez, quem tiver más idéias na cabeça possa ver na película, colaborativamente, o que nela não está expresso. Mas quem a vir com a mente neutra, sem preconceito ou prejuízo – como é de presumir que seja o caso da maioria maciça dos expectadores e como foi o do juízo que compareceu à sala de projeção para assistir de olhos desarmados, sem as lentes da prevenção – nada deparará de grave a merecer a providênciadrástica adotada (...)”

Quando a fita estreia em março de 1956, os cinemas, no início, ficam abarrotados de gente, a maioria querendo conhecer o motivo de tanta celeuma. Muitos esperavam ver sexo, mulheres peladas e outras apelações e, quando viam que não era nada disso, saíam do cinema xingando o filme e reclamando de propaganda enganosa. Em poucos dias, as platéias foram rareando até que o filme foi retirado do circuito sem o esperado grande sucesso.

Após a estreia, em 07.04.56, Pedro Lima, de forma razoavelmente elogiosa, voltaria a escrever no O cruzeiro a respeito da película e seus problemas com relação ao público:
“A exibição de ‘Rio 40 Graus’, apesar do sucesso de bilheteria registrado, não agradou ao público que ali foi mais pela curiosidade de conhecer as causas de sua proibição do que mesmo pelos seus valores. E muitos reclamaram que o filme teve muitas cenas cortadas, motivo pelo qual não o acharam tão bom assim... Ora, o filme não sofreu nenhum arranhão, senão aqueles que tiveram suas cópias com as exibições antes da liberação. E foi pena que assim acontecesse, porque se o seu diretor tivesse coragem ou fosse mais senhor da linguagem cinematográfica, teria retirado sequências inteiras e cortado cenas que não condiziam com a qualidade e o nível demonstrado em quase toda a sua estrutura.
Mas, examinando-se ‘Rio 40 Graus’ dentro do panorama nacional, vamos colocá-lo entre os que marcam etapas na nossa indústria, sendo as suas melhores realizações e que o filme trouxe para o nosso cinema um progresso que não ficou marcado pelos recursos materiais, seja de dinheiro, seja de maquinaria, mas fruto da inteligência e dos conhecimentos gramaticais do filme (...) Filme de amadores, ‘Rio 40 Graus’ também foi o nosso único filme desenrolado num dia, onde a ação serve para mostrar a vida com seus problemas (...) Dizem que ‘Rio’ ... segue mais de perto a técnica de ‘Um Dia de Domingo’. Mas, isso não desmerece a sua realização, porquanto em um está retratada mais a vida de uma família, e no outro são mostrados aspectos da cidade com os dramas da gente humilde."

Entretanto, a crítica mais devastadora sobre o filme partiu do crítico de O Globo, Otávio Bonfim, certamente um jornalista de direita; Denominando o filme de Nelson de "pretensioso", "faccioso", "maçante" e outras adjetivações, em sua crítica nesse jornal (17.03.1956), ele foi contundente e impiedoso:
“Transformado em um divisor de opiniões, ‘Rio 40 graus’ sofre os efeitos perniciosos de uma publicidade artificial. Recebido com efusão por certo público intelectualizado, mas igualmente repelido por ponderável setor da elite cinematográfica, o filme não vem agradando ao público em geral. Primeiro sintoma de que não preenche a finalidade de divertir. Mas o desapoio do povo não teria importância se resultasse da incompreensão proveniente do alto valor técnico e artístico da obra. Todavia, ele advém das falhas e inconsistência extrínsecas e intrínsecas que a película apresenta.

Pretensioso e faccioso, ‘Rio 40 Graus’ é, sobretudo, uma realização maçante, defeito irremediável numa obra artística, além de não ser criação original. Historicamente, pode valer como a primeira tentativa de fazer neo-realismo brasileiro, no estilo de alguns cineastas italianos, se bem que o resultado não seja mais que uma contrafação dos vícios dessa escola, hoje algo desacreditada em face dos exageros e explorações forçadas por um sectarismo ideológico estiolante.
Querem-lhe atribuir posição importante no panorama cinematográfico brasileiro, representando uma experiência nova, capaz de abrir outros horizontes para nossas produções. Entretanto, não sabemos por que falar em novidade se o filme é decalcado em estilo importado. Num campo comparativo, só não seria lícito estabelecê-las com as chanchadas carnavalescas que temos visto ultimamente, ou algumas comédias da pior categoria que têm sido impingidas ao público, pois em ‘Rio 40 Graus’, bem ou mal, há esforço realizador. Mas dar-lhe posição de destaque seria desmerecer filmes como ‘Amei um Bicheiro’, ‘Floradas na Serra’, ‘Na Senda do Crime’, ‘Mãos Sangrentas’ e ‘Sinhá Moça’ – isso deixando de lado o sempre lembrado ‘Cangaceiro’ – os quais, embora com sensíveis deficiências, são películas de muito bom nível.
(...)

Outrossim, não se pode deixar de focalizar o sentido intencionalmente negativo e faccioso da fita, tudo de acordo com os interesses do mencionado sectarismo ideológico que aniquila a escola neo-realista.
Em suma: ‘Rio 40 Graus é, antes de tudo, um filme maçante, conquanto seja panfletário, também.”

A polêmica, no entanto, passava ao largo de Nelson; logo ele estava em altas atividades, preparando-se para filmar, no ano seguinte, o que seria a segunda parte de sua suposta trilogia, Rio Zona Norte.