18.8.06

"SAPATO DE POBRE É TAMANCO"

A safra de músicas carnavalescas desse ano de 51 é abundante em quantidade, mas não em qualidade. Pouquíssimas músicas se salvaram da mediocridade quase que total. O consolo, se consolo existe, é o fato de que, das poucas músicas com qualidades, a maioria entrou no rol dos clássicos do cancioneiro popular. A quantidade de músicas carnavalescas se deveu, basicamente, por causa de pequenas gravadoras surgidas essencialmente em função do carnaval. Nos bailes, as músicas mais tocadas se constituíram, em grande parte, de velhos sucessos, regravados ou não, apesar de os grandes ídolos ainda continuarem a gravar músicas inéditas, ainda que de compositores já consagrados pela mídia e com sucesso garantido. Mesmo assim, por causa da feroz competição com os novatos, a maioria dos cantores (e compositores) teve que batalhar arduamente suas músicas nos diversos programas dedicados às musicas carnavalescas. Em outras palavras, o que chama a atenção no carnaval de 51 é a abundância de músicas sem qualidades e com cantores desconhecidos e ruins.
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Depois do fracasso de 1950, Emilinha Borba retorna mais favorita do que nunca para o carnaval desse ano. Tomara Que Chova, da consagrada dupla Paquito/Romeu Gentil, tão logo lançada, se torna um êxito popular eterno, talvez pelo tema, mais uma crítica social, agora enfocando a falta d'água crônica que então assolava o Rio de Janeiro. Também o fato de participar do filme Aviso aos Navegantes, um grande êxito nacional, onde aparece vestida com uma capa de chuva transparente, cantando a música e trazendo nas mãos um guarda-chuva aberto, acompanhada por um coral, cujos componentes também trazem guarda-chuvas, girando-os ao modo do frevo, numa alusão chanchadeira à clássica cena do filme Cantando na Chuva, protagonizado por Gene Kelly, foi capital para o sucesso da música e de Emilinha. Assim, não foi com surpresa que a marcha se tornou a grande vencedora do carnaval, abocanhando o primeiro lugar no concurso da prefeitura do Distrito Federal:


"Tomara que chova
Três dias sem parar
A minha grande mágoa
É lá em casa não ter água
Eu preciso me lavar.

De promessas ando cheio
Quando eu conto a minha vida
Ninguém quer acreditar.

Trabalho não me cansa
O que me cansa é pensar
Que lá em casa não tem água
Nem pra cozinhar."


Ouça Emilinha Borba interpretando Tomara Que Chova.

















Gene Kelly na famosa cena de Singing in the Rain (Cantando na Chuva).













Haroldo Lobo e Marino Pinto, sempre antenados com os acontecimentos à sua volta, lançam, na voz de Francisco Alves, aproveitando a volta de Getúlio Vargas ao poder, a música Retrato do Velho. O título da música tem a ver com o fato de que, em 1945, logo depois da destituição de Getúlio, seus retratos padronizados pelo DIP - Departamento de Imprensa e
 Propaganda terem sido todos retirados das paredes das repartições públicas. Mesmo sem ter sido uma marcha inovadora, acabou também por ser premiada (2.º lugar) no concurso da prefeitura do Distrito Federal por motivos mais do que evidentes:

"Bota o retrato do velho outra vez
Bota no mesmo lugar
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar, oi!

Eu já botei o meu
E tu não vais botar?
Já enfeitei o meu
E tu vais enfeitar?
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar, oi!"

Francisco Alves interpretando Retrato do Velho.

















O velho e nunca resolvido tema da falta de moradia para as massas retorna com sucesso nesse carnaval de 51. Desta feita, pelas mãos de Peterpan e Afonso Teixeira, que, aproveitando tema tão candente e verdadeiro, lançam a Marcha do Caracol, nas vozes dos Quatro Ases e Um Coringa. Esta música, com versos bem elaborados e uma bela melodia, foi das mais tocadas e executadas do ano:
"Há quanto tempo não tenho onde morar
Se é chuva apanho chuva, se é sol apanho sol
Francamente, pra viver nesta agonia
Eu preferia ter nascido caracol.

Levava minha casa nas costas muito bem
Não pagava aluguel nem luvas a ninguém
Morava um dia aqui, um outro acolá
Copacabana, Madureira ou Irajá."

Quatro Ases e Um Coringa interpretando Marcha do Caracol.


















Klécius Caldas (1919 - 2002) e Armando Cavalcanti (1914 - 1964), dupla carnavalesca por excelência, voltam a um tema recorrente no carnaval: Adão e Eva, esta última aparecendo muito mais que seu parceiro, já que, no carnaval, Eva, para gáudio dos marmanjos, faz muito mais sucesso que Adão. Cantada por Blecaute (Black-Out), Papai Adão, com versos simples e com a malícia que só poderia acontecer mesmo em épocas carnavalescas, foi um dos cinco maiores sucessos do carnaval desse ano:


"Papai Adão, papai Adão
Papai Adão já foi o tal
Hoje é Eva que manobra
E a culpada foi a cobra.

Uma folha de parreira
Uma Eva sem juízo
Uma cobra traiçoeira
Lá se foi o paraíso.

Hoje é Eva quem manobra
E a culpada foi a cobra

 Anjos do Inferno interpretanto Papai Adão.





















Carnaval sem o grande Wilson Batista não seria o mesmo. E elnão decepciona. Para a festa carnavalesca desse ano, ele, juntamente com o onipresente e talentoso Nássara, compõe Sereia de Copacabana, uma homenagem à famosa praia e suas "sereias". 

 


Gravada por Jorge Goulart, que, paulatinamente, vai construindo uma sólida carreira a caminho do topo do sucesso ao longo dos anos 50, a música, também cantada no mega sucesso Aviso aos Navegantes, se torna um sucesso imediato:

"O meu coração não me engana
Eu quero uma sereia de Copacabana.

A francesa me chamou de 'mom cheri'
Eu senti um frenesi
Atrás de uma espanhola
Eu quase fui a Madrid
Uma cachopa em Lisboa
Me cantou a mandragoa
Ai, quase morri."

Jorge Goulart interpretando Sereia de Copacabana.

















Carlos Eduardo de Oliveira, o Edu, comandante da companhia aérea Panair do Brasil e componente do famoso "Clube dos
 Cafajestes", morre em julho/50 em um desastre aéreo. Fernando Lobo, membro da confraria, e Paulo Soledade compuseram em homenagem ao amigo morto a marcha Zum-Zum-Zum que, apesar do tema, ou talvez por causa disso, acabou por se constituir em êxito popular (3.º lugar no concurso patrocinado pela prefeitura do Distrito Federal) na voz de Dalva de Oliveira, que então passava por imensa popularidade:

"Zum, zum, zum
Zum, zum, zum
Está faltando um, oi!

Zum, zum, zum
Zum, zum, zum
Está faltando um.

Ele que era o porta-estandarte
E que fazia alaúza e zum-zum
Hoje o bloco está mais triste sem ele
Está faltando um.

Bateu asas foi embora
Não apareceu
Nós vamos sair sem ele
Foi a ordem que ele deu."

Dalva de Oliveira interpretando Zum-Zum-Zum.
















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Luiz Antônio, compositor conhecido por suas constantes denúncias das mazelas sociais brasileiras em diversos carnavais, mais uma vez acerta a mão e faz sucesso. Apesar de as mensagens das músicas carnavalescas acabarem diluídas entre tantos temas, alguns mirabolantes, festas, confetes, serpentinas e lança-perfumes, a introdução de assuntos tão incômodos ao sistema em uma festa popular quanto o carnaval, já serviria para consagrá-lo. Sapato de Pobre, feita em parceria com Jota Júnior, foi um dos sambas mais executados nos salões de bailes e um dos mais cantados pelos blocos carnavalescos, constituindo-se em novo êxito de Marlene, arrebatando o 3.º lugar 
no concurso oficial no quesito samba:
"Sapato de pobre é tamanco
Almoço de pobre é café, é café
Maltrata o corpo como quê, porque
O pobre vive de teimoso que é.

Folha de zinco, caixão de banha
Faz um barraco em qualquer favela
Se tem uma Amélia que o acompanha
Embora pobre, é feliz com ela."

Marlene interpretando Sapato de Pobre.















Linda Batista foi outra que alcançou grande repercussão popular com o samba Madalena, de Ary Macedo e Jair Amorim, um dos mais bonitos do ano, e interpretado de forma magnifica pela famosa cantora. Seu sucesso atravessou anos, sendo hoje um clássico do carnaval:

"Chorar como eu chorei
Ninguém deve chorar
Amar como eu amei
Ninguém deve amar.
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Chorava que dava pena
Por amor a Madalena
E ela me abandonou
Diminuindo no jardim
Uma linda flor.
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Ela que para mim
Era um anjo de bondade
Partiu me deixando saudade
Eu, que era feliz,
Tornei-me um sofredor
Porque perdi um grande amor."

Linda Batista interpretando Madalena. 
















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No entanto, O samba que mais se destacou nesse carnaval foi sem dúvida Pra Seu Governo, de mestre Haroldo Lobo (já sucesso com Retrato do Velho) e Milton de Oliveira, gravado por Gilberto Milfont e exaustivamente tocado nas rádios e nos salões de bailes, terminando também por ser premiada com o primeiríssimo lugar no concurso da prefeitura do Distrito Federal:
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"Você não é mais meu amor
Por que vive a chorar
Pra seu governo
Já tenho outra em seu lugar.

Pedi pra voltar
Porém você não me atendeu
Agora o nosso amor
Pra seu governo já morreu."

Gilberto Milfont interpretando Pra Seu Governo.
















Com a entrada das pequenas gravadoras no mercado, ficou evidente que, a partir desse ano de 1951, o carnaval começava a sofrer transformações que logo mudariam suas características.
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Ouça outras músicas do carnaval de 1951:


Nelson gonçalves interpretando Ai! Morena.


















Isaurinha Garcia interpretando Aladim.


















Emilinha Borba interpretando Bate o Bombo.






















5 comentários:

Anônimo disse...

Saudades!!!!!Hoje, navegando pela osndas da grande rede, encontrei este "cantinho", e passei momentos de completo extase, ouvindo o verdadeiro som da nossa música popular.
Parabéns!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Marilia disse...

Delicia de Blog... pena que haja muitos com essa qualidade!

Marilia disse...

Delicia de blog... fiquei apaixonada!

Marilia disse...

Delicia de blog... fiquei apaixonada!

Unknown disse...

OBRIGADA. Pude viajar atraves dos tempos e entender um pouco mais da minha historia.
Muitas felicidades,