17.9.06

A RÁDIO NACIONAL E O SISTEMA DE ESTRELATO

Consolidada como a emissora líder de audiência no Brasil, após assimilar técnicas norte-americanas de linguagem e com a predisposição de conquistar corações e mentes dos brasileiros aos seus ideários ideológicos, a Rádio Nacional, mais que qualquer outra emissora, soube decodificar quais interesses estavam em jogo no Brasil, e quais eram os mais fortes parceiros com quem poderia contar, para se erigir como a absoluta campeã de audiência em todo o país. Em 1949, no limiar da década de 50, os programas favoritos ainda eram o Repórter Esso (de 1941), o Trem da Alegria (de 1943), os diversos programas de auditório, uma febre naquele momento, e outros mais. A grande perda foi o recordista e lendário PRK 30, da dupla Lauro Borges/Castro Barbosa, que se mudara para a Rádio Mayrink Veiga, cuja compensação foi possibilitar a Max Nunes a criação do maior sucesso da emissora, o também humorístico Balança, Mas Não Cai, que ultrapassaria a era do rádio, conquistando, mais tarde, galhardamente, a televisão.

Paulo Gracindo e Brandão Filho no quadro Balança, Mas Não Cai.



Todavia, longa seria a jornada da PRE 8 – a Rádio Nacional - para assumir a li
derança da audiência, o que não foi tão difícil assim, já que, na verdade, a emissora seria o instrumento ideológico de uma força, naquele momento, imbatível: o getulismo.
.
A Rádio Nacional foi oficialmente inaugurada em 12 de setembro de 1936, pouco antes da instauração da ditadura do Estado Novo (acontecida em 10 de novembro de 1937). Apesar de ainda não ser a emissora oficial do regime, o que só aconteceria em 08 de março de 1940, a preocupação dos ideólogos do novo regime em dotar o Estado com uma emissora radiofônica de caráter nacional já vinha de muito antes. Em fevereiro de 1936, Lourival Fontes, o futuro todo-poderoso do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, em entrevista à revista A Voz do Rádio, já argumentava:
"(...) dos países de grande extensão territorial, o Brasil é o único que não tem uma estação oficial. Todos os demais têm estações que cobrem todo o seu território (…) Não podemos desestimar a obra de propaganda pelo rádio, principalmente, a sua ação extra-escolar; basta dizer que o rádio chega até onde não chegam a escola e a imprensa, isto é: aos pontos mais longínquos do país e, até, à compreensão do analfabeto.”

Assim sendo, a produção radiofônica da Rádio Nacional foi, praticamente, desde o seu início, controlada por esse órgão terrível e assustador, o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda (criado em dezembro de 1939), diretamente ligado à presidência da República e tendo como finalidade última “centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa”. Também seria função do DIP a censura dos meios de comunicação, ou seja, do cinema, do teatro, da literatura, da imprensa e da radiodifusão. Seguindo o modelo colocado em prática com sucesso na Alemanha, a partir da subida de Hitler ao poder, o DIP ainda promovia e patrocinava manifestações cívicas, esportivas e recreativas; e, com o intuito de construir uma ideologia nacionalista, elaborava cartilhas e livros para crianças, criava DIP’s estaduais (DEIP’s) e tornava obrigatória a projeção em todos os cinemas brasileiros dos “Jornais Nacionais”, filmes de propaganda das atividades do governo ou de eventos que eram de interesse do novo regime. Além do mais, o DIP, para maior controle ideológico da imprensa, passa a emitir, mensalmente, uma lista de temas absolutamente proibidos de serem veiculados, tais como passeatas de estudantes, escassez de alimentos, textos de Oswald de Andrade (???) e outros que pudessem, de qualquer forma, incomodar o regime.

Obviamente, como sói acontecer, vários intelectuais de todas as matizes ideológicas, logo iniciam intensa colaboração com o Estado Novo, participando da ditadura getulista e aderindo a seu projeto com tal ânsia, que, com o passar dos tempos, tal colaboração, fatalmente, se tornaria motivo de intensos tiroteios.

A lista é bastante longa e controversa, muita gente, nos dias de hoje, sendo criticada só por tocar em assunto tão espinhoso: Cassiano Ricardo, autor de Martin Cererê, Dentro da Noite, Canções de Minha Ternura e diversas outras obras, ativo participante da reforma literária, cujo epicentro fora a Semana de Arte Moderna de 1922, íntimo de luminares de direita como Plínio Salgado, Menotti del Picchia e Raul Bopp, companheiros com quem participou dos grupos Verde-Amarelo e Anta, chegou a dirigir o DEIP de São Paulo; Gustavo Barroso, diretor do Museu Histórico Nacional e autor de literatura violentamente anti-semita, como A Maçonaria: Seita Judaica (1937), Judaísmo, Maçonaria e Comunismo (1937) e A Sinagoga Paulista (1937), era integralista de carteirinha, da linha nazista, apoiando o golpe getulista com determinação, aliás, como toda a Ação Integralista Brasileira, o feitiço logo virando contra o feiticeiro, pois, logo a polícia política de Getúlio estava à sua caça; Carlos Drummond de Andrade era Chefe de Gabinete do Ministro da Educação de Getúlio, Gustavo Capanema (“A Educação não pode ser neutra no mundo moderno”), que havia se cercado de vários intelectuais de esquerda, alguns também ligados ao movimento modernista. Capanema também conseguiu que Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Cândido Portinari trabalhassem na construção e decoração da sede de seu novo e imponente ministério. Miguel Reale, “o pai do Novo Código Civil era quadro importante da Ação Integralista; Múcio Leão dirigia o suplemento literário do jornal A Manhã, que, como a revista Planalto, de responsabilidade de Orígenes Lessa, e da revista Cultura Política, de Almir Andrade, eram simpatizantes do regime. Do Conselho Nacional de Imprensa, faziam parte o próprio Lourival Fontes e Roberto Marinho. E o maestro e compositor Vila-Lobos regia corais de milhares de crianças nas comemorações das datas cívicas, ocasiões aproveitadas pelo Estado Novo para organizar gigantescos desfiles patrióticos, “coreografando a grandeza do regime”.


Quando, muito mais tarde, Miriam Goldfeder, em tese defendida na Unicamp, afirmou que a prática radiofônica tinha a sua especificidade, quer seja, a de assumirum papel de controle social, implícito e difuso, veiculando a excelência de valores ético-morais, um modelo de sociedade ideal, positivo, sem, no entanto, respaldar-se direta e explicitamente num projeto político”, imediatamente fica-se tentado a discordar desta conclusão. Obviamente, a produção radiofônica da Rádio Nacional assumia seu papel de controlar corações e mentes das massas, através, principalmente, da veiculação das excelências dos valores burgueses. Por outro lado, essa produção também respaldava-se, "direta e explicitamente" num projeto político (entendida a política em seu sentido mais amplo), aliás, estranhamente, como sua própria tese demonstra. A criação do DIP, nesse contexto, se ampara exatamente nesse projeto político, importante para Getúlio se manter no poder, conquanto, nenhuma ditadura abre mão do controle dos meios de difusão de massas.

Muito mais esclarecedora sobre esse assunto seria a entrevista do novo diretor da Nacional, José Caó, concedida à Revista do Rádio em junho de 1950. Nela, o papel político da emissora fica patente, principalmente quando, apesar de afirmar que "não se trata de fazer da Nacional uma estação política", José Caó, também afirma que seria papel da emissora "esclarecer o povo, esclarecê-lo politicamente". Em síntese, a entrevista deixa claro qual seria o papel da Rádio Nacional a partir da chegada de Getúlio ao poder, dessa feita em eleições diretas:

"A Nacional vai imprimir um sentido mais patriótico, mais nacionalista, mais brasileiro à sua programação musical, criando um departamento especializado que se dedicará exclusivamente à música popular brasileira. A Nacional tem que se virar para o interior, para os rincões, sem esquecer a política.
Não se trata de fazer da Nacional uma estação política. O trabalho é orientar o povo, principalmente o povo do interior. Por isso, criamos o programa 'disse-me-disse' que apresenta dois homens do povo conversando sobre política. Até aqui, a Nacional pouco se dedicou aos problemas e assuntos deste jaez. E não me parece que uma estação praticamente do governo assim se mantenha. Não se trata de fazer política. Até agora o que está decidido é esclarecer o povo, esclarecê-lo politicamente."

Após a redemocratização (1945) e com o surgimento e adoção de novas técnicas gerenciais, a Rádio Nacional, mais do que nunca, se torna a líder inconteste de audiência em todos os grotões brasileiros, fato que lhe possibilita reunir um “cast” de artistas de causar inveja a todasas outras emissoras brasileiras.

Paralelamente, a exemplo também do que acontecia nos Estados Unidos, começam a surgir as primeiras revistas destinadas exclusivamente ao público ouvinte. A Revista do Rádio, surgida em fevereiro de 1948, seria a primeira porta-voz dos fatos e acontecimentos essencialmente radiofônicos, acontecidos nas rádios do Rio de Janeiro (de vez em quando, falando de cantores e eventos de São Paulo e de outros estados) e eventualmente comentando o teatro, a televisão (depois de 50), as boites etc., preenchendo uma lacuna estranhamente esquecida por Assis Chateaubriand, Roberto Marinho (que somente lançaria uma revista do mesmo tipo em 1953) e outros do ramo, especialmente, levando-se em consideração o crescente interesse americano pelo mercado discográfico brasileiro, muito bem conhecido pelos dois magnatas da imprensa brasileira, aliados incondicionais que eram dos interesses de Tio Sam no Brasil, com a conseqüente imposição de seus valores. O “sistema de estrelato”, o “star system” se enquadra dentro deste quadro, razão do estilo “hollywoodiano” que se tentou implantar na Rádio Nacional e em sua irmã gêmea, os estúdios cinematográficos Atlântida, o que ocasionaria a simbiose quase absoluta entre essas duas organizações.

No início de 49, Anselmo Domingues, dono da Revista do Rádio, coadjuvado por Borelli Filho, resolve encampar a idéia de popularizar o concurso Rainha do Rádio, agora, dentro deste novo espírito que então se impunha ao rádio, quer seja, o sistema de estrelato. Afinal de contas, os tempos são outros, o otimismo do pós-guerra é geral, e o rádio está suficientemente disseminado para que o distinto público ouvinte e leitores da Revista do Rádio pudessem escolher sua rainha por votação direta. Alguém escreveu que, nos anos cinqüenta o rádio era então a grande janela para o mundo, trazendo as últimas notícias, moldando a opinião pública, vendendo produtos, lançando modas e alimentando os sonhos dos ouvintes com a voz de seus atores e atrizes, astros e estrelas. Esse “reino encantado de sonhos e informação” precisava de seus reis e rainhas. E assim o concurso Rainha do Rádio nasce dentro deste conceito, tornando-se tão comentado e famoso quanto o concurso de Miss Brasil, outra febre na década de 50. Cada voto custava CR$1,00 (Um cruzeiro), correspondendo a um cupom recortado da revista. O dinheiro arrecadado teria um destino nobre: a construção do Hospital dos Radialistas, sonho de todos no meio artístico.
.

Na realidade, o concurso já existia. Linda Batista, então se preparando para se tornar a grande estrela do Estado Novo, fora escolhida, em 1936, por um colégio eleitoral, a 1.ª Rainha do Rádio, título que ostentou por 11 anos consecutivos. O concurso, contudo, só tomaria suas feições definitivas a partir de 1948, quando a Associação Brasileira de Rádio - ABR - o reorganiza em bases mais modernas. Dircinha Batista, irmã de Linda, e também cantora de grande sucesso popular e dotes vocais de qualidade, se elege, tornando-se a 2.ª Rainha do Rádio com 25.914 votos, à frente de Lídia Bastiani (12.715), Daisy Lúcidi (12.686) e Lenita Bruno (jovem e talentosa cantora, precursora da bossa nova, uma promessa muito sofisticada que não se confirmou), que obteve 10.073 votos. Porém, pela pouca publicidade, o título não teve grande repercussão, não trazendo maiores dividendos para Dircinha e para as outras participantes.

Lançado com estardalhaço, o novo concurso empolga o Brasil inteiro. Os fã-clubes, a exemplo do que acontecia nos Estados Unidos, brotavam como cogumelos por todo o país; alavancavam seus ídolos, constituindo-se no sustentáculo para a permanência dos artistas nos píncaros da glória. Os grandes programas de auditório são a sensação do momento, fazendo ídolos e ajudando a construir carreiras. Para esse concurso, esses fã-clubes teriam, ao longo dos anos, importância fundamental.

Nesse ano de 1949, o Brasil tem uma estrela. A maior e a mais famosa: Emilinha Borba (1923 - 2005), que seria a primeira artista brasileira (exceto Carmem Miranda, estrela em Hollywood), a ser capa da Revista do Radio. Emilinha, àquela altura a “Favorita da Marinha” em votação direta, e já identificada indelevelmente com a própria Rádio Nacional, está na linha de frente para ganhar o concurso. É a cantora mais popular do país, a mais comentada, além de já ser a campeã de correspondência da Nacional. Sua vitória lhe parece e a seus milhares de fãs absolutamente natural e o coroamento de uma longa e difícil carreira, iniciada quando ainda garota.

Nascida no Rio de Janeiro, em agosto de 1923, na Mangueira, Emilinha, desde menina, já frequentava alguns programas de calouros, tentando seguir as pegadas de uma irmã já cantora. Com 14 anos, ganha seu primeiro prêmio no programa "Hora Juvenil" da Rádio Cruzeiro do Sul. Aos 16 anos, em 1939, por intermédio de Carmem Miranda, então a estrela máxima do Brasil, é contratada por Joaquim Rolas para se apresentar no Cassino da Urca, ambição maior de nove entre dez cantoras iniciantes no Brasil. Nesse mesmo ano, entra também para o cast da Rádio Cajuti, além de gravar seu primeiro disco em 78 rpm (não contando sua participação no coro que acompanhou a música Pirulito (João de Barro/Alberto Ribeiro), gravada por Nilton Paz) para a gravadora Colúmbia,de um lado, o samba de Frazão Ninguém Escapa, e, do outro, o samba-choro Faça o Mesmo, também de Frazão, em parceria com Nássara, este, já então, um dos maiores compositores brasileiros, parceiro de Alberto Ribeiro, Mário Lago, Wilson Batista, Haroldo Lobo, Dunga, Almirante, Castro Barbosa, Braguinha e dezenas de outros. Faça o Mesmo, com uma deliciosa música e uma letra muito interessante, cantada por uma cantora ainda sem um timbre de voz bem definido, mas agradável aos ouvidos, entretanto, não emplaca, apesar de ser uma das melhores músicas já gravadas pela cantora:

“Você diz que eu tenho
A vida boa e folgazã
Que passo a noite em claro
E só me deito de manhã
E vive condenando
Meu sistema
De ir ao cinema
E passar a vida a esmo.
.
E diz que eu é que sei
Gozar a vida
Enquanto sua vida
É uma vida aborrecida
Não dei azar
No meu modo de viver
Se você quer ter prazer
Não tenha medo
E faça o mesmo.
.
Faça o mesmo
Que eu também
Já fui assim
Passei uma vida apertada
Parada, cansada
Mas depois pobre de mim
O que foi que eu arranjei
Nada!”



Emilinha
Borba interpretando Faça o M
esmo















Em 1940, entra para a Rádio Mayrink Veiga, formando, pouco depois, uma dupla com Bidu Reis chamada "As Moreninhas", com quem se apresenta por cerca de três anos.
.

Daí em diante, sua carreira, aos poucos, começa a deslanchar, até que, em 1944, assina coma Rádio Nacional, que então formava um elenco imbatível, visando à hegemonia no setor de radiodifusão. Estava aberta a porta para o sucesso. E Emilinha não desperdiçaria essa oportunidade. Disciplinada, simpática, determinada e ambiciosa, a estrela, além do mais, possuía uma beleza suburbana que a tornava irresistível. Muito clara, os cabelos negros e compridos, uma boca rosada e sensual, Emilinha logo começa a ser notada pela mídia. Seu sucesso se adivinhava pelas reações que sua presença causava por toda parte, especialmente no auditório da Nacional e nos shows para os quais ela era escalada.

O mais interessante é que, bem antes de ser famosa, Emilinha já era apontada como fadada ao sucesso. No número 571 de A Carioca (14.09.46), um numerologista escreveu:

"(...) O destino desta mulher, nascida sob o signo da felicidade, é superior a tudo, é superior à sua própria beleza, sendo invejáveis os prognósticos relativamente aos anos futuros… Esta jovem nasceu para vencer, dominar multidões, conseguir legiões de admiradores. Se concentrar toda a força de sua vontade na arte de cantar, poderá atingir a uma situação excepcional, ganhar muito dinheiro, e seu triunfo não poderá cair de forma alguma por terra… Se esta artista souber aproveitar todas as oportunidades, conseguirá certamente uma fama sem par na sua profissão (…)”
.
Com efeito, se em janeiro de 1947 ela ficou em um modesto sétimo lugar entre os astros mais queridos do rádio brasileiro (A Carioca n.º 588), em abril de 1948, ela é eleita a mais querida do rádio por l.233.354 votos, sendo que a radioatriz da Nacional, Isis de Oliveira, então no auge da popularidade, obteve 789.481 votos (A Carioca n.º 654), ficando na segunda colocação.

Sua consagração aconteceria em 1947. Nesse ano, os maiores sucessos musicais (segundo a Revista do Rádio n.º 4, de maio/48) foram: Copacabana (Braguinha e Alberto Ribeiro), com Dick Farney. Marina (Dorival Caymmi), com Dick Farney e outros. Nervos de Aço (Lupicínio Rodrigues), com Déo (e Francisco Alves). Segredo (Herivelto Martins), com Dalva de Oliveira. E mais três músicas, ambas retumbantes sucessos de Emilinha Borba: a rumba Escandalosa (Djalma Esteves/Moacir Silva), cantada no filme Este Mundo é um Pandeiro, de Watson Macedo, grande sucesso de público da Atlântida; Tico-Tico na Rumba (Peterpan e Rui Rei) e Se Queres Saber (Peterpan).

Dick Farney interpretando Marina.















Francisco Alves interpretando Nervos de Aço.




.
Escandalosa
,
também gravada por – imaginem – Aracy de Almeida, primeiramente, fez sucesso, por suas qualidades: a música, uma rumba, ritmo caribenho coqueluche do momento, pra ninguém botar defeito. A letra, até pelo nome, era um "escândalo", muito avançada para a época, quando até chamar alguém de "escandalosa" já era um escândalo. Foi o único grande sucesso de seus autores e um dos maiores de Emilinha:

“Um dia, uma vez lá em Cuba
Dançando uma rumba
Disseram que eu era
Escandalosa
Dancei, mas não me incomodei
Pois a rumba é por si
Maliciosa
(Escandalosa).
.
A rumba tem um ritmo louco
E remexe meu corpo assim
(Escandalosa)
Com muchacho sabido
Bem juntinho de mim
Confessando ao meu ouvido
És deliciosa
(Escandalosa).”

Fafá de Belém interpretando  Escandalosa.






Se Queres Saber, foi composta por Peterpan, cunhado de Emilinha, um compositor subestimado pela crítica, apesar de compor muito bem, tendo, inclusive, lançado Dóris Monteiro ao estrelato, quando a cantora, gravando Se Você Se Importasse, de sua autoria, Se Você se Importasse, estraçalha nas paradas de sucessos. Se Queres Saber se tornou um sucesso eterno, sendo, posteriormente, regravado por diversas cantores do primeiro time, tais como Nana Caymmi, Zizi Possi, Emílio Santiago e Ithamara Koorax:
.
“Se queres saber
Se eu te amo ainda
Procure entender
A minha alma infinda.
.
Olha bem nos meus olhos
Quando eu falo contigo
E vê quanta coisa eles dizem
Que eu não digo.
.
O olhar de quem ama diz
O que o coração não quer
Nunca mais eu serei feliz
Enquanto vida eu tiver
Se queres saber...”
Zizi Possi interpretando Se Queres Saber.




Dessa data em diante, Emilinha se tornaria a cantora brasileira mais famosa do rádio brasileiro de todos os tempos.

Mais tarde, alguns anos depois, César de Alencar, de cujo programa Emilinha era a estrela absoluta, mas com quem vivia às turras, dá um depoimento devastador contra a cantora, que merece ser reproduzido, pois, revela, sobremaneira, como funcionava realmente o sistema de estrelato implantado dentro da Rádio Nacional.

"(...) Ela ficou de tal maneira popular, que acabou se transformando em um problema para mim. Sua ausência representava uma lacuna. O pior é que seu fã-clube sabia quando ela ia faltar, me deixando a segurar a brocha, no alto da parede, sem a escada para me sustentar. Eu não sabia se podia contar com ela ou não. Tornou-se uma incógnita.
Como o programa se realizava no sábado, Emilinha se julgava prejudicada por não poder viajar e faturar fora do Rio, entrando em choque comigo, pois eu não abria mão de sua presença. Afinal, o programa havia contribuído demais para a sua fama. Ela se rebelava, só que sua rebelião era uma autêntica sacanagem contra mim no meu entender. Emília avisava somente à direção da emissora que ia trabalhar fora, mas eu só ia saber disso às vésperas do programa, na Sexta-feira. O que fazer para cobrir a sua ausência?
Por sua vez, o fã-clube dela, já sabendo que a Emília não vinha, armava outra sacanagem dentro do auditório. Assim, toda vez que eu anunciava uma cantora, o fã-clube gritava: 'é Emilinha, é Emilinha...' Isso, durante cinco horas, passou a ser um pesadelo que me atormentava, até que, no final do programa, quando eu anunciava a sua ausência, a vaia era ensurdecedora.
Os outros artistas se sentiam constrangidos e ficavam putos com quem? César de Alencar. Pensavam, certamente, que eu também estava na 'jogada'. De fato, Emilinha soube aproveitar a onda a seu favor e tirou vantagem. Ela já pertencia ao elenco da Rádio Nacional quando iniciei o programa, porém não desfrutava da fama que veio a conquistar (...)"

Apesar de todo esse favoritismo da “Favorita da Marinha”, corajosamente, mais cantoras se lançam em busca da ambicionada coroa: Ademilde Fonseca, da Rádio Tupi, Marlene (1922 - 2014), contratada da Rádio Nacional, Julie Joy, Carmélia Alves e outras.

Ademilde Fonseca (1921-2012) já era uma cantora razoavelmente famosa desde 1942, quando lançara, com grande êxito popular, o choro Tico-Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, letra de Eurico Medeiros. Cantar o choro não era fácil; os cantores tinham que combinar um misto de velocidade, fôlego e balanço para ultrapassar os “saracoteios" do gênero. Ademilde, que possuía esses atributos, além de cantar com uma rara embocadura de flauta na voz, não perde tempo e, a partir do sucesso inicial, com o amparo do poderoso compositor Benedito Lacerda, que chegava, inclusive, a ajudá-la na escolha de seu repertório, emplaca vários sucessos populares, Apanhei-te, Cavaquinho (Ernesto Nazaré/Braguinha), Urubu Malandro (adaptação de Lourival de Carvalho); Rato, Rato (Claudino da Costa) e outros (inclusive Brasileirinho, grande sucesso deste ano, que gravaria no ano seguinte), músicas que a consagrariam como a “Rainha do Chorinho”. Essa carreira de sucesso, no seu entender, a capacitava para vôos mais altos, sendo o mais alto deles ser eleita a Rainha do Rádio. Ademilde se atira ao concurso com garra e determinação, apoiada, principalmente, pelos jornais, revistas e emissoras radiofônicas pertencentes aos Diários e Emissoras Associadas, de Assis Chateaubriand.



Conjunto Época de Ouro interpretando Apanhei-te Cavaquinho.




Altamiro Carrilho interpretando Urubu Malandro.

















Ademilde Fonseca interpretando Brasileirinho.





A histórica participação de Marlene no concurso se tornou lendária, menos pela participação em si, e mais pelas circunstâncias que cercaram o seu envolvimento no certame.
.
Marlene, assim como Emilinha, começou a cantar bastante cedo, ainda como amadora, em 1941, na Rádio Bandeirantes de São Paulo. Depois de passar pouco tempo na Rádio Tupi (também de São Paulo), já como profissional, muda-se, em 1943, para o Rio de Janeiro, logo conseguindo uma vaga no Cassino Icaraí, onde também fica por pouco tempo. Contratada logo depois pelo Cassino da Urca, como “Lady-Crooner”, aí permanece até quando os cassinos são fechados pelo presidente Dutra em 1946. Nesse mesmo ano, é contratada pela Rádio Mayrink Veiga, além de gravar seu primeiro disco de 78 rpm na gravadora Odeon, o samba-choro Swing no Morro (Felisberto Martins/Amado Régis) e o samba Ginga, Ginga, Morena, de João de Deus e Hélio Nascimento. Em 1948, as portas começam a se abrir para a cantora como por encanto; além de estar contratada pelo Copacabana Palace e pela Rádio Nacional, alcança um êxito relativo com as músicas Toca, Pedroca (Pedroca e Mário Morais) e Casadinhos (Luís Bittencourt/Tuiú), em que canta em dueto com César de Alencar, então o mais famoso animador de auditório do rádio brasileiro. Já é um nome razoavelmente conhecido, mas longe do sucesso esmagador de sua concorrente.

Logo após ser contratada pela Rádio Nacional, Marlene é chamada por Vítor Costa, o maioral da emissora, que lhe pergunta se ela queria participar do concurso. Também logo lhe anuncia que ela não teria a mínima chance, já que ganhar de Emilinha, àquela altura, era o chamado sonho impossível. No entanto, mais uma vez, os deuses do rádio tramavam em surdina; enquanto os fã-clubes de Emilinha angariavam votos através de festas, bingos e quermesses, Marlene, uma mulher de temperamento forte e ambiciosa, aliás, como toda jovem estrela que almeja alcançar o estrelato, encontra a sorte grande. Instada por Caribé, seu amigo dos tempos dos cassinos, a procurar Raul Guastini, Relações-Públicas da Antarctica, e também seu amigo, para conseguir alguns votos, a cantora, ao procurar a pessoa indicada pelo amigo, nem imaginava que tal encontro mudaria sua vida para sempre.

A Antarctica estava em vias de lançar no mercado um novo produto – o Guaraná (Champanhe) Caçula. Os marqueteiros da companhia, ouvindo de Raul Guastini a história da eleição que estava mexendo com o Brasil, não tiveram dúvidas: chamam Marlene e lhe fazem uma proposta pra lá de tentadora: dar-lhe-iam um cheque em branco para elegê-la, usando, em troca, sua imagem como Rainha do Rádio, associando-a com o guaraná em vias de ser lançado. Era um negócio da China que Marlene soube aproveitar e muito bem. O poder econômico já mostrava suas garras na indústria cultural.
.
Pouco antes do resultado, Emilinha fica sabendo dos detalhes da aliança de interesses feita entre Marlene e a companhia Antarctica; revoltada, vendo a vitória escapar sem nada poder fazer, desinteressa-se pelo concurso para desespero de seus milhares de fãs. O resultado, apregoado para todo o Brasil através de praticamente todos os jornais e revistas, além de ser destaque até no Repórter Esso, o rádio-jornal mais ouvido do Brasil, não poderia ser outro: Marlene é eleita com 529.982 votos. Ademilde Fonseca abocanha o segundo lugar, com 345.590 votos. Emilinha, a franca favorita, fica em terceiro lugar, além de levar uma bronca da Revista do Rádio:




“Apenas uma nota destoou em tudo. Emilinha Borba, classificada abaixo de Marlene e de Ademilde Fonseca, não se conformou com a derrota e recusou-se a cumprimentar a vencedora. Teve palavras menos atenciosa para a sua colega e não assistiu à coroação de Marlene no dia do Baile do Rádio (…)”

.

Não muitos dias depois, como resultado da união Marlene/Antarctica, começa a aparecer em jornais e revistas a foto de Marlene saindo de dentro de uma espumante garrafa do Guaraná Caçula, acompanhada dos dizeres: A RAINHA DO RÁDIO E O REI DOS REFRIGERANTES.



Marlene Especial.






Dessa forma, nesse concurso, teve início a maior rivalidade da história da música popular brasileira, que perdurou até o raiar do novo milênio.

8 comentários:

Anônimo disse...

Trabalho de pesquisa excelente! Como nota negativa: pequenos indícios de anti-americanismo (latente em outras matérias do Blog) por parte do autor.
Parabéns!

Myrian Lujan disse...

gostaria de saber se vc tem alguma coisa de homero marques,meu pai.grata

Unknown disse...

O cantor Hélio Paiva não foi mencionado na história da Rádio Nacional.Porque?

Grata.

Gabriela Paiva

marco garcia disse...

Olá,primeiro parabens,lindo blog,meu nome é Marco,sou neto de Mirian de Souza,conteporanea destas beldades do rádio,estou pesquisando e gostaria de saber se vc ou alguem tem algo sobre ela, meu email é: marco-agt69@hotmail.com,agradeço a ajuda.

Yuri Fernandes disse...

Muito interessante o Blog, porem eu esperava mais do final, pudesse ter contado mais da historia do estrelato no Radio até os dias de hoje... Mas, mesmo assim muito interessante.

Década de 50 disse...

Caro Yuri, o blog só contempla a década de 50, como você pode ver pelo título. Também, na entrada de 60, o rádio deixou de ter tanta influência no Brasil com a avassaladora chegada da televisão no Brasil.

Anônimo disse...

LEMBRO DAS SERIES DO JERONIMO O HERÓI DO SERTÃO E O ANJO

Anônimo disse...

olá sou neto do Gordurinha, faltou falar do programa que meu avô participava Ali babá e os 40 garções. foi líder de audiência e o varandão da casa grande que meu avô apresentava