12.9.08

A MPB DE LUTO: MORRE ASSIS VALENTE

O Brasil inteiro foi surpreendido, nesse ano de 1958, com uma morte que empobreceu sobremaneira a música popular brasileira: Assis Valente, um dos mais originais compositores brasileiros de todos os tempos, morre tragicamente por suicídio, na cidade do Rio de Janeiro, misturando formicida com guaraná.

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Para quem conhecia mais intimamente Assis Valente, sua morte, apesar de inesperada, não se constituiu exatamente em surpresa; já tentara o suicídio outras vezes, nos últimos tempos adotara um tom de lamentação e acusação contra tudo e todos, vivia angustiado e atormentado, sentindo-se injustiçado e abandonado pelos amigos. Pela sua trajetória de menino pobre, mulato e com pouca instrução formal até alcançar fama e sucesso para suas músicas nas vozes dos mais destacados cantores e cantoras brasileiras, cair novamente na pobreza e no esquecimento era, para ele, insuportável. O suicídio foi o fim para o que ele considerava uma vida desgraçada, onde a solidão sempre foi sua companheira constante. Sempre fora assim, desde quando, muito garoto, afastado que foi do convívio com seus pais e irmãos.



O nascimento de Assis Valente sempre foi cercado de lendas. Até a data de seu nascimento é incerta. Algumas fontes citam 19 de março de 1908; outras, 19 de março de 1911. Consoante seu próprio relato, ele teria nascido quando sua mãe fazia uma viagem de Bom Jardim à cidade de Patioba (Bahia) “em plena areia quente”. Só que ele também dizia ser natural de Campo da Pólvora, em Salvador, filho de José de Assis Valente e de Maria Esteves Valente, pais que ele efetivamente pouco conheceu, pois, aos seis anos de idade, teria sido seqüestrado por um tal de Laurindo e entregue para ser criado por uma família residente na cidade de Alagoinhas, a família Canna Brasil.



Assis Valente, mais tarde, diria que, mesmo criança, “trabalhava como um condenado”, sua patroa o tratando quase como um escravo. De qualquer maneira, o tempo dessa sofrida infância foi compensada, se assim se pode dizer, pelo fato de, à noite, ele estudar, o que era incomum para os pobres agregados daquela época. Ser alfabetizado muito o ajudaria no incerto futuro que o esperava.Ainda menino, sua família adotiva resolve se mudar para Salvador. Graças à intervenção do avô de criação, consegue ser levado junto para a capital do Estado, onde teria que se virar sozinho, porquanto logo os Canna Brasil partiram para o Rio de Janeiro. O sustento do garoto viria de uma vaga de lavador de frascos em uma farmácia do Hospital Santa Isabel.



Sua esperteza chamou a atenção de um padre – o padre Tolentino – que o levou para a cidade de Bonfim, empregando-o na farmácia do hospital da cidade, onde, devido à sua capacidade, sem demora seria promovido ao cargo de secretário da diretoria. Essa história, um tanto quanto fantasiosa (ele teria uns dez anos de idade a essa época), teve um amargo fim para o garoto: já lendo com desenvoltura, gostando de poesias, principalmente de Castro Alves e Guerra Junqueiro, um poeta inimigo da religião, foi chamado para declamar alguns versos em uma quermesse do hospital. Escolhe, sem se dar conta, de versos anticlericais, deixando indignados os presentes, imediatamente sendo destituído do cargo. Já sonhando com as luzes da ribalta, sem família ou amigos íntimos, enxergou a luz no fim do túnel com a chegada à cidade de um circo, o Circo Brasileiro.



Aproveitando o intervalo de uma apresentação circense, em determinado dia, ele pula para o picadeiro e começa a declamar os versos de uma poesia de sua autoria. Agradou tanto que foi agregado ao circo, atuando, a partir daí, como orador e comediante. Nesse circo, vagou pelo interior baiano por cerca de um ano, após o qual voltou para Salvador retomando seus estudos e, graças ao seu aprendizado de criança, trabalhando também como farmacêutico. À noite, fazia um curso de desenho no Liceu de Artes e Ofícios, ao mesmo tempo em que se profissionalizava como especialista em prótese dentária. Seu sonho dourado, entretanto, era outro. Era brilhar. Eram as luzes da cidade grande. Era, afinal, o Rio de Janeiro. Na primeira oportunidade, em meados de 1927, viajou para a capital Federal em busca da realização desses sonhos.

Para se sustentar na cidade, Assis imediatamente arranjou um emprego como protético e, já razoavelmente habilidoso nos desenhos, consegue vender alguns para as revistas Shimmy e Fon-Fon. Durante alguns anos, essa foi sua vida: durante o dia, especializava-se, cada vez mais, em sua profissão de especialista em próteses dentárias; de noite, tentava aperfeiçoar seus desenhos, tendo em mente uma futura profissão mais de acordo com sua personalidade: as artes.



Em meados de 1930, descobriu uma nova aptidão: compor músicas, influenciado pelo início do “boom” por que passava a música popular brasileira. Começam a surgir os nomes de Noel Rosa, Braguinha, Lamartine Babo, Brancura, Baiaco, Ismael Silva, Almirante, Orestes Barbosa, Cristóvão Alencar, Cartola, Custódio Mesquita, Nilton Bastos, Bide e muitos outros. Seu potencial logo foi reconhecido por um bamba do pedaço, o compositor Heitor dos Prazeres (1888 - 1966), que ficara impressionado com seu potencial. Introduzido no meio artístico pelo sambista, não demorou muito, em 1932, ano em que os grandes sucessos do ano foram Maringá (Joubert de Carvalho), na voz de Gastão Formenti, Andorinha Preta (Breno Ferreira), com o próprio autor, O Teu Cabelo Não Nega (Lamartine Babo) com Castro Barbosa, A.E.I.O.U (Noel Rosa e Lamartine Babo), interpretada pelo próprio Lamartine, Para me Livrar do Mal (Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves), com Francisco Alves, Noite Cheia de Estrelas (Cândido das Neves), grande sucesso de Vicente Celestino, e Pierrot (Paschoal Carlos Magno e Joubert de Carvalho), com Jorge Fernandes, a poderosa Aracy Cortes grava seu primeiro samba, Tem Francesa no Morro, com razoável sucesso, que, se não o torna famoso, traz-lhe reconhecimento entre os seus pares, o que era muito importante para um compositor iniciante, nos seus poucos vinte anos. E como confirmação de que seu nome começava a despertar a atenção de cantores famosos, nesse mesmo ano, Moreira da Silva também grava um 78 rpm com duas músicas de sua autoria, a marcha Pra Lá de Boa e o samba Oi, Maria.
 

Gastão Formenti interpretando Maringá.


Raul Seixas e Vanderléa interpretando diversas marchinhas, inclusive O Teu Cabelo Não Nega.















Ismael Silva interpretando Para me Livrar do Mal.


Jessé interpretando Noite Cheia de Estrelas.


Vicente Celestino interpretando Noite Cheia de Estrelas.



Aracy Cortes interpretando Tem Francesa no Morro.


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Nesse mesmo ano, Carmen Miranda entra na sua vida. Fascinado pela cantora, desenvolvendo uma paixão platônica que o acompanharia pelo resto de sua vida (ou até o momento em que rompem espetacularmente), termina por conhecê-la, torna-se seu amigo e consegue que a cantora grave, para o carnaval de 1933, um 78 rpm com dois sambas de sua autoria, de um lado, Etc. e, do outro, a famosa Good-Bye, Boy, um samba que entraria para a história da MPB por ser a primeira canção brasileira a criticar uma nascente mania de nossa pequena-burguesia, o excessivo emprego de expressões norte-americanas na nossa língua:
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“'Good-bye, good-bye, boy'


Deixa a mania do inglês


É tão feio pra você


Moreno frajola


Que nunca freqüentou


As aulas da escola


‘Good-bye, good-bye, boy’


Antes que a vida se vá


Ensinaremos, cantando,


A todo mundo


B e Bé, B e Bi, B a Bá


Não é mais boa-noite


Nem bom-dia


Só se fala ‘good morning’


‘Good night’


Já se desprezou o lampião


De querosene


Lá no morro


Só se usa a luz da ‘Light’.”
Marlene interpretando vários sucessos de Assis Valente.


 No ano seguinte, 1933, acontece seu estouro em todo o Brasil; o novato Carlos Galhardo alcança o estrelato ao lançar Boas Festas, uma canção natalina de Assis (composta quando estava solitário no quarto onde morava, na Praia de Icaraí, em Niterói, em pleno Natal), que se tornou um fenômeno de popularidade, acabando por se transformar na canção natalina mais conhecida dos brasileiros e uma das poucas do gênero que atravessou os tempos:

“Anoiteceu!


O sino gemeu


E a gente ficou


Feliz a rezar.


Papai Noel!


Vê se você tem


A felicidade


Pra você me dar.

Eu pensei que todo mundo


Fosse filho de Papai Noel


Bem assim felicidade


Eu pensei que fosse uma


Brincadeira de papel.



Já faz tempo que pedi


Mas o meu Papai Noel não vem


Com certeza já morreu


Ou então felicidade


É brinquedo que não vem.”
Carlos Galhardo interpretando Boas Festas.



1933 foi realmente um ano de glória para Assis Valente; Carmen Miranda grava duas marchas de sua autoria, Tão Grande, Tão Bobo e Lulu, além do samba Sapateia no Chão. Moreira da Silva lança os sambas Abre a Boca e Fecha os Olhos e Levante o Dedo e as marchas Olha à Direita e Cadê Você Meu Bem. Também, nesse ano, Aurora Miranda grava na Odeon o samba Sou da Comissão de Frente (parceria de Assis com Milton Amaral) e a marchinha Quando eu Queria Você. E para as festas juninas deste mesmo ano, compôs Cai, Cai, Balão, marcha gravada em dupla por Francisco Alves e Aurora Miranda, outro grande sucesso do compositor.

Também sua situação financeira começa a melhorar. Mulato sestroso, começa a se vestir com ternos caros e bem cortados, sempre com um largo sorriso no rosto e freqüentando os ambientes mais na moda. Mais tarde, sua única filha, Nara, diria que tudo que o pai ganhava no consultório, ele imediatamente comprava roupas novas para se apresentar de forma elegante nos palcos dos auditórios e shows. Ainda segundo ela, uma das características do pai ela seu bom gosto no trajar.
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A partir desse ano, e até 1936, Carmen Miranda lança uma série de músicas de Assis Valente: Minha Embaixada Chegou e Té Já (1934), Recadinho de Papai Noel, Por Causa de Você, Ioiô, E Bateu-se a Chapa e Isso Não se Atura (1935), Ô e Fala, Meu Pandeiro (1936). Outros pesos pesados também, ao longo desses anos, gravam diversas músicas de sua autoria, Almirante (Deixe de Ser Palhaço e Pensei que Pudesse te Amar), Mário Reis (Este Samba Foi Feito Para Você e Mangueira), Francisco Alves (Olhando o Céu Todo Estrelado e Mais um Balão), Aurora Miranda (Vem Comigo e Ao Romper da Aurora), Bando da Lua (Cirandinha, Só Conheço Uma, Que é Que Maria Tem e Maria Boa, esta, um dos maiores sucessos do carnaval de 1936), Orlando Silva (Não é Proceder e é de Madrugada) e vários outros.

Nilze Carvalho e Sururu na Roda interpretando Maria Boa.



Em 1937, ano em que as Irmãs Pagã lançam, de sua autoria, O Samba Começou e Tristeza, Orlando Silva, os sambas Alegria e Minha Intenção, e em que os grandes sucessos do ano foram Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro), interpretado por Orlando Silva, Chão de Estrelas (Orestes Barbosa), com Sílvio Caldas, Lábios que Beijei (J. Cascata e Leonel Azevedo), também com Orlando Silva, Coração Materno (Vicente Celestino), com o próprio compositor, Serra da Boa Esperança (Lamartine Babo), lançado por Francisco Alves, e Rosa, de Pixinguinha, na Voz de Orlando Silva (que, nesse ano, efetivamente, estava com tudo), Carmen Miranda lança o samba-choro Camisa Listrada, que muitos críticos consideram sua obra prima. Composta com muita técnica e estilo, própria para o jeito brejeiro e malicioso constantemente empregado pela cantora, a música estourou no carnaval de 1938, chegando a ganhar o primeiro lugar no concurso oficial, resultado que, entretanto, não foi confirmado. De qualquer forma, pela sua beleza, a música tornou-se clássica:
 
                                          Vestiu uma camisa listrada
E saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada
Ele bebeu Parati
Levava um canivete no cinto
E um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia
Sossega, Leão, sossega Leão

Tirou o seu anel de doutor
Para não dar o que falar
E saiu, dizendo, eu quero mamá
Mamãe, eu que mamá, mamãe, eu quer mamá

Levava um canivete no cinto
E um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia
Sossega Leão, sossega Leão

Levou meu saco de água quente
Pra fazer chupeta
E rompeu a minha cortina de veludo
Pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa
Arrancou a combinação
Até do cabo de vassoura
Ele fez um estandarte, para o seu Cordão

E agora que a batucada
Já vai começando
Eu não deixo e não consinto
Meu querido debochar de mim
Porque, se ele pegar as minhas coisas
Vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta
E vai dançar na Bola Preta
Até o sol raiar

Isaurinha Garcia interpretando Camisa Listrada.
















 Paulinho da Viola e Marisa Monte interpretando Carinhoso.


Elis Regina interpretando Carinhoso.

Ceumar interpretando Coração Materno.


Francisco Petrônio interpretando Lábios Que Beijei.


Maysa Matarazzo interpretando Chão de Estrelas.

 

Orlando Silva interpretando Rosa.



Gal Costa interpretando Serra da Boa Esperança.


Carmen Miranda ainda gravaria algumas outras músicas de Assis Valente, E o Mundo não se Acabou (1938) – sátira ao pânico causado pelas notícias segundo as quais o cometa Halley iria colidir com a terra destruindo tudo –, Uva de Caminhão e Deixa Comigo (1939) e Recenseamento, de 1940, sua última composição gravada pela "Pequena Notável". Os anos de dificuldade e depressão estavam começando.
 
Carmen Miranda interpretando E o Mundo Não se Apagou.

 

Carmen Miranda interpretando Uva de Caminhão.


Ademilde Fonseca (e Mônica Salmaso) interpretando Recenseamento.


Nesse último ano, Carmen tinha voltado ao Brasil pela primeira vez, ocasião em que aconteceu o incidente, já narrado, no Cassino da Urca. Assis, juntamente com Recenseamento, mostrou-lhe um samba – Brasil Pandeiro – que no seu entendimento, seria um sucesso certo, feito do jeitinho que a cantora gostava. Qual não foi o espanto de Assis quando a cantora lhe jogou no rosto que a música não prestava e que ele estava ficando “borocoxô”. Carmen nunca mais gravaria qualquer outra música do compositor, que ficou arrasado e deprimido com a recusa de sua musa. Brasil Pandeiro seria gravada, com razoável sucesso, no ano seguinte, pelo conjunto Anjos do Inferno e participou do filme Céu Azul, de J. Rui. Mais tarde, demonstrando que nunca esquecera o episódio, Assis diria que
“Carmen esqueceu-se do tempo em que ensaiava Camisa Listrada dentro do galinheiro de sua casa em Santa Teresa, pois seu casebre era muito pequeno. Abandonou o Brasil pandeiro, mas não a condeno por isso, pois vi que ela não tinha voz suficiente para interpretá-lo”.

Novos Baianos interpretando Brasil Pandeiro.
Beth Carvalho e Ivete Sangalo interpretando Brasil Pandeiro.


A década de 40 seria barra pesada para Assis Valente. Mesmo sendo homossexual, em uma época em que a sexualidade de todos era severamente vigiada, ainda em 1939, o compositor se casara, sem que os amigos soubessem, com a datilógrafa Nadyle da Silva Santos, casamento que durara somente até o início de 1941, quando nasce sua única filha, Nara Nadyle. Mas, as mágoas com Carmen Miranda, o reconhecimento de que sua época de ouro estava no fim, sua deprimente situação financeira e o fracasso de seu casamento foram demais para ele. A vida se lhe tornara insuportável. Angustiado, em 13 de maio de 1941, tentou o suicídio, atirando-se do Corcovado, ficando, no entanto, preso numa árvore, 70 metros abaixo. Após ter sido resgatado pelos bombeiros, soltava frases desconexas e dizia que tinha uma mulher e uma filha que não o tinham. Terminou por fraturar duas costelas além de contusões e escoriações generalizadas.



O gesto de Assis Valente foi um prato cheio para a imprensa. Nos próximos dias, o nome do compositor não saía dos jornais, todos especulando sobre o motivo de ato tão tresloucado. publicaram que provavelmente o compositor estava passando por dificuldades financeiras, além de estar separado da esposa e de se sentir desamparado no meio musical, o que era tudo verdade.
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Nessa década, seu único grande sucesso foi Fez bobagem, gravado, por Aracy de Almeida, em 1942, no lado A de um 78 rpm, tendo, no outro lado, outro samba de sua autoria, Amanhã eu Dou. Entretanto, esse sucesso não recuperou sua popularidade. Novos sons e novos ritmos começavam a dominar o país, o samba-canção e o baião iniciavam sua escalada para dominar as paradas de sucesso, logo seguidos pelas rumbas, mambos, boleros e outros ritmos estrangeiros. Assim Valente caia, de forma definitiva, no ostracismo, o que, para uma personalidade neurastênica, era intolerável.
 

Aracy de Almeida interpretando Fez Bobagem.


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No final dos anos quarenta, transtornado por um escândalo armado pela vedete Elvira Pagã, que lhe cobrara, publicamente, uma dívida de Cr$ 4.000,00 (quatro mil cruzeiros), Assis tenta novamente o suicídio, dessa feita utilizando uma lâmina de barbear. Mais uma vez foi salvo, mas, sem dinheiro e abandonado pelos amigos, passa a viver de seu laboratório de prótese dentária e dos parcos direitos autorais de suas músicas. Ao mesmo tempo, na nova década que entrava, procura se ajustar aos novos tempos em busca do sucesso perdido.

Quando o conjunto Quatro Ases e um Coringa lança, em 1950, seu samba-canção Boneca de Pano, entrando logo para as paradas, competindo com grandes sucessos como Paraíba (de Luís Gonzaga, com Emilinha Borba), Olhos Verdes (de Vicente Paiva, com Dalva de Oliveira), Ave Maria (de Herivelto Martins, com o Trio de Ouro), Antonico (do veterano compositor Ismael Silva, com Alcides Gerardi), Que Será (de Marino Pinto e Mário Rossi, com Dalva de Oliveira), Tudo Acabado
( de J.Piedade e Osvaldo Martins, com Dalva de Oliveira), Assis se anima, vislumbrando a volta dos bons tempos de sucesso popular. Por pouco tempo. Os grande ídolos de então não se interessam mais em gravar suas músicas, tendo ele que se contentar com gravações de cantores do segundo time, novatos ou decadentes.

Chico César e Xangai interpretando Paraíba.


 

Ângela Maria interpretando Olhos verdes.

Gal Costa interpretando Antonico.



Ângela Maria e Pery Ribeiro interpretando Ave Maria.



Ângela Maria interpretando Que Será.



Ana Zinger interpretando Tudo Acabado.



Dessa forma, em 1951, um desconhecido Renato Braga grava na Sinter o baião Armei a Rede, dele, em parceria com outro desconhecido, Arsênio Otoni. Em 1953, um samba de sua autoria, Desprezado Sonhador, feito em parceria, não se sabe como, com mais três compositores, Júlio Samorano, Dora Lopes e Osvaldo Gouveia, também foi gravado por outro desconhecido, Ivan de Alencar. Outro samba seu, Projeto 1000, agora em parceria com Salvador Miceli, também foi gravado nesse ano pelo Trio Nagô. Um decadente Nilton Paz gravaria na Columbia, em 1954, a batucada A Maria é a Maior, composta por ele, Assis, e pela dupla Alfredo Goinho e Júlio Zamorano. Em 1956, o promissor novato Luiz Cláudio grava na Columbia sua marcha Sai de Baixo, composta em parceria com Álvaro da Silva. Por outro lado, comentava-se que, necessitado de dinheiro, vendia diversas composições de sua autoria para outros autores, algumas, inclusive, fazendo sucesso.


Nesse último ano, teve um fugaz retorno; Marlene, com a finalidade exclusiva de homenageá-lo, inclusive reclamando pela imprensa sobre seu injusto esquecimento, lança, pela gravadora Sinter, o Long Playing Marlene Apresenta Sucessos de Assis
Valente, em que interpreta diversos sucessos do compositor, Recenseamento, Camisa Listrada, Maria Boa, E o Mundo Não se Acabou, Cansado de Sambar, Boas festas, Té Já, Jarro d'Água, Cai, Cai, Balão, e Uva de Caminhão. No entanto, o disco não teve o sucesso esperado, nada significando para o soerguimento da carreira do magnífico compositor.



Para piorar as coisas para Assis Valente, o samba estava efetivamente em baixa nesse ano de 1958, o último de sua vida; Os grandes sucessos do ano se concentraram nas músicas norte-americanas ou estrangeiras em geral, nas versões, nos sambas-canções e nos boleros, como foi o caso do calipso Little Darling (M. Williams), com Lana Bittencourt, que acabou por se transformar no grande sucesso do ano; Nel Blu Dipinto Di Blu (Modugno/Migliacci), com Domenico Modugno; Babalu (de Margarida Lecuona, imenso sucesso popular com Ângela Maria; Please Love me Forever, uma música em inglês, mas cantada por um grupo brasileiro, The Playings; Diana (Paul Anka), também sucesso na versão gravada por Carlos Gonzaga, na voz do próprio autor; Cachito (Consuelo Velasquez), sucesso de vários cantores, dentre os quais Nat “King” Cole, Doris e Rossie e Emilinha Borba; Patrícia (Perez Prado), sucesso de Emilinha Borba e Perez Prado; O Apito no Samba (Luís Bandeira/Luís Antônio), êxito de Marlene; Balada Triste (Dalton Vogeler/Esdras Silva), samba-canção, estouro em duas gravações, a de Agostinho dos Santos e a de Ângela Maria; Sereno (Aloísio T. de Carvalho), grande êxito de Paulo Molin e de Leny Eversong; Castigo (Dolores Duran), na gravação de Roberto Luna, principalmente; Abismo, bolero de autoria de Anísio Silva, interpretada pelo próprio autor, dentre outras. A surpresa musical do ano foi o grande sucesso alcançado por uma guarânia, Cabecinha no Ombro (Paulo Borges), gravada em 1957 pelo veterano cantor Alcides Gerardi.
 

The Diamonds interpretando Little Darlin' 















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Domenico Modugno interpretando Volare.
















.Paulo Molin interpretando Sereno


Carlos Gonzaga interpretando Diana.


Emilinha Borba interpretando Cachito.


Marlene interpretando Apito no Samba.


Emilinha Borba interpretando Patrícia.



Pedro Aznar interpretando Balada Triste.


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Alcides Gerardi interpretando Cabecinha no Ombro.
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Nara Leão interpretrando Cabecinha no Ombro.
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Ângela Maria interpretando Babalu.



Ney Matogrosso interpretando Babalu.



Era uma realidade difícil de suportar para Assis valente. Após esses últimos anos de ostracismo, que ele não mais conseguia digerir, e em desespero pela sua delicada situação financeira, a 10 de março de 1958, Assis valente resolve suicidar-se. Sua trajetória, nesse dia, foi, razoavelmente, bem recomposta. De manhã, ele deixa sua casa (Rua Santo Amaro, 112) e segue para o seu consultório de próteses dentárias na Cinelândia, onde teria permanecido até cerca das l3h 30min. Às 15h 00min, mais ou menos, foi à SBACEM, a sociedade arrecadadora de direitos autorais à qual era filiado, para se informar de seus rendimentos. Segundo se comentou depois, seus nervos estavam à flor da pele, tendo o compositor Joubert de Carvalho, presente na ocasião, lhe dado um calmante. Em torno de 16h 30min, ele teria telefonado para seus ajudantes no laboratório, dando-lhes instruções sobre como agir após sua morte. Às 17h 30min, ele telefonaria para Vicente Vitale, seu editor, e também para o compositor e homem de teatro Pascoal Carlos Magno, comunicando-lhes sua intenção de se suicidar. Depois também se soube que Vicente Vitale ainda teria tentado ligar para a Polícia, muito tarde, porém; exatamente às 17h 55 min, em um banco da Praia do Russel, junto de um play-ground onde brincavam crianças, tomou formicida (algumas fontes diziam cianeto) com guaraná.


Assis, como despedida, deixaria um (algumas fontes dizem dois) bilhete pedindo para Ary Barroso pagar alguns aluguéis atrasados, ao mesmo tempo em que solicitava ao público que comprasse sua última música – Lamento –. gravada pelo desconhecido Jairo Aguiar. O outro suposto bilhete, esse para a polícia, dizia que ele se responsabilizava pela própria morte, alegando motivos financeiros. O jornal A Tarde, porém, no dia seguinte à morte do compositor, publicou uma reportagem, dizendo que ele também teria deixado outro bilhete para uma certa Júlia Maria, em que dizia:



“Peço-lhe que não se identifique. Faça de conta que não estou morto e que tudo foi, apenas, uma brincadeira sem graça. Quanto ao dinheiro que lhe emprestei, fica sem efeito, pois rasguei os títulos.”

O futuro, todavia, faria uma justiça tardia a Assis Valente: Pouco mais de uma década após sua morte, suas músicas foram redescobertas pela nata da música popular brasileira. Em 1969, Nara Leão (1942 - 1989) regravaria Fez Bobagem, e Maria Betânia, o samba Camisa Listrada. Em 1972, o primeiro LP dos Novos Baianos, considerado pela crítica especializada como um dos cinco melhores discos brasileiros de todos os tempos, trazia como faixa de abertura exatamente Brasil Pandeiro, que se transformaria no maior sucesso do disco. Em 1973, três dos maiores ícones da música brasileira, Chico Buarque, Maria Betânia e Nara Leão interpretaram Minha Embaixada Chegou no filme de Cacá Diegues Quando o Carnaval Chegar.



Em 1977, a TV Globo dedicou-lhe um especial na série “Grandes Compositores”, escrito por um dos maiores especialistas em música popular brasileira, Ricardo Cravo Albin, e dirigido pelo grande Augusto César Vanucci. Na década de 90 o musical O Samba Valente de Assis, sobre a trajetória do trágico compositor, foi encenado com sucesso no Rio de Janeiro. Brasil Pandeiro voltaria a ser conhecida em todo o país, em 1994, quando de uma campanha publicitária relacionada à Copa do Mundo desse ano.



E para coroar esse “revival”, Ney Matogrosso, em 2001, incluiria em seu aclamado show Batuque, transformado em CD e DVD de grande repercussão, dois de seus grandes sucessos, Maria Boa e E o Mundo Não se Acabou, o que demonstra que Assis Valente resiste e, certamente, ficará para a posteridade como um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos.