20.10.08

UM CINEMA SEM FUTURO?

Não muito tempo depois, saber-se-ia que o panorama da produção cinematográfica brasileira nunca mais seria o mesmo; logo nos primeiros anos dessa década, o cinema brasileiro entraria em uma fase de criatividade e qualidade de suas produções que rivalizaria com as melhores do mundo. Mas, ao se analisar os filmes nacionais lançados no país nesse ano de 1960, qualquer pessoa com nível de cultura mediano ficaria absolutamente desanimado. Dos 29 filmes (ou 30 conforme a fonte) produzidos e/ou exibidos, a maioria era constituída por produções toscas, de péssimo gosto, tolamente concebidas, quase todas recebidas com indiferença pelo grande público. Por mais incrível que pareça, mesmo estando à beira da extinção, certas chanchadas, pouquíssimas na realidade, ainda foram os melhores lançamentos do ano, graças, basicamente, ao talento de alguns de nossos atores e diretores. Foi um ano para se esquecer, cinematograficamente falando.

Vinda dos Estúdios Atlântida, Dois Ladrões é um exemplo do que se disse acima. Uma chanchada despretensiosa que, graças ao talento de seus atores, principalmente de Oscarito e Eva Todor, e da eficiente direção de Carlos Manga, fez bastante sucesso de público e, atualmente, é considerada pela crítica e historiadores do cinema nacional uma dos melhores exemplos do gênero.Baseado em um argumento de Cajado Filho, o filme conta as aventuras de um ladrão educado e sofisticado, conhecido por "Mão Leve" (Cyll Farney) e seu simplório e ingênuo parceiro Jonjoca (Oscarito). A dupla ganha a simpatia do público por roubarem dos ricos para dar para os pobres, ou seja, tira de quem tem para dar a quem não tem. Acontece que o hones-to Roberto (Sérgio Roberto, que faria somente mais um filme, Aí Vem a Alegria, também de 1960, dirigido por Cajado Filho), irmão de "Mão Leve", quer estudar no exterior, um sonho impossível pela falta de dinheiro. Querendo ajudá-lo a concretizar seu sonho, sem que ele saiba da origem da grana o simpático ladrão planeja um grande golpe com a ajuda de Jonjoca, relacionado com a milionária Madame Gaby (Eva Todor). Numa das cenas consideradas antológicas do cinema brasileiro, onde Oscarito demonstra seu talento superior, Jonjoca, que tenta se passar por Madame Gaby, ao se encontrar com ela em um corredor, faz uma perfeita imitação dela, captando, minuciosamente, alguns pequenos detalhes dos trejeitos da atriz, o que transforma a cena num show de humor, irreverência e talento. É realmente uma cena hilária.

E como toda chanchada que se preze, há ainda o encrenqueiro vilão da história, Gregório (Jaime Filho), com contas a acertar com "Mão Leve", ensejando muitas correrias, sopapos e pontapés, a impagável presença de Ema D’Ávila no papel de Madame Fortuna, e a participação no elenco de Jaime Costa (Panariço), Irma Alvarez no papel da mocinha Leninha, mais Augusto Valentim, Fernando Cruz, Lenita Inteligente, Átila Iório e outros mais. Mesmo sem números carnavalescos, foi um dos maiores sucessos populares do ano.


Irma Alvarez e Cyll Farney em cena do filme Dois Ladrões.





Oscarito, Eva Todor e Ema d'Ávila em cena do filme Dois Ladrões.




Oscarito e Eva Todor na mais famosa seqüência de Os Dois Ladrões.








Também da Atlântida, aproveitando a notoriedade alcançada pelo rinoceronte Cacareco, Carlos Manga dirigiu o fraquíssimo Duas Histórias (Cacareco Vem Aí), baseado em um argumento de Chico Anysio, roteirizado pelo próprio Manga (auxiliado por Sanin Cherques), que fez pouco sucesso de público, demonstrando o esgotamento do gênero. Cacareco (Oscarito) trabalha na tinturaria "Brasilha", do português Rebuçado Duarte de Moraes, o típico português das anedotas que o brasileiro criou. Como de costume em várias chanchadas brasileiras, que sempre teve a obsessão de mostrar a chegada de migrantes à cidade grande, uma ambiciosa sobrinha de Cacareco, Maria do Socorro (Sônia Mamede), vem do norte disposta a vencer na carreira artística no Rio de Janeiro. Depois de muitas estrepolias, com a ajuda do tio Cacareco, Maria do Socorro consegue o patrocínio da tinturaria "Brasilha" e se transforma em grande estrela da televisão. Completam o elenco o galã Cyll Farney, Odete Lara (pronta para se transformar na grande estrela do cinema nacional), Chico Anysio, Grijó Sobrinho, Jayme Moreira Filho e outros.

Como estava acontecendo com a Rádio Nacional e com seus artistas, os novos tempos não dariam sobrevida à Atlântida, que lançaria somente mais quatro filmes: Quanto Mais Samba Melhor (1960, dirigido por Carlos Manga), Entre Mulheres e Espiões (1961, também dirigido por Manga), As Sete Evas (1961, último filme dirigido por Carlos Manga para os estúdios) e Os Apavorados (1962, direção de Ismar Porto). Posteriormente, em 1975, seria lançado Assim Era a Atlântida, produção inspirada no espetacular sucesso, lançado pouco antes pelos estúdios MGM, Era uma Vez em Hollywood. Dessa forma, no formato de uma aventura saudosista, terminava, na década de 60, inexoravelmente, uma das mais brilhantes trajetórias de um estúdio do cinema nacional. A Atlântida chegava ao fim.
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As outras chanchadas desse ano de 1960 que ainda poderiam ser citadas, algumas quase indigentes, não vieram dos estúdios Atlântida, mas, sim, de outras companhias (por exemplo, Marido de Mulher Boa, da produtora Herbert Richers Produções Cinematográficas, filme dirigido por J. B. Tanko, contando, no elenco com Zé Trindade, Renata Fronzi, Zeloni, Wilson Grey, Luely Figueiró e outros. Sylvia Telles participa desse filme em número musical cantando Se é Tarde, me Perdoa, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscolli), mais precisamente da Cinedistri, de Oswaldo Massaini, que imitava em tudo as produções da famosa rival, a essa altura, como visto, em franca decadência: Dona Violante Miranda, Samba em Brasília, A Viúva Valentina e Virou Bagunça.

Zé Trindade e Renata Fronzi em cena do filme Marido de Mulher Boa.








Lilian Fernandes em cena do filme Marido de Mulher Boa.





Lúcio Alves em cena do filme A Vizinha do Lado.





Sylvia Telles interpretando Se é Tarde, me Perdoa.







Mais um veículo para as estrepolias de Dercy Gonçalves, Dona Violante Miranda, baseado na peça homônima de Abílio Pereira de Almeida, escrita sob encomenda para a comediante em 1958, conta a história de dona Violante (Dercy Gonçalves), proprietária de um bordel onde uma prostituta, ao morrer, deixa uma filha órfã, Josette (Odete Lara), aos seus cuidados, criada como neta pela cafetina com todos os mimos e caprichos. Ao mesmo tempo em que fecha seu bordel, dona Violante envia a garota para estudar na Europa, onde é educada como uma garota de posses. Ao voltar para o Brasil, Josette, com ares de "socialite", se apaixona pelo neto de um decadente fazendeiro que, no desenvolver da história, termina por lhe revelar o passado de sua falsa avó. Não agüentando o desprezo da suposta neta, Violante se vinga, desmascarando o coronel, revelando ser ele um antigo e assíduo frequentador do bordel. No final, revoltada com os falsos padrões morais da aristocracia, Dona Violante Miranda volta às suas antigas atividades, abrindo, dessa feita, uma casa de prostituição de alto luxo.

Como quase todas as peças de Abílio, Dona Violante Miranda é uma comédia com veleidades de crítica social, dessa feita uma ex-prostituta que ascende socialmente em oposição a uma família da burguesia rural decadente. Foi sucesso em todo o país.

Samba em Brasília, uma comédia musical carnavalesca dirigida por Watson Macedo, baseada em um argumento e roteiro desenvolvidos pelo próprio dir
etor, auxiliado por Ismar Porto, narra as aventuras de Tereza, papel interpretado por Eliana Macedo (1926 - 1990), porta-bandeira da escola de samba do morro em que vive, que abomina sua vida pobre (sintetizada em uma fala do filme em que desabafa: "Grande vida! Subindo e descendo morro com lata d’água na cabeça e jogando no bicho, na esperança de ficar rico."), sonhando com a vida no asfalto e em pertencer ao mundo da alta sociedade, casando-se com um homem rico. Sua oportunidade aparece quando consegue substituir uma parente que trabalhava na mansão de Eugênia (Heloísa Helena), iniciando um romance com seu filho Ricardo (Geraldo Mayer), em detrimento de Valdo, papel de Herval Rossano (1935 - 2007), a quem ama, mas que é pobre.

Uma seqüência bem divertida no filme tem como protagonistas Eliana e Heloísa Helena (1917 - 1999): após ser despedida por ter colocado muita pimenta nos salgadinho
s servidos aos convidados de uma recepção, Tereza despreza o gesto da patroa, dizendo-lhe que seu santo era forte. Eugênia, alucinada para entrar na lista das dez mais elegantes do colunista social Dagô (Paulo Celestino), deduz que Tereza é chegada a uma macumba e a contrata para fazer alguns "despachos" para alcançar seu intento. E, para sua surpresa, ela realmente consegue realizar seus sonhos. Como em, praticamente, em todas as chanchadas, Tereza, no final da história, volta aos braços do namorado pobre, chegando à conclusão de que sua verdadeira felicidade está no morro e nos braços de Valdo.

O filme é recheado de números musicais: Samba em Brasí
lia (Bené Nunes/Marino Pinto), com Eliana Macedo e Bené Nunes; Tudo é Ilusão (Haníbal da Silva/Éden Silva/Tufic Lauar), com Odete Amaral; Brasil, Fonte das Artes (Djalma Costa/Éden Silva/Nilo Moreira), samba-enredo do Salgueiro de 1956 (que entrou na história da música popular brasileira por ter sido o primeiro samba-enredo a ser gravado comercialmente por uma cantora, Emilinha Borba), interpretado pela escola de samba do morro onde se desenvolve a história; Novo Dia (Éden Silva/Djalma Costa/Oldemar Magalhães), também com a escola de sam
ba do morro; Fechei a Porta (Sebastião Motta/Francisco Santos), sucesso do carnaval desse ano na voz de Jamelão, no filme interpretado por Herval Rossano acompanhado pela escola de samba do morro; Favela Amarela (Jota Júnior/Oldemar Magalhães), com Aracy Costa, outro grande sucesso no carnaval desse ano. Completa o quadro musical uma composição mais que extemporânea, Não Quero Mais Amar, versão de Ramalho Neto para um grande sucesso do cantor norte-americano Johnny Ray - I'll Never Fall in Love Again -, interpretada por "El Broto" Francisco Carlos (1928 - 2003).

 

Odete Amaral interpretando Tudo é Ilusão.



 



Emilinha Borba interpretando Brasil, Fonte das Artes, primeiro samba-enredo a ser gravado por uma cantora.






Jamelão interpretando Fechei a Porta.








Johnny Ray interpretando I'll Never Fall in Love Again.


 


Dercy Gonçalves estava mesmo em todas (só nesse ano de 1960, ela participaria de quatro filmes). Em mais uma produção de Oswaldo Massaini (filmada, incrivelmente, nos estúdios da Atlântida), dirigido por Eurides Ramos, também autor do argumento e do roteiro, a atriz seria a protagonista de A Viúva Valentina, interpretando a viúva do título que trabalha duro como costureira. Sobrevivendo às custas de seu trabalho. Seu único bem, herança do falecido marido, era um lote de ações sem valor de uma empresa de São Paulo que, depois de um período de dificuldades, se torna uma grande empresa, razão pela qual suas ações se valorizam violentamente, podendo, inclusive, dar a maioria a quem as conseguissem. Como sói, aparecem dois capitalistas dispostos a tudo para obterem as 10 ações, o doutor Saraiva (Jayme Costa) e Figueiredo (Humberto Catalano). A luta dos dois para porem as mãos as mãos nas ações e, com isso, dominarem a empresa é intensa, ambos chegando a um verdadeiro leilão em busca de seu intento. Nos finalmentes, um dos concorrentes, viúvo, leva a melhor, ao conquistar o coração da viúva acionista.



Diferentemente de outras chanchadas, A Viúva Valentina conta com somente dois números musicais, És Tudo Para Mim, composição de Nelson Gonçalves e Pedro Moacyr, interpretada por Nelson Gonçalves, e Ai, Diana (Costa Neto), apresentado pelo Trio Irakitan; o elenco ainda traz o galã das produções de Massaini, Herval Rossano (futuro todo poderoso diretor de novelas da Rede Globo e de outras emissoras), Francisco Dantas, Mara di Carlo, Wilson Grey, Duarte de Moraes (mais uma vez na pele de um português), Alfredo Viviani e outros mais.


Nelson Gonçalves interpretando És Tudo Para Mim.





Outro sucesso de Dercy nesse ano de 1959 foi Entrei de Gaiato (direção de J. B. Tanko, com Zé Trindade, Costinha, Roberto Duval, Evelyn Rios e outros completando no elenco. O enredo é o seguinte: Com o carnaval carioca fervendo e para proveitar a agitação, um grupo de engraçados mestres do conto do vigário resolve aplicar um golpe milionário num hotel de luxo. Mas eles não contavam com a presença de uma falsa ricaça e sua bela sobrinha e uma dupla de ladrões internacionais de jóias que está sendo investigada pela polícia. Está formada a confusão.


Dercy Gonçalves em cena do filme Entrei de Gaiato.



 

Dercy Gonçalves, em cena do filme Entrei de Gaiato.






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Em meados da década de 50, um conjunto vocal e instrumental vindo do nordeste, da cidade de Natal, apareceu com força no cenário musical brasileiro, inclusive com diversas incursões no cinema, seu sucesso, inclusive, ultrapassando os anos seguintes, existindo, com outros integrantes, até os dias de hoje. O Trio Irakitan.Formado, inicialmente, por Edinho (1930-1965) no violão, Paulo Gilvan (1930) no afoxé e João da Costa Neto, o Joãozinho no tantã (também nascido em 1930), o trio, originalmente com o nome de Trio Muirakitan, iniciou sua carreira artística, no início da década de 50, ainda no nordeste, apresentando-se em emissoras da cidade de Recife, mais precisamente na Rádio Clube de Recife e na Rádio Jornal do Comércio.


Pouco tempo depois de formado, o trio saiu em excursão por diversos países da América Latina e do Caribe, perambulando pela região durante três anos, permanecendo, só no México, cerca de um ano, onde se apresentavam em boates e até na televisão. Nesse último país chegaram a participar, em 1953, de um famoso filme – Llevame em tus Brazos – dirigido por Júlio Bracho, com fotografia do legendário Gabriel Figueiroa, e que conta com um poderoso elenco, com destaque para Ninón Sevilla, Andrés Soler, Carlos López Montezuma Armando Silvestre, Andrea Palma e Rodoffo Acosta.

Ninon Sevilla, em cena de Llevame en tus Brazos.











Com a experiência adquirida nesses anos, em 1954, voltam ao Brasil, mudando-se para o Rio de Janeiro, logo sendo contratados para integrar o elenco da Rádio Nacional. Com a notoriedade alcançada em suas apresentações na poderosa emissora, pouco demorou para serem contratados pelo selo Odeon, lançando, nesse mesmo ano, seu primeiro 78 rpm, contendo, no lado A, o bolero de sucesso mundial Contigo na Distância, em versão do próprio Paulo Gilvan, e, no lado B, o baião Sina de Cangaceiro, de autoria de Joãozinho e de seu sobrinho Paulo Gutemberg. Gravam, em seguida, outro 78 rpm, dessa feita trazendo o bolero Sinceridade, de G. Perez, versão de Ghiaroni, e a toada Sodade Doida, de Hianto de Almeida e Francisco Anísio. Ainda nesse mesmo ano, a gravadora lança seu primeiro Long Playing intitulado Vozes e Ritmos do Trio Irakitan, com destaque para a gravação de Valsa de uma Cidade, a singela homenagem de Antônio Maria e Ismael Neto à cidade do Rio de Janeiro:

"Vento do mar e o meu rosto no sol a queimar, queimar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz
Bem que eu quis escrever um poema de amor
E o amor estava em tudo o que vi
Em tudo quanto eu amei
E no poema que eu fiz
Tinha alguém mais feliz que eu
O meu amor
Que não me quis."

Trio Irakitan interpretando Valsa de uma Cidade.






Pedro infante interpretando Contigo en la Distancia.



 


No ano seguinte, em 1955, o grupo lança uma infinidade de músicas, o samba-canção Segredo (Herivelto Martins/Marino Pinto, o bolero Te Sigo Esperando (Manolo Palos), os sambas Ave Maria no Morro (Herivelto Martins) e Os Quindis de Iaiá (Ary Barroso), as canções natalinas Feliz Natal... Boas Festas (Irani de Oliveira/Lourival Faissal) e O Natal Chegou (Costa Neto/Edson França), ao mesmo tempo em que também lançam seu segundo Long Playing – Três Vozes Que Encantam – quase todo com músicas já lançadas em 78 rpm, como as já mencionadas Ave Maria no Morro, Sina de Cangaceiro, Te Sigo Esperando e Segredo. Data também desse ano a participação do trio no filme-homenagem da Atlântida (em co-produção com a Argentina) Chico Viola Não Morreu, dirigido pelo diretor argentino Román Vañoly Barreto, que contou ainda com a participação de Cyll Farney no papel principal, secundado por Inalda de Carvalho, Wilza Carla, Edson França, Wilson Grey, Heloísa Helena, Eva Wilma e grande elenco. Nesse filme, o trio interpreta a canção O Mar, de autoria de Dorival Caymmi.

Dorival Caymmi interpretando O Mar.








Trio Irakitan interpretando Segredo.






Trio Irakitan interpretando Ave Maria no Morro.



 

Trio Irakitan interpretando Os Quindins de Iaiá.






A partir desse ano, o trio participaria de dezenas de filmes dentre os quais Rio Fantasia (1957), de Watson Macedo, em que divide o papel principal com a estrelíssima Eliana e interpreta as músicas Assim é Meu Rio, Hino ao Músico, B com A, Oh! Lia, Andorinha Preta e Os Quindins de Iaiá; Absolutamente Certo (1957), de Anselmo Duarte, interpretando Agora é Cinza (Bide/Marçal) e o baião Zezé (Humberto Teixeira/Caribé da Rocha); Alegria de Viver (1958), nova comédia musical de Watson Macedo protagonizada, uma vez mais, por Eliana, no qual o trio canta outro baião – O Baião do Negrinho -, composição de Ayrton Ramalho; Quem Roubou Meu samba (1959), dirigido por José Carlos Burle (secundado por Hélio Barroso), elenco encabeçado por Ankito, Maria Vidal e Nancy Wanderley, onde os rapazes do trio interpretam Eu Vim Morar no Rio, seu sucesso de autoria de Hianto de Almeida e Chico Anísio; Minervina Vem Ai (1959), direção de Eurides Ramos, em que cantam a música Adeus América (Haroldo Barbosa/Geraldo Jacques) e, por fim, Garota Enxuta, também de 1959, direção de J. B. Tanko, interpretando, dentre outras, Touradas em Madrid, de João de Barro e Alberto Ribeiro.


Trio Irakitan e Eliana interpretando Os Quindins de Iaiá, no filme Rio Fantasia






Dercy Gonçalves e Norma Blum em cena do filme Minervina Vem Aí.







Trio Irakitan interpretando Adeus, América.



 


Trio Irakitan interpretando Touradas em Madrid.








Nesse ano de 1960, o trio participaria de cinco filmes: A Viúva Valentina, cantando, conforme acima mencionado, a música Ai, Diana (Costa Neto); Entrei de Gaiato, direção de J. B. Tanko, interpretando Caixinha de Bom Parecer; Pistoleiro Bossa Nova, com direção de Victor Lima, em que cantam a música A Lapa de Outrora, além do anteriormente comentado filme Tudo Legal, também dirigido por Victor Lima.

O último filme em que o Trio Irakitan participaria nesse ano de 1960, dessa feita também como protagonista, foi Virou Bagunça, com direção de Watson Macedo, argumento, roteiro e diálogos a cargo do próprio Watson, secundado por Ismar Porto, que conta a história de três cantores (o próprio Trio Irakitan) – o Trio Gerimum – acidentalmente tomados por deputados nordestinos quando chegam a uma estação de televisão. Assim que o equívoco é resolvido, uma vedete (Nena Napoli), louca por publicidade, os contrata como divulgadores de sua estréia teatral, mas, na realidade, pensando em ser vítima de um falso seqüestro. Como todas as chanchadas que se prezam, as confusões se avolumam com a chegada de um general maluco, um grupo de revolucionários barbudos e um cangaceiro. Também, como sempre, o final é feliz. Completam o elenco a excelente comediante Nádia Maria, Zezé Macedo, Mozael Silveira, Paulo Celestino, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, o futuro astro principal do clássico do cinema novo Vidas Secas, Átila Iório, Roberto Duval e grande elenco.

Virou Bagunça é outra chanchada recheada de números musicais, destacando-se Eu Vim Morar no Rio (Hianto de Almeida e Chico Anísio), com Carlos Gonzaga; Na Hora de Sambar (Miguel Gustavo), interpretado por Francisco Carlos; Brasilina (Ayres Viana e Murilo Vieira), com Antônio Carlos; Canção da Aranha (Edson França e Costa Netto), novamente com Antônio Carlos; Não Há (Leduvy de Pina, Almeidinha e Zilda do Zé), cantado Linda Batista, Pensar, Professor (José Costa e Fernandinho), apresentado por Emilinha Borba, e muitas outras, inclusive uma música de temática árabe – Ya Mustafá –, uma invenção de Bob Azzam e Eddie Barclay, que se tornou um dos grandes sucessos do ano com o próprio Bob Azzam, recentemente resgatada para o mundo "dance".

Bob Azzam interpretando Ya Mustafá.





E, por mais incrível que possa parecer, principalmente para um trio que ficou para a posteridade como especialista em bolero, o Trio Irakitan participaria, em 20 de maio desse ano de 1960, do show de Bossa Nova O amor, o Sorriso e a Flor, acontecido no Teatro de Arena da Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro, ao lado da fina flor do novo ritmo da pequena-burguesia carioca, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto, Johnny Alf, Dorival Caymmi, Nara Leão, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Baden Powell, e outros. Durma-se com um barulho desses.



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Fora do circuito das chanchadas, o comediante caipira paulista Mazzaropi continuava sua saga de sucessos, principalmente no interior do país, dirigindo e interpretando, nesse ano, duas comédias As Aventuras de Pedro Malazartes e Zé do Periquito, suas primeiras experiências como diretor de suas próprias películas.

Incorporando as aventuras do conhecido personagem Pedro Malazartes, do folclore de diversos países, Mazzaropi, mais uma vez, interpreta um caipira que de bobo não tem nada. O filme conta a história de Pedro (Mazzaropi) que, ao chegar a sua casa na fazenda, recebe a notícia de que seu pai havia falecido. Bastante humilde e inocente, Pedro termina por ficar sem nada da herança deixada pelo pai, já que um deles fica com todo o gado e o dinheiro, enquanto o outro toma posse da fazenda. Cabisbaixo e sem reclamar, Pedro deixa a fazenda levando somente um ganso, um tacho velho e umas poucas roupas e sai mundo à fora. Pelo caminho, por sua simplicidade, vai encontrando algumas crianças abandonadas e começa a protegê-las. Para Isso, se vale de pequenos expedientes de esperteza para a sobrevivência do grupo. Dessa forma, consegue vender seu tacho a dinheiro, argumentando que ele cozinha sozinho. Não demora e ele também vende o ganso dizendo que ele tem poderes mágicos. Quase sempre por causa da cobiça alheia, Pedro percebe que as pessoas são facilmente enganadas e, assim, ele consegue um carro convencendo sua proprietária a ficar segurando um chapéu no chão onde, supostamente, está preso um pássaro pra lá de raro. Com o desenvolver da história, a lista de pessoas enganadas aumenta e ele se vê metido numa série de confusões tentando fugir de seus vários perseguidores.

Baseado em argumento de Galileu Garcia e roteirizado por Ismar Porto (que auxiliou Mazzaropi, ensinando-lhe os macetes da direção) e Marcos Cézar, As Aventuras de Pedro Malazartes traz, no elenco, sua eterna parceira Geny Prado, integrando um time onde ainda aparecem Genésio Arruda, Dorinha Duval, Benedito Liendo, Nena Viana, Alvim Fernandes, Kleber Afonso, Noêmia Marcondes Oswaldo de Barros, João Batista de Souza, Péricles de Almeida, Walter Fernandes e grande elenco.

Como praticamente todos os filmes de Mazzaropi, Malazartes traz números musicais; Lana Bittencourt canta Além, de Sidney Morais e Edson Borges; o Conjunto Farroupilha interpreta duas canções, Meu Cabelo e Maçarico, ambas de Paixão Corte e Barbosa Lessa; Cláudio de Barros é o intérprete de Sem Destino, de sua própria autoria em parceria com Jucata; e, como sempre, Mazzaropi apresenta duas músicas, Coração Amigo e Meu Destino, as duas da dupla de compositores Elpídio dos Santos e Zé do Rancho.

Lana Bittencourt interpretando Além.






Trio Farroupilha interpretando Meu Cabelo e Maçarico.







Cena do filme As Aventuras de Pedro Malazartes.






Zé do Periquito não foge à regra de praticamente todos os filmes de Mazzaropi, em que interpreta personagens simples, inocentes e tímidos, mas, que, por esperteza, conquistam o impossível. Baseado em argumento do próprio Mazzaropi, roteirizado por Ismar Porto (que novamente co-dirigiu a película com o astro Mazzaropi), o filme conta a história de Zé do Periquito (Mazzaropi), um tímido jardineiro de um colégio freqüentado quase que exclusivamente por filhos de famílias abastadas, que se apaixona por uma linda jovem (Nena Viana) e que, inocentemente, é levado a acreditar pelos alunos do colégio (dentre eles, outro futuro poderoso da Globo, Augusto César Vanucci), que seu amor é correspondido. Após diversas situações cômicas, a sorte de Zé será tirada em um realejo. Q que a sorte revelaria ao nosso sonhador herói?

Completa o elenco Geny Prado, Roberto Duval, Carlos Garcia, Amélia Bittencourt, Maria Helena dias, o famoso homem de teatro Eugênio Kusnet, Genésio Arruda Marlene Rocha, Jacira Sampaio e outros. Os números musicais ficaram a cargo dos ídolos da juventude, Celly Campelo, Tony Campelo e Jorge Friedman, secundados por Paulo Molin e Carlão, que interpretam Gostoso Mesmo é Namorar, de Heitor Carrilo; de Hebe Camargo e Agnaldo Rayol que interpretam, em duo, a canção Passe a Viver, também de Heitor Carrilo; e, como não poderia deixar de ser, de Mazzaropi, interpretando Saudade me Deixa, de autoria de Bolinha, e Jóia do Sertão, letra e música de Elpídio dos Santos.


Cena do filme Zé do Periquito.

 
 
Celly Campelo, Tony Campelo e Jorge Freedman interpretando Gostoso Mesmo é Namorar.





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Deixando o mundo das comédias caipiras de Mazzaropi e as chanchadas em sua agonia, praticamente inexistiu um filme de reais qualidades, a grande maioria, produções podres e mal acabadas, como foi o caso de Os Bandeirantes (um filme dirigido pelo laureado em Cannes, Marcel Camus, aproveitando, inclusive, alguns atores de Orfeu Negro); Conceição, um policial produzido e dirigido por Hélio Souto que conta a história de um casal de noivos que descobre na represa de Santo Amaro o cadáver de uma mulher morta, supostamente, por estrangulamento. O inspetor Castro, encarregado do caso, e seu auxiliar, Pedro, logo acham no bolso da vítima um número de telefone com o nome Conceição. Seguindo esta pista, os policiais descobrem que ela, na realidade, não se chamava Conceição, mas Dalva e cantava em uma boate. Castro começa a contactar diversas pessoas que cruzaram a vida de Dalva, dentre eles o Dr. Junqueira e as amigas de Dalva, Geórgia, uma viciada em drogas, e Lili, a qual revela que conheceu o cantor Lúcio, amante de Dalva e noivo de de uma garota de nome Miriam. Quando Lúcio canta "Conceição", Castro deduz que o nome descoberto junto com o telefone era apenas uma senha que levava ao nome do Dr. Junqueira. Quando do interrogatório de Lúcio, ele revela apenas de um passeio a uma represa, após o qual Dalva o abandona para seguir um homem desconhecido para ele. Ao mesmo tempo, Lili começa a se interessar pelo inspetor Castro. Entra em cena o playboy Abelardo, filho do Dr. Junqueira, que, junto com o amigo Bebeto e outros rapazes, entram na boate. Abelardo acaba por provocar uma luta com Castro ao agredir Lili. Enquanto isso, na represa, a única testemunha, o encarregado dos barcos, é assassinado. Castro começa a investigar os barcos, não demorando a descobrir um com o nome de "Conceição", com contrabando no interior. Pedro, por meio de uma fotografia de Dalva, descobre que ela já conhecia Abelardo. Com essa nova pista Castro interroga o Dr. Junqueira que defende o filho. Mas, o assassino, no entender de Castro, já estava descoberto. Inicia-se, então, a perseguição de Abelardo que escapa pela Via Anchieta até a Ilha Porchat, despencando, porém, em uma ribanceira, morrendo instantaneamente. No desenrolar da película, Castro, entretanto, descobre que Abelardo não matara Dalva. Os criminosos eram, na realidade o Dr. Junqueira, mentor intelectual, e Bebeto, o executante. O motivo: Dalva descobrira a verdadeira atividade do Doutor Junqueira, sendo uma ameaça a seus planos. O filme termina com Castro e Lili beijando-se na volta para São Paulo.

O elenco de peso contava com Norma Bengell, Hélio Souto, Mário Benvenutti, a espetacular Anick Malvil, Miriam Roni e até Walter Avancini; Outros que podem ser citados são Eles Não Voltaram, (um deprimente filme sobre os pracinhas brasileiros que lutaram na Itália), com direção de Wilson Silva e contando no elenco com Augusto César Vanucci, Paulo Goulart, Dary Reis, Milton Vilar e Agildo Ribeiro, e A Primeira Missa, uma canhestra produção dirigida pelo lendário Lima Barreto, que, mesmo assim, foi selecionada para representar o Brasil no Festival de Cannes, trazendo no elenco o garoto José Mariano Filho, Margarida Cardoso, Dionísio Azevedo, Ferreira Leite e outros atores obscuros.

Mesmo não sendo um filme de reais qualidades, o único filme de destaque do ano foi A Morte Comanda o Cangaço, produção que seguia as trilhas abertas pelo sucesso de O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, importante, historicamente, porquanto foi a primeira tentativa, à qual se seguiria uma infinidade de outras ao longo dos próximos anos, de retomar a saga do cangaço.

Produzido pela estrela Aurora Duarte, com direção e montagem de Carlos Coimbra, a partir de um argumento de Walter Francisco Mota, diálogos de Francisco P. Silva, música de Henrique Simoneti e contando no elenco com Alberto Ruschel, Milton Ribeiro (os dois principais atores de O Cangaceiro), Aurora Duarte como a heroína, Ruth de Souza, Líris Castelani, Edson Franca, Marlene França e grande elenco (dentre eles, o cangaceiro Volta Seca), A Morte Comanda o Cangaço, com locações na cidade de Quixadá, no Ceará, filmado com impressionante realismo, narra a história de um Nordeste sem lei, assolado por bandos de cangaceiros. O sanguinário capitão Silvério (Milton Ribeiro), um dos líderes desses bandos, e seus cabras cercam a fazenda de Raimundo Vieira (Alberto Ruschel), destroem-na, além de assassinar a mãe do rapaz, fincando, além disso, a cabeça da matriarca em pau fincado no chão. Raimundo sobrevive ao massacre, jurando vingar a destruição de sua propriedade e a morte da mãe. Para isso, ele consegue juntar em torno de si pessoas dispostas a enfrentar os cangaceiros, fundando, uma volante extra-oficial (que hoje seria chamada de milícia) com o intuito de livrar o sertão nordestino da praga do cangaço.

Aurora Duarte é o grande nome por detrás do filme; além de ser a personagem feminina principal, ela o produziu, o que lhe deve ter causado razoável receio, já que era uma produção de peso, tendo ela investido grande soma de dinheiro no projeto.

Natural de Olinda, Pernambuco (17.04.1933), Aurora, ainda muito jovem começa a atuar em programas de rádio em sua cidade natal. Com apenas 18 anos, já integrante da Associação de Cinegrafistas Amadores do Brasil, realiza um documentário chamado A Sereia e o Mar, onde, além de dirigir, ela atua como a atriz principal. Sua grande chance veio quando Alberto Cavalcanti, em história já nossa conhecida, chegando a Recife, a escolhe para fazer parte do elenco de seu filme O Canto do Mar, como a protagonista. A repercussão do filme lhe foi benéfica, mudando-se ela para o Rio de Janeiro, logo se mudando para São Paulo, onde muita coisa estava acontecendo em termos de cinema. Sua impressionante beleza morena chama a atenção de Gianni Pons, que a convida para o papel principal de Os Três Garimpeiros (1954), filme produzido e dirigido por ele, compondo um elenco que também trazia Hélio Souto, Alberto Ruschel (seu primeiro filme depois de O Cangaceiro), Milton Ribeiro, Adoniran Barbosa e outros mais.

Em 1955, ela tem sua primeira experiência com Carlos Coimbra, ao estrelar seu filme Armas da Vingança, em que atua, novamente, ao lado do galã Hélio Souto, produção que também trazia no elenco Luigi Picchi, Vera Nunes e José Policema. Entre 1958 e 1959, Aurora esteve envolvida com um projeto de Walter Hugo Khoury – Fronteiras do Inferno –, mais uma vez atuando ao lado de Hélio Souto e Luigi Picchi, filme que também trazia no elenco Lola Brah, Ruth de Souza, o futuro escritor José Mauro de Vasconcelos, Bárbara Fazio, dentre outros. Paralelamente a esse último filme, Aurora volta a filmar com Carlos Coimbra, dessa feita participando do filme Crepúsculo de Ódios (uma incursão de Inocêncio Mazzula na produção de filmes que, pelo fracasso, nunca mais seria repetida), tendo como galãs Carlos Zara (em seu primeiro papel principal) e, novamente, Luigi Picchi.

As filmagens de A Morte Comanda o Cangaço não foram fáceis; Marlene França que, além de atuar em pequeno papel, trabalhou com a equipe técnica, assim se referiu sobre a produção:

"Eu me lembro muito do Coimbra, tenho a maior admiração por ele. ‘A Morte Comanda o Cangaço’ foi um filme difícil de fazer, foi na transição do preto e branco para o colorido. Fomos filmar no Quixadá, no Ceará. Nesse filme eu fui assistente de direção e continuísta. Eu cometi erros enormes, a gente não via o copião na hora, só vinte dias depois, quando ele vinha do laboratório Rex. Foi aí que eu descobri o tamanho da minha imperfeição e que eu não sabia nada. Tem uma cena em que o Milton Ribeiro, que fazia o Lampião, entra em uma cena com uma camisa azul e volta com uma amarela. Meu Deus, eu não sabia nada. Fora as broncas que eu devo ter recebido."

O sucesso de filme foi enorme, batendo recordes na bilheteria. Mesmo execrado pela crítica bem pensante (Coimbra chegou a ser chamado de "Ideólogo do Entorpecimento"), o filme, além de representar o Brasil no Festival de Berlim, teve o mérito de ter mostrado a vários produtores que o filão sobre o cangaço era cheio de possibilidades de lucro, o que permitiu um longo ciclo de filmes sobre o tema (mais de 20), cognominado pelo crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva de "Nordestern".

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