22.8.06

“MARIA CANDELÁRIA”: SASSARICANDO NO SERVIÇO PÚBLICO

O carnaval de 1952 foi marcado por críticas por parte da imprensa especializada pela sua mercantilização. O povo somente cantou nos bailes aquelas músicas que as sociedades arrecadadoras permitiram. Muitos sambas e marchas de qualidade são proibidos de serem veiculadas devido ao fato de não possuírem autorização legal. Assim, nos programas de rádio que antecedem ao carnaval, só se podem ouvir músicas previamente escolhidas, o povo impedido de fato de expressar suas preferências.

No entanto, apesar de apresentar poucos sambas e muitas marchas, uma tendência ao longo dos últimos anos, foi um sucesso em termos de qualidade de suas músicas, qualidade aqui devendo ser entendida em seu sentido carnavalesco. Mais uma vez, escuta-se de tudo; o morro, a cidade, os problemas sociais, o passional, as sátiras aos costumes etc. Foi um carnaval, pode-se dizer, o mais eclético possível, praticamente todos os gostos contemplados.


Indubitavelmente, Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, certamente uma das melhores duplas carnavalescas de todos os tempos, foram os autores da melhor marcha do ano, Maria Candelária, Sátira feroz aos funcionários apadrinhados que, ao invés de trabalharem e fazerem carreira no serviço público, já chegam ao topo da escala do merecimento sem esforço algum. Gravada por Blecaute, torna-se um clássico eterno da música popular brasileira:



“Maria Candelária
É alta funcionária
Saltou de pára-quedas
E caiu na letra ó
Ó, ó, ó, ó!

Começa ao meio-dia
Coitada da Maria
Trabalha, trabalha
Trabalha de fazer dó
Ó, ó, ó, ó!

À uma, vai ao dentista
Às duas, vai ao café
Às três, vai à modista
Às quatro assina o ponto
E da no pé
Que grande vigarista que ela é!”

Blecaute interpretando Maria Candelária.




















Virgínia Lane, a "Vedete do Brasil", cuja popularidade estava nas alturas, e segundo as colunas de fofocas, amante de Getúlio Vargas, brilhava no palco do Teatro Recreio com a revista de Freire Júnior e Luiz Eglésias Eu Quero Sassaricá. Baseados na
 revista, Luiz Antônio, Zé Maria e Oldemar Magalhães compõem Sassaricando, marcha deliciosamente maliciosa, em que deixam claro que, no final das contas, todo mundo é chegado num sassarico. Foi um sucesso estrondoso, popularizando um termo que virou moda por longo tempo. Terminou premiada no concurso oficial da prefeitura do Rio de Janeiro:


“Sá, sassaricando
Todo o mundo leva a vida no arame
Sá, sassaricando
A viúva, o brotinho e a madame
O velho na porta da Colombo
É um assombro sassaricando.

Quem não tem seu sassarico
Sassarica mesmo só
Porque sem sassaricar
Essa vida é um nó, nó, nó, nó”.

Virgínia Lane interpretando Sassaricando.




1952 se constituiu no carnaval de Marlene. A cantora, que vira sua rival, Emilinha Borba, ganhar o carnaval do ano anterior com Tomara que Chova, arrasa neste ano com dois sucessos espetaculares: o samba Lata d’Água, de Luiz Antônio e Jota Júnior, e a marcha Eva, do mestre Haroldo Lobo e de Milton de Oliveira, ambas apresentadas no filme Tudo Azul, de Moacir Fenelon, filme estrelado por ela e seu futuro marido, Luiz Delfino.



Lata d’Água, como quase todas as músicas de Luiz Antônio, toca em um tema recorrente em sua obra: os problemas sociais enfrentados pelos favelados e despossuídos. Todavia, também como sempre, suas letras nunca propõem qualquer forma de luta ou organização popular para alterar esse estado de coisas. A exemplo de Sapato de Pobre, sucesso anterior, Lata d’Água é somente um instantâneo do quotidiano da mulher pobre e favelada, que sonha em mudar de vida, indo para o asfalto, de onde, supõe-se, jorra leite e mel. Tudo isso, aliado ao fato já levantado de suas músicas serem compostas para o carnaval, acabavam diluindo, ainda mais, suas mensagens, enquanto o povo gritava, cantava e pulava. De qualquer forma, foi o samba mais bonito do carnaval, sendo sua premiação (terceiro lugar) pela prefeitura do Rio de Janeiro mais do que justa:

“Lata d'Água na cabeça
Lá vai Maria
Lá vai Maria
Sobe o morro, não se cansa
Pela mão leva a criança
Lá vai Maria.

Maria lava roupa lá no alto
Lutando pelo pão de cada dia
Sonhando com a vida no asfalto
Que acaba onde o morro principia.”

Marlene interpretando Lata d'Água.



















Eva, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, outro tema recorrente no carnaval, segue o estilo de Chiquita Bacana, refletindo o instante social por que passava o Rio de Janeiro, a vontade de levar a vida numa boa, sem roupa e sem preconceitos, porém impedidos pelo poder de polícia da civilização. Nudismo, só no paraíso. A música acabou ganhando o carnaval:


“Eva me leva
Pro paraíso agora
Se estou com muita roupa
Eu jogo a roupa fora.

Você vive bem
Em pleno verão
Você vai ao baile
Até de calção.

Queria usar
Também pouca roupa
Mas é que a polícia
Daqui não é sopa.”

Marlene interpretando Eva.


















Se Eva ganhou o carnaval como a melhor marcha do ano, no quesito melhor samba o grande vencedor foi Mundo de Zinco, dos infernais Wilson Batista e Nássara, gravação de Jorge Goulart, que atinge nesse momento seu auge de popularidade. Segundo o jornal Última Hora, prevendo o sucesso de Mundo de Zinco, o samba tinha

“letra inspirada, bonita e ao mesmo tempo fácil de ser apanhada pelo povo; sua música é melódica, mesmo nas estridências necessárias do apito de trem, harmonizando-se em ritmo essencialmente carnavalesco vivo e vibrátil”.

Outro sucesso eterno:

“Aquele mundo de zinco
Que é Mangueira
Desperta com o apito do trem
(pi piu)
Uma cabrocha, uma esteira
Um barracão de madeira
Qualquer malandro
Em Mangueira tem.

Mangueira fica pertinho do céu
Mangueira vai assistir o meu fim
Mas deixo o nome na história
O samba foi minha glória
E sei que muita cabrocha
Vai chorar por mim.”


Jorge Goulart interpretando Mundo de Zinco.
















Mesmo não sendo cantor, o animador de auditório mais famoso do Brasil, César de Alencar, às vezes gravava algumas músicas, na maioria das vezes, cantando em dueto. Para esse carnaval de 1952, grava a marcha Acho-te Uma Graça, de Benedito Lacerda, Haroldo Lobo e Carvalhinho, sucesso absoluto, muito mais devido ao fato de ter sido tocada à exaustão no período antecedente ao carnaval, principalmente em seu programa de auditório. Apesar de ter uma música fraca e com uma letra de certa forma indigente, também é premiada no concurso oficial:

“Chora palhaço
Chora que passa
Pimenta nos olhos
dos outros é refresco
Acho-te uma graça.

Queria fazer eu sofrer
E até ver a minha desgraça
Mas é que eu não durmo
Com os olhos dos outros
Acho-te uma graça.”


Monsueto Meneses (1924 - 1973), múltiplo artista, compositor, humorista, cantor, instrumentista, obteve neste carnaval seu primeiro grande sucesso, Me Deixa em Paz. Criado no Morro do Pinto, convivendo com partideiros, rodas de samba e batucadas, Monsueto logo se encanta com a bateria, tornando-se um instrumentista de respeito, tocando, inclusive, com Copinha e sua Orquestra no Copacabana Palace. Porém sua faceta de compositor só foi descoberta neste carnaval, abrindo-lhe as portas para o show business a partir daí.




Composta em parceria com Aírton Amorim (na verdade, a música era só de Monsueto. Aírton Amorim era um discotecário que exigia parceria para tocar determinadas músicas), o samba, gravado com grande sensibilidade por Linda Batista, dividiu com Lata d’Água e Mundo de Zinco o título do samba mais bonito e bem feito do carnaval carioca, constituindo-se em outro sucesso eterno, constantemente regravado:


“Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar.

Evitar a dor
É impossível
Evitar esse amor
É muito mais
Você arruinou a minha vida
Ora, vá mulher
Me deixa em paz".

Linda Batista interpretando Me Deixa em Paz.




















Mas os autores da marcha mais bonita do carnaval foram realmente David Nasser e Jota Júnior. Confete, uma das raras músicas em que o lirismo é a tônica dominante. Também ficou na história do carnaval por ter sido o último grande sucesso carnavalesco de seu intérprete, Francisco Alves, que morreria algum tempo depois em um desastre de automóvel:

“Confete
Pedacinho colorido de saudade
Ai, ai, ai, ai
Ao te ver na fantasia que usei
Confete, confesso que chorei.

Chorei, porque lembrei
O carnaval que passou
Aquela colombina
Que comigo brincou
Ai, ai, confete
Saudade do amor que se acabou.”


Ouça Francisco Alves interpretando Confete.


Um comentário:

kirongosi disse...

Maria Candelaria
Letra correta

“Maria Candelária
É alta funcionária
SALTOU de pára-quedas
E caiu na letra ó
Ó, ó, ó, ó!

Começa ao meio-dia
Coitada da Maria
TRABALHA NOITE E DIA
Trabalha de fazer dó
Ó, ó, ó, ó!

À uma, vai ao dentista
Às duas, vai ao café
Às três, vai à modista
Às quatro assina o ponto
E da no pé
Que grande vigarista que ela é!”