24.8.06

ANO DE CÃO

Se Getúlio precisasse de notícias ruins para inaugurar seu terceiro ano de mandato, ele não teria que esperar muito. E todas de São Paulo. Logo no início do ano, o professor Francisco Cardoso, candidato do PTB à prefeitura de São Paulo, apoiado pelo governador Lucas Garcez e por Adhemar de Barros (apesar das evidências de que este tramava seu afastamento da base de apoio governista), é fragorosamente derrotado por Jânio Quadros, fato que prenunciava que seu prestígio no Estado mais rico da União se encontrava, no mínimo, abalado. A classe média, amedrontada pela situação de crise por que passava o país, com a possibilidade das autoridades monetárias perderem o controle do processo inflacionário, vota em peso no candidato do Partido Democrata Cristão, enquanto o operariado, absolutamente insatisfeito com suas condições de vida, vivendo na periferia, sem acesso ao mínimo que a dignidade humana exigia (água encanada, programas de saúde, saneamento básico etc.), se deixa seduzir pelo canto da demagogia, seu voto significando que a insatisfação popular desaguava em votos para quem lhes prometia um mar de rosas.

Jânio da Silva Quadros, professor de Português (e Geografia) no Colégio Dante Alighieri, surgiu para a política em 1947, quando se candidata a vereador e se elege, mesmo sem uma base política consistente. Atuando, desde o início de sua carreira, com dois discursos, um, moralizante, para a classe média, outro, eivado de promessas de propiciar melhores condições de vida para a crescente massa operária, tornando-se símbolo de um descontentamento que se entranhava em todas as classes, logo, nas eleições de outubro de 1950, se elege deputado estadual, após uma campanha que se poderia chamar, no mínimo, de espetacular.
Sua feroz retórica populista e demagógica, aliada à construção de um "tipo" físico que o aproximava do povão - olhos em fogo, dedo em riste, discurso inflamado que, na verdade, escondia um real programa de atuação, cabelos desalinhados, caspas cobrindo seus paletós, providencialmente de cores escuras, seus famosos sanduíches comidos entre um comício e outro, bem diante de seus ávidos seguidores -, o tornaram, em pouco tempo, um mito popular, para o qual seu slogan de campanha – O Tostão Contra o Milhão – passou a se constituir a sua mais completa tradução.
Jânio, ao longo das próximas décadas, viria a ser uma figura emblemática de um modo todo peculiar de se fazer política dirigida às massas, que obviamente tinha seu apelo, a se verificar sua longevidade política, que ultrapassou, inclusive, até o golpe militar de 1964.
Ao mesmo tempo, dando prosseguimento aos clamores populares que vinham acontecendo desde a segunda metade de 1952 - os inquietantes protestos da "Panela Vazia" - e para piorar ainda mais as coisas para o lado de Getúlio, logo após as eleições, São Paulo entra em ebulição, quando eclode uma das maiores greves jamais acontecidas no país, a famosa greve dos trezentos mil.
A temperatura social começou a esquentar já em março, quando os tecelões, em manifestação no centro da cidade, reunindo cerca de 8.000 profissionais, exigem 60% de aumento salarial, prontamente recusado pelo patronato. Apoiados pelo Partido Comunista, a essa altura em franca oposição a Getúlio, e pelo Sindicato dos Metalúrgicos, os trabalhadores ameaçavam com uma greve geral.
Os acontecimentos vêm então de roldão: já no início de abril, a greve atingia a maioria das categorias dos trabalhadores, ferroviários, gráficos, portuários, motoristas e outras mais. A coisa ficou feia mesmo quando, na praça João Mendes, após vários disparos, a polícia tomou de assalto o prédio que supostamente seria o quartel-general dos dirigentes comunistas, prendendo 31 pessoas também supostamente pertencentes aos quadros do partido.
A classe média entra em parafuso, enquanto a UDN e a grande imprensa, aproveitando o ensejo para solapar o governo getulista, abalam ainda mais a população, dando a entender que a greve seria apoiada não só pelos comunistas, mas que, também, teria a simpatia do próprio Getúlio, não obstante o governo ter adotado uma nova Lei de Segurança Nacional (promulgada em janeiro/53, com o pomposo título de "Lei sobre os crimes contra o Estado e a ordem política e social", segundo a qual, qualquer reunião - ou comício - realizada em praças públicas, sem a autorização da polícia, seria considerada ilegal, sendo seus participantes tratados como delinqüentes), exatamente para ser usada contra as greves.
E para se ter uma idéia de como a imprensa conservadora tratou da questão, basta citar como a revista Manchete, recém inaugurada, viu o movimento paredista: “Comunistas, punguistas e vadios agitam São Paulo.”
Os principais líderes do movimento foram ameaçados de ser enquadrados na nova lei, ao mesmo tempo em que começam as perseguições. A repressão começa a agir e centenas de trabalhadores e lideranças sindicais são presos, tiro que saía pela culatra, porquanto a greve não perdia fôlego. Por fim, os patrões tiveram que se curvar. Os trabalhadores, no conjunto, obtiveram 32% de aumento, percentual que atingiu 70% no caso da combativa categoria dos gráficos. Era a vitória das massas organizadas, despertando ódio e rancor nas correntes antigetulistas, com o previsível aumento no volume das críticas contra o governo, já enfraquecido com a ambigüidade de Adhemar de Barros e a perda de apoio de importantes segmentos do proletariado, com o conseqüente fortalecimento do Partido Comunista.
Por outro lado, a greve trouxe resultados maiores do que a simples questão dos aumentos salariais: primeiramente, permitiu o surgimento de novas lideranças sindicais, divididas entre os comunistas, os trabalhistas e, em São Paulo, o janismo. Além do mais, o Comitê Intersindical de Greve se manteve intacto mesmo terminado o movimento reivindicatório, desaguando, mais tarde, no que seria o Pacto de Unidade Intersindical, o qual, como conseqüência, iria parir, mais tarde, o temido Comando Geral dos Trabalhadores, pesadelo dos patrões e de seus aliados no congresso e na grande imprensa.
Também, como conseqüência da grande greve, Segadas Viana, substituto de Danton Coelho no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, tornando-se peça dispensável por sua inabilidade, é destituído do cargo, sendo substituído por um jovem de 35 anos, gaúcho como Getúlio e de sua inteira confiança, chamado Jango Goulart, filho de ricos fazendeiros - ele próprio grande proprietário de terras - que, como Jânio Quadros, teria papel fundamental na política brasileira até o golpe de 1964. Getúlio esperava que, com essa substituição, poderia recompor sua base sindical, seriamente abalada após os acontecimentos recentes.

Na realidade, sentindo fraquejar sua base de apoio, ao mesmo tempo em que precisava criar fatos políticos consistentes e de impacto junto à opinião pública, Getúlio empreende, em meados do ano, uma ampla reforma ministerial. Além de Segadas Viana, Álvaro Pereira de Souza deixa o cargo de Ministro da Viação e Obras Públicas, entrando em seu lugar José Américo de Almeida que, apesar da UDN, era amigo pessoal de Getúlio. Oswaldo Aranha, também da UDN, substitui Horácio Lafer no Ministério da Fazenda. Tancredo Neves, do PSD mineiro, vai para o Ministério da Justiça, caindo Negrão de Lima. João Neves da Fontoura cede seu lugar de Ministro das Relações Exteriores para Vicente Rao e, por fim, Antônio Balbino de Carvalho Filho substitui Péricles Madureira de Pinho no Ministério de Educação e Cultura.
Com essa reforma, Getúlio intentava ganhar mais fôlego para enfrentar as poderosas forças conservadoras que gravitavam em torno da UDN, que, cada vez com mais virulência, se uniam contra seu governo, dispostos a tudo para colocar em prática a famosa frase de Carlos Lacerda, segundo a qual, se eleito, Getúlio não poderia governar.
Entretanto, das alterações acontecidas no gabinete ministerial, o que mais incomodava as forças da reação era realmente a entrada de Jango na Pasta do Trabalho, Indústria e Comércio. A UDN, não obstante a entrada de Oswaldo Aranha e José Américo de Almeida no governo, parecia ter ficado ainda mais raivosa e golpista, agora tendo Jango como alvo preferido. Também João Neves da Fontoura, Ministro das Relações Exteriores substituído por Getúlio, americanófilo até a medula, declara publicamente que Jango, ainda antes de ter sido indicado ministro, teria sido, juntamente com Batista Luzardo, embaixador brasileiro em Buenos Aires, o intermediário encarregado de costurar uma aliança política e de interesses entre Getúlio e Juan Domingues Perón, esse último demonizado pela grande imprensa que o considerava um reles demagogo, que utilizada os pobres - os descamisados - para seus propósitos políticos na Argentina.

Em sua posse, como se estivesse respondendo aos grupos da reação e à oposição, que o viam como um perigoso agitador, e aliado natural dos líderes operários ligados ao PTB e aos comunistas, Jango faz um discurso moderado, porém se colocando claramente a favor de uma maior organização dos trabalhadores em torno de seus interesses de classe:

"(...)
Meus objetivos são claros e definidos, resumindo-se na conquista de uma ordem social mais justa sem a mínima quebra com as tradições democráticas. Não trago para o ministério um programa de inquietação como pretendem alguns setores políticos, nem tampouco prometo solucionar milagrosamente os inúmeros problemas que afligem os trabalhadores.
(...)
Todos os nossos esforços resultarão inúteis, todavia, se não houver a reunião de proletariado através das células vivas e palpitantes do seu organismo que são os sindicatos."

Imediatamente após a posse de Jango, como se colocando à prova as promessas do novo ministro, os marinheiros entram em greve, reivindicando o cumprimento de acordos anteriormente firmados, passando por exigências históricas da categoria, dentre as quais a melhoria da alimentação servida a bordo dos navios brasileiros, pagamento de abono de emergência, implementação da semana inglesa, gratificação por insalubridade, cumprimento da lei que estipulava a jornada de 8 horas de serviço e diversas outras reivindicações. Enfraquecido, acuado pela oposição e seus aliados na imprensa e, mais do que nunca, necessitando de apoio, o governo cede, e todas as exigências dos marinheiros são atendidas.

Só que Jango cai em uma armadilha armada por ele próprio.
Discursando na posse da nova diretoria do Sindicato dos Operários Navais, elogia a unidade dos marinheiros na recente greve, dizendo textualmente para desagrado de seus opositores:

"(...) Enquanto for Ministro, O Ministério do Trabalho será uma trincheira dos trabalhadores. Preciso dos trabalhadores para levar a peito uma obra de paz social, para reforçar a unidade operária e para, também, vencer os focos de reação.
(...)
O Brasil precisa de líderes operários. Precisa, outrossim, dessa unidade demonstrada na greve dos marítimos, tão indispensável ao desenvolvimento do sindicalismo. Unidos, os trabalhadores conquistarão as suas reivindicações."

Tais palavras e atitudes do jovem ministro acirram mais ainda a campanha contra o governo getulista, inquietando os empresários e fazendo com que a grande imprensa afiasse as garras, partindo direto para o confronto, insinuando, inclusive, que, nos salões do Palácio do Catete estaria sendo gestado um golpe de Estado, o que repercute intensamente no exterior, principalmente nos Estados Unidos, o mais interessado em defenestrar Getúlio, por motivos óbvios.
Jango, por seu lado, respondia aos ataques de maneira categórica, pondo, dessa forma, mais lenha na fogueira:

"(...)

O que se depreende de tudo é que já atingiram proporções verdadeiramente ridículas os boatos, segundo os quais a minha presença no governo constitui uma ameaça ao regime. À falta de qualquer fato concreto, levantaram-se contra mim sucessivas ondas de palavrório vazio, vislumbrando intenções subversivas nos atos mais rotineiros de minha administração.
(...)
No meu caso, além de ataques infames à minha honorabilidade, inventam as mais sórdidas mentiras e intrigas, como é exemplo essa pitoresca 'república sindicalista' que anda no cabeçalho de alguns jornais. Acusam-me de peronista, porque prestigio as organizações dos trabalhadores, que são os sindicatos. Ora, os sindicatos são exatamente os órgãos de representação e defesa dos interesses profissionais e econômicos das diferentes categorias, tanto de empregados como de empregadores.
É dever do Ministério do Trabalho, portanto, estimular e prestigiar a organização sindical. Jamais poderia estar nos meus intuitos a transformação dessas entidades em instrumentos de ação política, não só porque isto seria desvirtuar-lhes as finalidades, como também a isso se opõem os preceitos da lei.
Nesta oportunidade, e a propósito de um editorial publicado no The New York Times, devo dizer que o Ministério do trabalho não pretende utilizar-se da sua influência para fazer inclinar o movimento operário neste ou naquele rumo, mas deseja, tão somente que se oriente no sentido dos legítimos interesses das classes trabalhadoras e rigorosamente dentro da Constituição, das leis e dos sagrados interesses nacionais.
(...)"
Com tal clima de discórdia, muitos acreditavam que a permanência de Jango à frente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio seria tão curta quanto a de seu antecessor.

Nesse ano de cão para Getúlio, tudo parecia conspirar contra ele. As oposições, capitaneadas por Carlos Lacerda, mal iniciara o ano, vislumbram mais uma oportunidade para solapar o governo trabalhista, agora com relação ao jornal Última Hora.
Primeiramente, a campanha foi direcionada para o fato de que Samuel Wainer, sendo supostamente estrangeiro, não poderia ser proprietário de nenhum veículo de comunicação no Brasil, conforme rezava a Constituição. Concomitantemente, outra campanha se iniciava, desta vez para denunciar que o jornal somente se tornara realidade pelas facilidades que Samuel encontrara nos estabelecimentos de crédito do Estado, o Banco do Brasil notadamente, para financiar seu projeto jornalístico.
Aliás, seus projetos jornalísticos.
Ainda em março de 1952, Samuel conseguira lançar a versão paulista de Última Hora, com financiamento da ordem de doze mil contos de réis, subscrito pelo conde Francisco Matarazzo, que, empenhado em uma renhida luta contra Assis Chateaubriand, via no jornal um baluarte em sua defesa contra o poderoso inimigo.
O novo jornal, diferente e moderno, logo se transforma em um enorme êxito editorial, tornando-se, em seis meses, líder de circulação em São Paulo, para desespero dos concorrentes, principalmente do mais rico e influente jornal do país, O Estado de São Paulo.
E Samuel Wainer não parava.
Em abril desse ano, ousadamente, lança um semanário nacional - Flan - que, graças ao seu ineditismo na imprensa brasileira, em poucas semanas atingia a incrível circulação de cento e cinqüenta mil exemplares, constituindo-se em alternativa à poderosa O Cruzeiro, dos Diários Associados, fato imperdoável para o grande magnata da mídia nacional, Chatô, o Rei do Brasil.
Em conseqüência, as coisas pegam fogo, e toda a grande imprensa, aí incluídos O Correio da Manhã, O Jornal, Diário Carioca, Diário de Notícias, O Globo etc. etc., se une contra Samuel e, obviamente, contra Getúlio Vargas.
Carlos Lacerda, em seu ódio visceral ao presidente, ganha então aliados poderosos. Logo, os microfones da Rádio Globo lhe são franqueados, enquanto sua poderosa oratória começa a ser vista e ouvida através das telas da TV Tupi do Rio de Janeiro.

Wainer, vendo-se encurralado por todos os lados, tenta uma cartada decisiva. Confiando em seu taco, e seguro de si como sempre, propõe a Getúlio que fosse formada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (novidade em terras brasileiras, mas já famosa nos Estados Unidos devido a uma campanha executada pelo senador Eugene MacCarthy contra uma suposta infiltração comunista nos meios de comunicação e, em especial, em Hollywood, que ficaria famosa no mundo inteiro como o período de "Caça às Bruxas"), para apurar as denúncias contra ele e seus jornais.

Alzira Vargas é então incumbida de sugerir a Gustavo Capanema, líder da maioria getulista na câmara, que apresentasse um projeto de formação da comissão. Como a base de apoio de Getúlio era majoritária, a CPI seria formada de forma proporcional à representação de cada partido, Samuel estava convicto de que não só sairia de alma lavada da batalha, como também deixaria a nu as mazelas da oligárquica imprensa brasileira.

Assim sendo, em abril de 1953, é instalada a primeira CPI no Brasil, Castilho Cabral, do PSP adhemarista, escolhido para ser o presidente da comissão. O feroz Aliomar Baleeiro e Guilherme Machado foram indicados pela UDN. A dobradinha PSD/PTB foi representada por Frota Aguiar e por um jovem político, mas já ensejando vislumbrar uma matreira raposa, que muito daria o que falar no futuro, Ulisses Guimarães.

A CPI logo se transformaria em uma carnificina contra Wainer e, especialmente contra Getúlio Vargas, o alvo principal por detrás da comissão.
A estratégia da UDN foi dividir os ataques em duas frentes: Na comissão e na grande imprensa. Na comissão, imperava os ataques comandados pela temida "banda de música", um grupo formado pelos mais brilhantes parlamentares udenistas, pontuando Afonso Arinos de Melo Franco, Aliomar Baleeiro, Prado Kelly, Raul Fernandes e Guilherme Machado. Na outra frente, Carlos Lacerda, com todo o tempo que queria, realiza, através dos microfones da Rádio Globo e da TV Tupi, uma campanha de horror, onde a calúnia, o insulto e a mais baixa difamação substituíam a procura pela verdade. Mais do que fechar a Última Hora, o objetivo dessas duas frentes era provar o vínculo direto de Getúlio com Wainer e, com isso, criar as condições objetivas de promover o "impeachment" do presidente por crime de favoritismo.
Por seu lado, Samuel Wainer tentava se escusar das acusações mais pesadas. Em um documento intitulado "Livro Branco da Imprensa Amarela", onde, além de defender sua empresa, a Érica, também ataca de forma violenta os grandes grupos de comunicação brasileiros, mostrando sua real situação com relação a financiamentos, favoritismos e dívidas não pagas, ele é duro e implacável. No entanto, se recusa a revelar os nomes dos financiadores de seus órgãos de comunicação.
Já totalmente dominada pela UDN, porquanto Ulisses Guimarães obviamente se omitia, ao contrário do que se esperava dele, e Frota Aguiar, amedrontado e ambivalente, se bandeara para as hostes inimigas, Samuel, de repente, se vê diante de um paredão: ou revelava o nome de seus financiadores ou seria preso. Diante do mutismo do jornalista, a comissão, com poderes de polícia, dá-lhe voz de prisão por desacato, indo Samuel preso para o quartel-general da Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde fica por 10 dias, sendo solto por intermédio de um habeas-corpus impetrado a seu favor.
Já com repercussões internacionais, o objetivo da comissão se torna cada vez mais clara: derrubar Getúlio.
Todavia, apesar de virar pelo avesso a vida do jornalista, de averiguar suas mais íntimas ligações com Getúlio e de já ter maioria na comissão, com o bandeamento do adhemarista Castilho Cabral, presidente da Comissão (acompanhando Frota Aguiar) para os ventos mais favoráveis aos udenistas, a CPI, mesmo acusando Wainer de todos os crimes imagináveis - dumping, falsidade ideológica (devido ao fato de que ele não seria brasileiro, tendo se registrado como nascido no Brasil aos 16 anos), concorrência desleal, favoritismo, devedor do Banco do Brasil insolvente, violação da ética profissional e diversas outras - nada consegue. Afinal de contas, toda a imprensa tinha o rabo preso, também devendo aos órgõs oficiais. Com exceção do semanário Flan, imolado em sacrifício, tanto o Última Hora carioca quanto o paulista não deixam de circular nem um dia, não deixando, também, de desfechar violentos ataques contra seus detratores em todos os números. Carlos Lacerda, por exemplo, seu alvo principal, é então apelidado de "Corvo", que o acompanharia para o resto de sua vida. E apesar da virulenta campanha ter conseguido apoio de importantes segmentos da opinião pública, aquela mais susceptível às suas pregações, ou seja, a classe média das grandes e médias cidades, o que a oposição mais queria - a cabeça de Getúlio - teria que esperar mais algum tempo.
Entrementes, aos trancos e barrancos, e com inimigos por todos os lados, Getúlio, aparentando tranqüilidade, tenta dar curso ao seu governo, apesar de todos os problemas que, a toda instante, apareciam.
Debalde.
Em junho, por exemplo, coroando a campanha de intimidação, é extinta pelo governo norte-americano, unilateralmente, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. E dos 250 milhões de dólares negociados ainda durante a administração Truman, o governo brasileiro é informado que somente 100 milhões seriam liberados. Além do mais, a nova administração republicana de Eisenhower diminuiu a compra do café brasileiro, que passa, em um período de pouco mais de um ano, de 4,1 para 2,9 milhões de sacas. Coincidentemente, esse período assiste a uma brutal queda nos preços do café, cujos preços eram controlados exatamente pelos norte-americanos, o que reduz a receita vinda do exterior, ajudando a tornar ainda mais deficitária a balança comercial brasileira.
O déficit na balança comercial brasileira, aliás, acarretando significativa queda na receita externa, foi o grande responsável pela crise política desse período, intensificando a luta por capital entre os diversos setores do capitalismo nacional. O que ocorria é que, não obstante o extraordinário crescimento da indústria brasileira nos últimos anos, o país não completara a contento seu processo de substituição de importações (produção interna de bens de capital - máquinas e equipamentos - e instalação de uma indústria de base e eletromecânica - construção naval, mecânica pesada, siderurgia etc.), condição sine qua non para que o elo da dependência externa fosse rompido. O impasse nesse processo, em decorrência, era inevitável, já que, para se ampliar o setor industrial, faziam-se necessárias altas taxas de investimento, somadas ao aumento das importações de bens de capital. O resultado, obviamente, era o déficit na balança comercial.
A crise do período, consubstanciada pelo declínio da receita externa, exacerbando uma feroz luta entre os diversos setores capitalistas encastelados no poder pelas reduzidas divisas, se configura, então, pela seguinte situação: por um lado, reação do setor agro-exportador, que não mais aceita a política de confisco cambial empreendida pelos gestores da política econômica getulista em favor da indústria, principalmente nessa época de vacas magras devido à queda nos preços dos principais produtos agrícolas exportados. Por outro, intranqüilidade entre os operários, com greve e manifestações de massas, como conseqüência da redução relativa dos salários, somada à pressão de parlamentares, imprensa burguesa e grandes capitalistas pela liberação das importações e da entrada e saída de capitais (o que efetivamente conseguem).
A mesma imprensa de oposição deixava claro que esses atos do governo norte-americano seriam uma retaliação dos ianques contra medidas tomadas pelo governo Vargas, que contrariavam seus interesses, dentre os quais a proposta, enviada ao Congresso, de se votar a criação de uma Lei de Lucros Extraordinários, a Instrução n.º 70 da SUMOC - Superintendência da Moeda e de Crédito, que, visando desenvolver a produção nacional, encarecia os bens de consumo importados. E, mais importante de tudo, depois de uma longa luta popular que atravessou anos, a criação definitiva da Petrobrás, com monopólio total por parte do Estado do extrato e, parcialmente, do refino do petróleo brasileiro, cuja lei (n.º 2004) foi promulgado por Getúlio em outubro de 1953, pondo fim ao sonho americano de se apoderar das jazidas brasileiras.
Tantas medidas contrárias aos seus interesses enfurecem a administração republicana nos Estados Unidos que, mais enfurecida fica quando, no apagar das luzes do ano, a 20 de dezembro, no Paraná, Getúlio ataca, virulentamente, a remessa de lucros das empresas alienígenas aqui instaladas.
Era demais para os norte-americanos e seus sicofantas. A partir daí, a guerra contra Getúlio seria total e sem tréguas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do que lí. O que nos falta como brasileiros, é informação! Obrigado mesmo.

Anônimo disse...

Parabens pelo blog! descobri a 2 dias e nao paro de ler tudo sobre os anos 50! dou como sugestao que voce escreva sobre os anos 60 e 70 depois , va entrando paulatinamente nas proximas decadas a medida que terminar os anos 50, e nao pare! seu blog é excelente! Claudio Maximus

Anônimo disse...

Nota dez.No mínimo.