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O nome da pessoa presa às ferragens era Francisco Alves, o Rei da Voz, e, quando, algum tempo depois, a notícia se espalha, e a Rádio Nacional interrompe sua programação normal para entrar o Repórter Esso, em edição extraordinária, para informar a todo o Brasil que o famoso cantor havia morrido em um trágico acidente de automóvel, a comoção toma conta do Brasil.
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Confirmada a morte do cantor, o país quedou-se paralisado, os boatos tomando conta de todos os rincões, a maioria não acreditando na tragédia. A Rádio Nacional, assim que o corpo é liberado, providencia sua remoção para o Rio de Janeiro, ficando ele exposto à visitação pública na Câmara dos Vereadores. A fila que se forma à frente da Câmara do Distrito Federal dobra quarteirões, iniciando-se uma romaria que unia o mais anônimo fã do cantor à maioria dos cantores brasileiros mais conhecidos e famosos, além de astros do cinema, teatro e da televisão.
Às 11 horas de segunda-feira, o corpo do cantor parte rumo ao cemitério São João Batista, acompanhado por uma multidão calculada entre 200 a 500 mil pessoas. A urna mortuária, seguida a pé pelo grosso da população, é conduzida em carro especial pelos soldados da polícia especial, enquanto a multidão, espalhada pelos passeios e pelas ruas adjacentes, dava seu último adeus ao ídolo, e o comércio abaixava suas portas em sinal de dor e de respeito. Segundo se comentava, fora o maior enterro já acontecido no Rio de Janeiro, comparável somente ao do Barão do Rio Branco, de João do Rio e de Rui Barbosa. Assim terminava a longa carreira do maior cantor popular do Brasil.
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Ainda atuando na noite, grava, em 1924, seu primeiro disco para um
a grande gravadora, a Odeon, estreando com as músicas Chamas do Carnaval (marcha) e Miúdo (samba). Esta gravação é tão rara e desconhecida que muitas fontes não a citam; segundo alguns relatos biográficos, após já ter feito um certo nome nos teatros populares da Praça Tiradentes, é levado à mesma Odeon pelo compositor Freire Júnior, onde grava a primeira versão de Gosto Que Me Enrosco, então chamada de Cassino Maxixe, e Ora, Vejam Só, ambas as músicas, mais uma vez, de Sinhô. Gravaria ainda pela mesma matriz mais 10 discos que não fazem sucesso, mas que o torna um nome razoavelmente conhecido no Rio de Janeiro. Em 1927, seu nome entra para sempre na história do disco no Brasil; quando a Odeon implanta no país seu sistema elétrico de gravações, Chico Alves é escolhido para inaugurá-lo, interpretando Albertina, do compositor Duque, constituindo-se na primeira gravação por esse sistema no Brasil.
Gilberto Alves interpretando Gosto que me Enrosco.

Gilberto Alves interpretando Gosto que me Enrosco.
Por volta do final dos anos 20, evitando que sua carreira ficasse numa espécie de limbo, e em busca de novidades para seu repertório, Chico procura se aproximar, não desinteressadamente, é claro, de sambistas do bairro do Estácio, fazendo com que alguns dos maiores sambistas de todos os tempos - Ismael Silva, Cartola, Bide e outros, se tornassem amigos de vários cantores de prestígio. E foi exatamente de Bide (1902 - 1975) que ele compra o samba A Malandragem, de 1927, gravando-o para o carnaval de 28 e que se constitui em seu primeiro sucesso em discos. Sua fama de comprador de músicas vem a partir daí.
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Sua estreia no rádio também se dá em 1927, quando começa a se apresentar na Rádio Sociedade, ao mesmo tempo em que começa a gravar na etiqueta Parlophon, que pertencia à Odeon, época também em que adota o nome artístico de Chico Viola.

Se você jurar que me tem amorEu posso me regenerarMas se é para fingir, mulherA orgia assim não vou deixar.Muito tenho sofridoPor minha lealdadeAgora estou sabidoNão vou atrás de amizade.
A minha vida é boaNão tenho em que pensarPor uma coisa à toaNão vou me regenerar.
A mulher é um jogoDifícil de acertarE o homem como um boboNão se cansa de jogar.
O que eu posso fazerÉ se você jurarArriscar a perderOu desta vez então ganhar.”
Ismael Silva interpretando Se Você Jurar.
Francisco Alves interpretando A Voz do Violão.
Também de 1930 são o retumbante sucesso carnavalesco Dá Nela (“Essa mulher há muito tempo me provoca/ Dá nela, dá nela...”), que, por seu êxito, foi até premiado pelas casas Edson, dona de sua gravadora, e o Hymno a João Pessoa, gravada no rastro do assassinato do político homônimo paraibano. Consta que esta
última música, de Eduardo Souto e Osvaldo Santiago, chegou a provocar cenas de histeria de fé coletiva nos nordestinos, fazendo com que muitos se ajoelhassem perante o rádio, quando de sua divulgação.
No ano de 1930, a gravadora Odeon resolve criar uma dupla, reunindo dois dos seus maiores nomes, Francisco Alves e Mário Reis. O sucesso vem logo na primeira gravação, Deixa Essa Mulher Chorar, do compositor Brancura, e Quá, Quá, Quá, de Lauro dos Santos, a primeira um dos grandes sucessos do carnaval de 1931. O sucesso da dupla foi tanto, que chegaram a gravar 12 discos, dentre as quais a nossa conhecida Se Você Jurar (1930, para o carnaval de 1931) e Fita Amarela, samba de Noel Rosa gravado em 1933. Aliás, em 1932, com Noel Rosa e Ismael Silva, compõe várias canções (compradas, segundo as más línguas), gravando várias delas (Adeus, Uma Jura Que Fiz, Assim, Sim.
Aracy de Almeida interpretando Fita Amarela.
Francisco Alves interpretando A Voz do Violão.

última música, de Eduardo Souto e Osvaldo Santiago, chegou a provocar cenas de histeria de fé coletiva nos nordestinos, fazendo com que muitos se ajoelhassem perante o rádio, quando de sua divulgação.

Aracy de Almeida interpretando Fita Amarela.

Francisco Alves interpretando Foi Ela.
Marlene e Pery Ribeiro interpretam Dá Nela e Grau Dez.
Ciro Monteiro interpretando Formosa.
Francisco Alves interpretando Boa Noite, Amor.
A respeito dessa última música, uma valsa, corre a versão segundo a qual ela, apesar de brasileiríssima, foi adotava como prefixo pelo famoso Pedro Vargas, registrada por ele em 1938. Apesar disso, Chico Alves também adota a mesma música como prefixo (que o acompanharia até a morte), sem se importar com seu concorrente mexicano.
Também, paralelamente, o cantor inicia uma carreira cinematográfica ocasional, participando de alguns filmes do final da década de 30 e início da de 40, dentre eles, Alô, Alô, Brasil (Wallace Downey/Braguinha/Alberto Ribeiro), de 1935: Alô, Alô, Carnaval (Adhemar Gonzaga), de 1936 e Laranja da China (J. Rui), de 1939.
Francisco Alves interpretando Manhãs de Sol, do filme Alô, Alô, Carnaval.
Com a ditadura do Estado Novo, o nacionalismo está em alta. Exaltar o Brasil, repentinamente se torna moda, vários compositores entrando na onda. Francisco Alves é o cantor brasileiro responsável pela primeira gravação do gênero que ficaria na história com o nome de “samba-exaltação”, lançando, em 1939, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, com arranjo histórico de Radamés Gnatalli, que mais tarde seria escolhida a melhor música brasileira de todos os tempos:
Brasil! Meu Brasil brasileiroMeu mulato inzoneiroVou cantar-te nos meus versosOh! Brasil, samba que dáBamboleio, que faz gingarOh! Brasil, do meu amorTerra de Nosso SenhorBrasil! Brasil! Pra mim, pra mim.
Oh! abre a cortina do passadoTira a mãe preta do cerradoBota o rei congo no congadoBrasil! Brasil!Deixa cantar de novo o trovadorA merencória luz da luaToda canção do meu amorQuero ver essa dona caminhandoPelos salões arrastandoO seu vestido rendadoBrasil! Brasil! Pra mim, pra mim.
Brasil! Terra boa e gostosaDa morena sestrosaDe olhar indiferenteO Brasil, samba que dáBamboleio, que faz gingarOh! Brasil, do meu amorTerra de Nosso SenhorBrasil! Brasil! Pra mim, pra mim.
Ah! Esse coqueiro que dá cocoOnde amarro a minha redeNas noites claras de luarBrasil, pra mimAh! ouve essas fontes murmurantesAonde eu mato a minha sedeE aonde a lua vem brincar.Ah! esse Brasil lindo e trigueiroÉ o meu Brasil brasileiroTerra de samba e pandeiroBrasil, pra mim, pra mim,Brasil Brasil, pra mim, pra mim,Brasil Brasil, pra mim, pra mim.”
Francisco Alves interpretando Aquarela do Brasil.
Zé Carioca e Aquarela do Brasil.
Também em 1939 lança a música Brasil, em dueto com Dalva de Oliveira, onde a cantora, bastante longe de seu imenso prestígio de dez anos depois, se esmera em seus trinados; e, em 1941, a famosa e polêmica Canta, Brasil!, de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser. Ary Barroso, aliás, nunca perdoaria Alcyr por Canta, Brasil!. Apesar de manter suas relações de amizade com David Nasser e com Chico Alves, rompe espetacularmente com seu novo desafeto, acusando-o de ter plagiado vergonhosamente Aquarela do Brasil.
Zé Carioca e Aquarela do Brasil.
Também em 1939 lança a música Brasil, em dueto com Dalva de Oliveira, onde a cantora, bastante longe de seu imenso prestígio de dez anos depois, se esmera em seus trinados; e, em 1941, a famosa e polêmica Canta, Brasil!, de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser. Ary Barroso, aliás, nunca perdoaria Alcyr por Canta, Brasil!. Apesar de manter suas relações de amizade com David Nasser e com Chico Alves, rompe espetacularmente com seu novo desafeto, acusando-o de ter plagiado vergonhosamente Aquarela do Brasil.
Francisco Alves interpretando Brasil.
Francisco Alves interpretando Canta, Brasil.
Francisco Alves entra na década de 40 estabelecido como o maioral da música popular

Francisco Alves (e Dalva de Oliveira) interpretando Valsa da Despedida.
Finda a guerra em 1945, a febre das versões de músicas norte-americanas e dos tangos argentinos toma conta do Brasil; nesse período, Francisco Alves entra na onda e grava uma série de versões de sucessos internacionais, basicamente foxes e tangos. Entretanto, foi no samba e no samba-canção que ele, em plena maturidade, alcança sucessos espetaculares de vendagem de discos. Em 1947, lança Adeus, Cinco Letras Que Choram, de Silvino Neto, um samba-canção de êxito extraordinário:
Finda a guerra em 1945, a febre das versões de músicas norte-americanas e dos tangos argentinos toma conta do Brasil; nesse período, Francisco Alves entra na onda e grava uma série de versões de sucessos internacionais, basicamente foxes e tangos. Entretanto, foi no samba e no samba-canção que ele, em plena maturidade, alcança sucessos espetaculares de vendagem de discos. Em 1947, lança Adeus, Cinco Letras Que Choram, de Silvino Neto, um samba-canção de êxito extraordinário:
“Adeus, adeus, adeusCinco letras que choramNum soluço de dorAdeus, adeus, adeusÉ como o fim de uma estradaCortando a encruzilhadaPonto final de um romance de amor.
Quem parte tem os olhos rasos d'águaSentindo a grande mágoaPor se despedir de alguémQuem fica, também fica chorandoCom um lenço acenandoQuerendo partir tambémAdeus, adeus, adeus
Adeus, adeus, adeus.”
Francisco Alves interpretando Adeus (cinco letras que choram).
Quase q

Ná Ozzetti interpretando Caminhemos.
Paulinho da Viola interpretando Nervos de Aço.
Francisco Alves interpretando Nervos de Aço.
Jamelão interpretando Esses Moços.
Chico Viola entra na década de 50 a pleno vapor: A Lapa, de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, arrebenta no carnaval de 1950. Confete (Jota Júnior e David Nasser) é uma das músicas mais tocadas no carnaval de 1952. Deus lhe Pague, samba de Polera, André Penazzi e Davi Nasser, também estoura nas rádios. Outra esperança de sucesso do cantor se concretizou com o relançamento de Serra da Boa Esperança, uma música cujo sucesso provou eterno.
Tetê e Alzira Espíndola interpretando Serra da Boa Esperança.
Francico Alves interpretando Deus lhe Pague.
Francisco Alves interpretando Nervos de Aço.
Jamelão interpretando Esses Moços.
Chico Viola entra na década de 50 a pleno vapor: A Lapa, de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, arrebenta no carnaval de 1950. Confete (Jota Júnior e David Nasser) é uma das músicas mais tocadas no carnaval de 1952. Deus lhe Pague, samba de Polera, André Penazzi e Davi Nasser, também estoura nas rádios. Outra esperança de sucesso do cantor se concretizou com o relançamento de Serra da Boa Esperança, uma música cujo sucesso provou eterno.
Tetê e Alzira Espíndola interpretando Serra da Boa Esperança.
Francico Alves interpretando Deus lhe Pague.

Mas a morte já o espreitava. E assim que a poeira assenta, Emilinha Borba, Ciro Monteiro e Orlando Silva, em via-sacra pelo centro do Rio de Janeiro, arrecadam dinheiro para a construção de uma estátua de bronze a ser afixada no túmulo do cantor. Lá, David Nasser, o compositor preferido do Rei da Voz, deixaria escrito para a posteridade:
“Tu, só tu, madeira friaSentirás toda agoniaDo silêncio do Cantor.”
4 comentários:
A pecha de "comprador de sambas", perpetrada ao cantor Francisco Alves não cabe. Naquela época isto era fato comum e muitos assim procediam. Inúmeros autores de livros sobre a história da MPB registram este fato. O cantor, pode ser considerado, logo após o seu ídolo, Vicente Celestino, o primeiro profissional de carreira da MPB, levando a sério o seu papel e, por isso mesmo, tendo grandes e sucessivos êxitos nela.
Mas, como um ser humano normal, não era perfeito e disso se valem, até hoje, um punhado de detratores que, por inveja ou despeito, fazem-lhe a (má) apologia de "comprador de sambas"... Haja!...
Se comprar sambas era "comum", anônimo, então "cabe" dizer então que ele, sim, comprava músicas, fato comprovado por diversos pesquisadores.
Foi tarde esse cantor de bosta jjkkkjk
Não vejo como fato comum, tendo em vista que muitos desses sambistas vendiam seus sambas para ter o que comer. Um cantor famoso poderia muito bem fazer a parte que sabia ser certa e ajudar de forma adequada. Fama ele tinha e dinheiro tb. Obviamente foi um grande cantor, isso não o desmerece, mas daí a dizer que foi inveja ou despeito, não mesmo. Haja visto foi comprovado por pesquisadores.
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